Na infância, Roseli Hübner, 54 anos, tinha o sonho de ser professora. Fez a graduação em letras e começou a trabalhar criando manuais de tecnologia, e descobriu uma nova paixão que se tornou oportunidade.
Em meio a uma equipe totalmente técnica de desenvolvimento de sistemas investiu em treinamentos e com a prática, se tornou gestora de TI.
“Hoje já vemos mulheres ocupando cargos de liderança em tecnologia, mas há 30 anos, não era muito comum. Eu tive as oportunidades e soube aproveitar, muito inspirada por outras grandes mulheres líderes que convivi nas empresas que trabalhei”, relata.
Há um ano e meio, ela assumiu um novo desafio de comandar uma equipe de 60 pessoas predominantemente masculina da unidade de Blumenau da Supero Tecnologia, empresa especializada em fornecer soluções sob medida em TI.
“Eu falo para as mulheres não terem medo da área de tecnologia e acreditarem nas suas capacidades. É uma área bem dinâmica e que oferece muitas oportunidades, independente de gênero e da idade, por isso é sempre importante investir em capacitação”, destaca.
Roseli é um dos rostos de uma transição necessária: o número de mulheres em cargos de liderança empresarial está crescendo e, mesmo que em ritmo lento, a disparidade perante aos homens está caindo.
Segundo o relatório Mulheres nos Negócios, da Grant Thornton, organização global de auditoria e consultoria, elas ocuparam 29% das funções de liderança em companhias de todo o mundo no ano passado, o número mais alto da história.
Conhecimento de igual para igual
Em evidência, o setor de tecnologia é um dos grandes exemplos dessa evolução. De predominância masculina, a disparidade de gênero nas contratações para vagas de desenvolvimento de softwares reduziu.
Dados do Caged apontam que nos últimos cinco anos, a participação feminina cresceu 60% (de 27,9 mil, em 2014, para 44,5 mil em 2019.
Ainda assim, elas representam apenas 20% dos profissionais de tecnologia.
Ambos os levantamentos revelam que o caminho para equilibrar a proporção dos gêneros no setor ainda é longo, mas promissor.
Com mais de 50 projetos desenvolvidos em companhias de todo o Brasil, a especialista em gestão de pessoas Daiane Andognini, CEO da Hug, consultoria de gestão de pessoas e formação de cultura de empresas de tecnologia, aponta que nas organizações em que ela atua as mulheres ainda ocupam somente 8% das posições de liderança.
Em contrapartida, a profissional avalia ser crescente o número de empresas que estão cultivando a cultura da diversidade.
De acordo com ela, a maioria das mulheres que lideram áreas estratégicas nas empresas conseguem chegar a esse nível por terem visão de negócios e “track record” (experiência) nos seus desafios:
“De maneira geral elas são respeitadas pelo conhecimento de igual para igual. Depende muito da cultura da empresa e do modelo mental dos líderes principais. Há uma tendência que esse movimento seja cada vez mais homogêneo para todos os gêneros, afinal a diversidade potencializa o processo de inovação.Mais do que a característica de gênero, é importante que as lideranças percebam a necessidade de influenciar e desenvolver pessoas como um papel da sociedade”.
Exemplos para inspirar
Elas não são donas das empresas onde trabalham, mas são respeitadas como se fossem. Conheça três mulheres que ocupam cargos de liderança na tecnologia:
Jannaina Pacheco, coordenadora de Sistemas Internos na Dígitro Tecnologia: atua há mais de 20 anos no mercado de tecnologia. Destes, está há 18 na Dígitro Tecnologia, empresa que desenvolve soluções de inteligência e comunicação corporativa para diversos segmentos. Ela ingressou no setor seguindo o conselho do pai, que avisou que essa seria a “profissão do futuro”. Formada em Ciência da Computação, e especialista em sistemas WEB, iniciou na área fazendo estágios e, após se formar, começou a trabalhar com programação, manipulando banco de dados e analisando sistemas internos da empresa. Hoje trabalha com análise, é gestora da equipe de sistemas e ainda codifica. De 20 formandos em sua turma, apenas seis eram mulheres:
“Hoje ainda somos minoria, imagina há 20 anos. Mas me encontrei nessa profissão e acredito que muitas mulheres não se interessem por temer o mercado técnico e ter a visão que ele é voltado para homens, o que não é verdade”.
Kelly Paganucci, Customer Success na Effecti: desde a graduação em análise desenvolvimento de sistemas e a pós em gestão de TI, Kelly Paganucci, 30 anos, percebia a falta de professoras e mentoras mulheres nas turmas de tecnologia. Mas por ter incentivo em casa, o pai e o irmão são desenvolvedores, buscou fazer sua trajetória na área. Há três anos foi na Effecti, startup de Rio do Sul especialista em automação para participantes de licitações, que aliou suas habilidades técnicas com características pessoais, para se desenvolver como líder, e hoje atua no setor de Customer Success.
“Eu fui crescendo juntamente com a expansão da empresa. Comecei em uma função mais operacional, mas pelo meu perfil consigo dialogar com todas as áreas da Effecti”, explica.
Recém retornando ao trabalho após a licença maternidade da primeira filha, ela diz que agora consegue entender ainda mais os desafios de ser mulher, mãe e profissional, mas contou com o acolhimento da empresa e dos colegas:
“A área de TI nos exige atualização constante, principalmente quando se trabalha em uma startup, em que as coisas mudam muito rápido. Mas hoje, também como professora, eu incentivo todas as mulheres a pensarem fora da caixa. Temos mulheres na presidência de grandes empresas de tecnologia como IBM, HP e YouTube para nos inspirar e ver que é possível fazer a diferença”.
Cláudia Denardi Rutzen, diretora administrativa na WK Sistemas: formada em Ciências Contábeis e especialista em contabilidade geral, Cláudia começou na WK Sistemas como assistente administrativa, foi promovida a contadora, passou para a gerência e hoje é diretora administrativa da empresa. Desde o começo da carreira, há 28 anos, ela teve uma modelo de inspiração: Maria Ignêz Keske, uma das sócias da empresa.
“Foi ela quem abriu muitas portas e de certa forma propiciou que eu nunca sofresse nenhum tipo de discriminação por gênero na minha trajetória profissional”, conta.
Mas ela sabe que essa ainda não é a realidade de todas as empresas:
“Nós lidamos com uma herança cultural onde homens são bons em exatas e mulheres são melhores nas áreas de humanas. Elas não são estimuladas a serem cientistas, matemáticas ou desenvolvedoras de software, e essa cadeia se reflete no mercado de trabalho, onde temos um número menor do que seria o ideal de mulheres ocupando posições de liderança nas empresas de tecnologia. Na WK o reconhecimento da competência nunca foi vinculado ao gênero, e atualmente 60% da nossa liderança é exercida por mulheres. Isso é algo que nos orgulha muito”.