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Cai para 37,4 % o número de mulheres em cargos gerenciais no Brasil

Michelly Dellecave, CMO da Pulses. Foto: divulgação

Após três anos sem atualização, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) publicou a segunda edição da pesquisa “Indicadores sociais das mulheres no Brasil”.

O estudo aponta que 37,4% das mulheres brasileiras ocupam algum cargo de gerência, seja como diretora ou gerente.

O dado faz referência ao ano de 2019 e apresenta uma queda de 1,7% em relação ao registrado anteriormente, em 2016.

Esta flutuação percentual é uma característica que se repete desde 2012, quando este indicador de estatística de gênero foi apresentado pela primeira vez.

Apesar da baixa queda percentual, o número corrobora a constante e histórica desigualdade de gênero para cargos de maior rendimento.

Além dos homens estarem em 62,6% destes cargos, mulheres recebem até 38,1% menos quando ocupam a mesma função. 

Em busca de diminuir a desigualdade no ambiente corporativo, algumas CEOs e gerentes empreendem em prol de mulheres.

Lícia Souza, 40 anos, mãe, advogada, fundadora e CEO da WE Impact é um exemplo disso.

Sua empresa é a primeira venture builder dedicada a startups lideradas por mulheres, e desde a fundação, em 2019, já investiu mais de R$ 1,5 milhão no empreendedorismo feminino tecnológico, impactando a vida de mais de 100 mulheres desse ecossistema.

“Minha maior conquista enquanto investidora com certeza é democratizar o acesso a capital financeiro e intelectual. Conseguir influenciar uma nova forma de empreender e desenvolver negócios, incentivando e normalizando a diversidade na economia”, conta.

A história de empreendedorismo dela começou depois de engravidar e ver sua carreira de executiva ser colocada à prova.

De acordo com a pesquisa “Licença-maternidade e suas consequências no mercado de trabalho do Brasil”, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), pelo menos 48% das mulheres são demitidas em até 12 meses após o retorno do benefício.

Olívia Biagi Raymond, 33 anos, CMO da Prevision, teve este receio antes de se candidatar ao cargo na construtech, uma empresa do ramo tecnológico e de construção civil, ambos considerados majoritariamente masculinos:

“Eu estava curiosa para saber como seria, quais questionamentos poderiam ser levantados, e eu fui surpreendida de forma extremamente positiva. Ser mãe jamais foi um ponto negativo, isso deveria ser o normal para toda e qualquer empresa, mas sabemos que não é assim. Vi muitas colegas voltarem de uma licença maternidade e perderem seus cargos, então acho que é muito legal exaltar lugares acolhedores como a Prevision”.

Esta surpresa positiva que ela sentiu não é fato ao acaso. A contrutech desenvolveu uma plataforma para planejamento e gestão de obras, também foi co-fundada e é dirigida por uma mulher.

Por ser engenheira civil, Paula Lunardelli, 34 anos, lida há muito tempo com o meio masculino e soube se adaptar a brincadeiras preconceituosas direcionadas a si ou a outras profissionais.

Ao longo de sua vida, já sofreu assédios e perdeu contratos por precisar impor seu profissionalismo, mas isso só virou combustível para seguir em frente.

Essa motivação também a impulsiona a corrigir comportamentos sexistas e criar abertura para um diálogo respeitoso, como quando repreendeu uma piada feita por um engenheiro, que posteriormente reconheceu o erro e agradeceu o aprendizado.

Nós somos responsáveis por trazer a força para as mulheres e a educação para os homens, com tranquilidade e sem ódio no coração”, destaca a empresária.

SÍNDROME DA IMPOSTORA

Dentre as dificuldades de ocupar cargos historicamente masculinos, vem a constante necessidade de se provar competente e digna da posição de gestão.

O que faz com que muitas mulheres em posição de liderança sofram com a síndrome do impostor, um fenômeno mental em que a pessoa não acredita nas próprias conquistas e capacidade profissional ou intelectual.

A própria diferença salarial pode ser um fator que agrava a síndrome, pois pode ser interpretado como uma resposta à competência individual e não a uma desigualdade histórica.

Ao longo da carreira de Viviane Martins, 39 anos, a síndrome foi um dos desafios para superar, ainda mais quando a fazia acreditar que sua diferença salarial não tinha origem na histórica desigualdade social, mas em mérito. Esse fator atrelado ao machismo e sexismo podem dificultar ainda mais o trabalho e auto-reconhecimento da profissional. 

