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“Segunda onda de Covid-19 no Brasil deve ser semelhante a dos EUA”, diz empresário que testa assintomáticos

O Brasil vive uma estabilidade na confirmação diária de novos óbitos por coronavírus desde 10 de agosto.

Mas, em breve, o número que hoje está na casa dos 700 por dia deve voltar a subir e se estabilizar em um patamar mais alto que o atual, observa o doutor em Genética e Biologia molecular Luiz Felipe Valter de Oliveira, CEO da BiomeHub, startup especializada em tecnologia para a saúde.

Na avaliação do especialista, que desde o início da pandemia já testou perto de 20 mil pessoas para a Covid-19 só em Florianópolis, esse aumento reflete os novos afrouxamentos de regras de isolamento ocorridos nas últimas semanas, em sua opinião precoces, combinados à baixa testagem.

“Aqui no Brasil não tivemos uma experiência de declínio no número de novos casos tão acentuada como ocorreu na Espanha, por exemplo, antes de começarmos um processo de retomada de atividades. Isso, combinado a um nível de testagem relativamente baixo, nos leva a crer que em breve teremos uma nova onda. Retomada das atividades sem testagem é uma combinação perigosa para uma pandemia altamente contagiosa”, explica.

Ele também defende a necessidade de se intensificar a testagem de pessoas assintomáticas, já que os estudos mais recentes, entre eles um levantamento realizado pela própria startup a partir da sua base, mostram que a carga viral desse grupo é semelhante a dos sintomáticos. Ou seja, ambos apresentam praticamente o mesmo potencial de transmissão. 

A seguir, confira a entrevista completa com o especialista:

Teremos uma segunda onda de casos no Brasil?

Luiz: Um caso que representa muito bem uma segunda onda é o da Espanha, onde existe uma separação clara entre uma primeira onda de disseminação do vírus (março e abril), que foi contida nos meses de maio e junho, e na primeira quinzena de agosto voltou a crescer. Nos EUA, o número de novos casos por dia não teve uma queda drástica e aconteceu uma segunda onda diferente, que fez com que o número de casos diários subissem para um novo patamar. Ao que tudo indica, no Brasil deve ocorrer algo parecido. Aqui, não tivemos uma experiência de declínio de novos casos tão acentuada como ocorreu na Espanha antes de começarmos um processo de retomada das nossas atividades. Isso, combinado a um nível de testagem relativamente baixo, nos leva a crer que em breve teremos uma segunda onda. Retomada das atividades sem testagem é uma combinação perigosa para uma pandemia igual a essa, altamente contagiosa.

Quais são as evidências de que iremos para um platô mais alto?

Luiz: Isso deve ocorrer porque o Brasil não esperou o número de casos seguir uma tendência de queda para restabelecer atividades e flexibilizar regras de isolamento. Nos grandes centros urbanos, boa parte da população está vivendo como se não estivesse em meio a uma pandemia. Os casos e mortes de hoje foram de contaminações que aconteceram há mais de 15-20 dias, por isso os reflexos das flexibilizações de agora irão refletir nos indicadores daqui 15-30 dias, devido ao ciclo do vírus e da infecção. Nesse contexto, é muito provável que tenhamos um cenário mais parecido com os EUA se não mantermos todas as precauções, como distanciamento social, uso de máscaras, higienização das mãos e intensificação da testagem. Num momento de retomada, é onde os testes são mais importantes.

Fazer isolamento é tão importante quanto testar nesse momento?

Luiz: Na fase inicial da pandemia, o mais importante era realizarmos um isolamento bem feito, pois à medida que todos estivessem isolados, independentemente de estarem infectados ou não, conseguiríamos evitar um crescimento da curva de contaminação de forma acentuada, dando tempo para o país escalar sua infraestrutura hospitalar e assistencial, além de aumentar a capacidade de realização de testes. Agora, nesta etapa de retomada, é a realização dos protocolos de segurança, juntamente com a testagem em massa de forma recorrente, que vai fazer com que consigamos isolar mais rapidamente os indivíduos infectados. Neste contexto, chamo a atenção para os infectados assintomáticos que são os casos mais críticos no controle na dispersão do vírus. Infelizmente, o nosso sistema de saúde não comporta a testagem em massa dos assintomáticos usando as estratégias tradicionais de RT-PCR (testes moleculares, mais precisos para identificar o vírus ativo em um indivíduo).

