Impulsionado pela crise econômica causada pela pandemia, o ano passado foi destaque na criação de pequenas empresas.
Com um crescimento de 20% no número de microempreendedores individuais, uma pesquisa do Portal Empreendedor aponta que o Brasil registrou, no último ano, um recorde de pessoas começando um negócio, atingindo um total de 11,5 milhões de profissionais, o maior número desde 2009.
No Brasil, criar uma empresa já é difícil, agora, sobreviver aos primeiros anos de negócio é mais ainda.
Segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), quase 60% das empresas fecham as portas em até cinco anos.
O principal motivo gira em torno de ter uma solução que não atende uma necessidade real do mercado, seguido de problemas com a equipe e pouco capital ou falta de planejamento na hora de usar os recursos.
Os negócios que conseguem perceber e aprender com esses erros são os que conseguem escalar mais rápido.
Com diferentes históricos e áreas de atuação, quatro empreendedores que estão à frente do seu segundo negócio dão conselhos para quem quer começar a empreender.
“Escolha bem seus parceiros de negócio”
Depois que Gustavo Raposo vendeu sua última startup, a Arvus, para a multinacional Hexagon, ele percebeu a importância de se trabalhar com sócios de visões e experiências de trabalho divergentes.
Em março de 2019, quando embarcou em seu segundo negócio, a fintech de bem-estar financeiro Leve, garantiu que, dessa vez, trabalharia não só com sócios com características diferentes de si próprio, mas que também se cercaria de pessoas mais seniores.
“Uma equipe homogênea traz menos inovação, atrapalhando fortemente a disrupção do negócio. Quando você está começando, você não quer perder novas ideias. Isso vai atrapalhar sua escalabilidade ao longo prazo e você só vai perceber quando é tarde demais”, explica o empreendedor.
Junto a ele, em março do último ano, a fintech começou a contar com o ex-ContaAzul, João Zaratine, à frente do negócio.
A empresa foi a primeira startup brasileira selecionada pela 500Startups, um dos principais programas de aceleração de negócios no Vale do Silício, ficando incubada por quatro meses nos Estados Unidos.
“Tem dois aspectos característicos do João que foram levados em conta. Ao contrário de mim, ele não é um engenheiro pragmático, quadradinho e é mais novo, seis anos de diferença. Começou em outra geração de empreendedores, com muito mais energia e visão de vendas escalável”, conta.
Em nove meses, a startup aumentou sua base de clientes em quase 10 vezes, saindo de 9 empresas atendidas em janeiro para 85 em setembro do ano passado.
“Seu planejamento estratégico tem que ser inegociável”
Uma série de lições sobre empreendedorismo e vendas compõem o livro “De 0 a 50 milhões — Aprendizados Reais de Uma Trajetória Empreendedora”, de Theo Orosco, cofundador e CEO da Exact Sales.
Na obra, ele compartilha o aprendizado adquirido ao longo da carreira, desde o primeiro emprego como entregador de panfletos, passando pela venda de sua primeira empresa até a criação da atual, a maior plataforma de sales engagement da América Latina.
Ele entrou no mundo do empreendedorismo em 2013, com a fundação do seu escritório de design industrial, a 2:1 Design.
Porém, na época, um erro de estratégia junto ao excesso de trabalho culminaram em um colapso e o levaram para o hospital, fator que colaborou para a venda de um escritório de extremo sucesso.
Hoje, anos depois do episódio, o empreendedor orienta quem está entrando no setor a não abrir mão de sua forma de negociação por grandes clientes, como fez em seu negócio anterior.
“Com a Exact Sales já aconteceu de não fecharmos contratos por não abdicarmos da nossa forma de comercialização ao, por exemplo, não priorizar uma certa funcionalidade no desenvolvimento que as empresas querem. Então, ninguém além de nós mesmos mandou no nosso roadmap, planejamento estratégico e no nosso modelo de negócio. Quando o planejamento estratégico é muito bem desenhado, não se deve deixá-lo de lado para trazer grandes contas”, explica o empresário.
Essas grandes empresas acabaram virando clientes depois, no modelo em que a startup queria.
Em 2016, Theo foi apontado pela revista Pequenas Empresas & Grandes Negócios como um dos dez empreendedores que estão mudando a lógica dos negócios no Brasil.
Em 2018 e 2019, foi considerado um dos dez melhores mentores da ABStartups.
“Pense no tamanho de mercado do seu produto”
Antes de criarem a startup de reconhecimento facial para pagamentos Payface, em 2018, Eládio Isoppo e Ricardo Fritsche já haviam se envolvido em diferentes negócios.
Em 2014, Eládio criou a startup H2App, um aplicativo para quem quer comprar galões de água sem sair de casa, vendido mais tarde para a Águas Santa Rita.
Já Ricardo começou a Meritt em 2009, edtech vendida no ano passado para o grupo Cogna, que tem como objetivo usar a inteligência para melhorar o processo de ensino e aprendizado dos alunos.
Percebendo a demora das filas de espera para realizar o pagamento nos locais, eles tiveram a ideia de acelerar esse processo de alguma forma.
Para Eládio, sua experiência prévia e o potencial inovador da ferramenta da Payface foram os motivos que o fizeram tomar a decisão de empreender novamente, mas dessa vez na frente de uma startup com um tamanho de mercado e potencial escalável muito maior.
“Vejo muitos profissionais que ainda não entendem que o tamanho de mercado do produto é um recurso crítico para a sobrevivência do negócio. O caminho para empreender é muito mais desgastante do que um emprego comum e o sucesso é incerto. Se você não estiver bem segmentado, não compensa”, comenta.
“Entenda bem o seu público e o que ele precisa”
Os irmãos Piero e Diego Contezini não empreenderam uma nem duas vezes, mas mais de três.
A relação com a tecnologia vem de família e os dois se envolveram com a área muito cedo. Piero, por exemplo, começou a programar com apenas 12 anos e, aos 18 anos, já abriu seu primeiro negócio.
Os irmãos estão entre os criadores de duas empresas que deram origem a diversos outros negócios inovadores na região de Joinville.
Em um deles, no entanto, perceberam que não sabiam o que de fato o seu público-alvo precisava.
“Assumimos que nossos clientes queriam uma ferramenta técnica para fazer processamento de pagamentos, mas acabamos entendendo que eles eram em sua maioria pequenos negócios e autônomos, que não entendiam de tecnologia e não tinham acesso ao sistema financeiro para fazer operações pelos bancos”, explica Piero Contezini, hoje CEO da fintech Asaas, que surgiu a partir dessa ideia.
Ele e o irmão investiram no negócio e ficaram meses fazendo testes e análises de público-alvo para ajustar o software.
Hoje, após 10 anos, a fintech focada em micro e pequenos empreendedores já conta com uma solução completa para gestão de cobranças, pagamentos e antecipação de recebíveis que atende mais de 50 mil usuários.
Desde o seu lançamento, o Asaas recebeu investimentos de mais de R$ 45 milhões, sendo que o último aporte foi liderado pelo Inovabra Ventures.