Viviane é formada em Design Gráfico e Propaganda e atua como gerente de produto na Geekhunter, uma startup especializada na contratação de profissionais de tecnologia.

Atualmente, 43% dos cargos de liderança da startup são compostos por mulheres e isto é resultado de uma mudança de postura e desejo de trazer mais diversidade para a companhia.

“Quando me tornei a primeira gerente mulher da empresa toda, em uma experiência anterior, ouvi as boas-vindas e uma piada de que agora teriam que medir as palavras no grupo de gerentes”, relata a profissional.

Em retrospectiva, a gerente de produto percebe que influenciou e continua influenciando muitas mulheres, seja por meio da liderança ou com mentorias.

Ela aprendeu a expor suas realizações, evitar e gerenciar conflitos, confrontar quando necessário e, principalmente, valorizar e dar visibilidade ao seu trabalho.

A dificuldade em acreditar no próprio trabalho também fez parte da experiência profissional de Manoela Gieseler, 31 anos, e COO na startup Asaas, uma fintech que oferece serviços financeiros focados em profissionais autônomos, MEIs e micro e pequenas empresas.

Ela cita que um dos principais desafios do início da carreira foi ter voz ativa para expor ideias e conseguir que elas fossem aceitas. Para superá-lo, precisou encontrar apoiadores e influenciadores dentro das empresas em que passou:

“Deixei de dar minha opinião ou apresentar ideias por medo de elas não serem aceitas ou não fazerem sentido. Me sinto muito grata de ver que eu consigo inspirar mulheres ao meu redor a acreditarem mais nelas e mostrar que podemos ir longe na nossa carreira profissional, basta acreditarmos em nós mesmas e não desistirmos”.

Hoje, dos 208 colaboradores da startup, 120 são mulheres. Entre elas, Thaís Consiglio, que com 26 anos ocupa o cargo de diretora de jurídico e regulatório.

“Ser mulher e jovem em um mundo corporativo demanda coragem e é muito sobre acreditar em si mesma, expondo ideias e projetos que ajudem o negócio como um todo”, reforça.

SENSIBILIDADE VERSUS FOCO E OBJETIVIDADE

A falta de representatividade feminina em cargos de gerência compõe um espectro amplo de desigualdade de gênero no Brasil.

No imaginário popular, há características e qualidades que são exclusivas do campo feminino e outras, geralmente opostas, do campo masculino.

Este tema é apontado pela psicóloga Michelly Dellecave, 36 anos, que foi pesquisadora e professora da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI) e hoje é CMO (diretora de marketing) da Pulses, startup que oferece soluções de clima organizacional, engajamento e performance medidos de forma contínua para apoiar líderes na gestão de pessoas.

Durante sua atuação enquanto professora e pesquisadora, ela começou a identificar diferenças sutis entre homens e mulheres nas empresas, principalmente em relação a cargos executivos:

“Ficou claro, por exemplo, o quanto a liderança feminina ainda está relacionada a aspectos de sensibilidade, enquanto a masculina é associada a objetividade e foco. Por essa questão cultural, nós, mulheres, precisamos de muita determinação e persistência, porque além de estarmos sempre sendo colocadas em teste, ainda temos um esforço a mais de enfrentar jornadas duplas e até triplas no trabalho e em casa”.

O fato de que apenas 37,4% das mulheres ocupam cargos de gerência não passa despercebido por Michelly, que se vê também como a única (ou uma das poucas) mulheres em seu ambiente de trabalho, no setor da tecnologia:

“O mercado está sim com um maior número de homens, mas nós também podemos e temos direito de estar trabalhando ali. Eu não me sinto intimidada porque essa é uma causa e uma luta que eu carrego comigo desde muito nova, mas ver tão pouca representatividade no setor é algo que me incomoda bastante”.

Em busca de resolver problemas macros em ambientes micro, o Grupo Mulheres ACATE, foi criado em 2018.

O coletivo tem como propósito fortalecer o protagonismo feminino no universo tech por meio do aumento do número de mulheres no setor e em posições de liderança. 

Além disso, deseja aumentar o número de empreendedoras no ecossistema e fortalecer as líderes e colaboradores nas empresas que atuam em Santa Catarina.

“Ampliar essa discussão e termos mais exemplos de mulheres em cargos de liderança na tecnologia é fundamental. Buscamos essas referências para mostrar a outras mulheres, e aos empresários como um todo, sejam homens ou mulheres, que é preciso investir em uma mudança de cultura dentro das empresas para tornar o ecossistema mais igualitário, justo, inovador e diverso”, finaliza Gisele Machado, diretora do grupo. 

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