Por isso é importante testar assintomáticos?

Luiz: Florianópolis, cidade onde testamos entre 15 a 20 mil pessoas assintomáticas – incluindo servidores públicos, militares, jogadores de futebol, trabalhadores do transporte público e os pequenos comerciantes, – chegou a ficar mais de 30 dias sem registrar morte por coronavírus. Nós desenvolvemos uma metodologia capaz de ampliar a capacidade de testagem em massa da população, a chamada triagem molecular para Sars-Cov-2, também conhecida como método em pool. Este tipo de abordagem está sendo utilizado em outros países, em que testes RT-PCR são realizados utilizando-se um grupo de amostras. Como estes são estudos recentes, realizamos uma validação interna comparando a carga de todos os indivíduos assintomáticos com os sintomáticos que temos na nossa base, e não vimos diferença significativa na carga viral. Ou seja, pessoas destes dois grupos têm virtualmente o mesmo potencial de transmissão do vírus.

A carga viral se reflete na capacidade de transmissão?

Luiz: Na teoria sim. Sabe-se que o spray de gotículas que liberamos através da respiração, da tosse e do espirro, é o fator mais relacionado à capacidade de contaminar as pessoas. Quanto mais alta a carga viral de um indivíduo, mais essas gotículas expelidas têm chance de contaminar outras pessoas. Inicialmente, se pensava que os sintomáticos tinham carga viral maior e por isso maior poder de transmissão, enquanto que os assintomáticos, que teoricamente teriam uma carga viral menor, tinham menos chances de propagar o vírus. Mas não foi bem isso que se viu nos estudos realizados. A carga viral dos dois grupos é basicamente a mesma, e por um fator imune e/ou genético, alguns indivíduos desenvolvem e outros não os sintomas. A carga viral pode ser indicativo do potencial de transmissão, mas não necessariamente da severidade dos sintomas. 

Qual é forma mais eficaz de identificar coronavírus em assintomáticos?

Luiz: Os testes mais amplamente recomendados são aqueles que detectam o vírus utilizando o método RT-PCR, também conhecidos como testes moleculares. Eles são mais sensíveis e precisos para identificar a presença do vírus em um indivíduo contaminado. O PCR é considerado o padrão-ouro na testagem para o coronavírus, com taxas de sensibilidade e especificidade acima de 90%. Mas tudo depende de uma coleta adequada e do período em que é realizado. Esse teste não é vendido em farmácias. Precisa ser realizado por laboratórios especializados.

Ao identificar o vírus num assintomático e isolá-lo, quantas pessoas deixam de ser contaminadas? 

Luiz: Ainda não existe um número que defina quantos indivíduos podem ser contaminados por um único indivíduo infectado. O que se sabe é que a grande maioria dos casos de transmissão identificados ao redor do mundo são domésticos, o que faz com que o número médio de pessoas contaminadas por uma pessoa infectada fique em torno de 2,5 e 4 pessoas [referência, referência]. Porém, há registros de casos de surtos, relacionados a eventos sociais, que estimam que dezenas de pessoas foram contaminadas por um ou poucos indivíduos sabidamente contaminados [reference]. Além disso, um estudo estimou que ambientes internos aumentam em 18,7% a chance de contaminação, quando comparado com ambientes externos (aberto) [referência]. Com essas informações é possível estimar que, para cada indivíduo assintomático que conseguimos identificar de forma preventiva e isolá-lo é possível proteger entre 2 e 4 pessoas da contaminação.

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