Por Vinícius Cordoni, CEO da VCRP Brasil
É inconcebível pensar no futuro do mercado de startups sem entender primeiro como ele se desenvolveu no mais famoso dos vales californianos, o Silicon Valley. A localidade tem importância tecnológica e conceitual para todo o meio, e até um possível enfraquecimento das suas atividades nos ensina lições vitais para o desenvolvimento do setor. Mas vamos por partes.
Quando a Universidade de Stanford se instalou na região, no final do século XIX, era tudo “mato”. A corrida do ouro havia ocorrido ali há menos de 50 anos e, apesar de rica em recursos, a costa oeste americana era subdesenvolvida. Isso fez com o que o novo pólo educacional se estruturasse de forma a preparar seus alunos para que eles reinvestissem na comunidade mais tarde.
A coisa foi evoluindo e, depois da Segunda Guerra Mundial, com a liderança do professor Frederick Terman, decolou. Em 1951 nasceu o Stanford Industrial Park, que abrigou empresas pioneiras, mas rapidamente o processo extrapolou para a vizinhança. HP, AMD, Intel, GE e Kodak foram algumas das companhias a despontar no local no século passado e, consequentemente, a consolidar sua importância para o mundo.
Vale lembrar que, primeiramente, essa relevância foi tecnológica. Muito do que temos hoje no segmento de hardware, e depois no de software, teve sua gênese ali. Como consequência disso, começaram a surgir, nas últimas décadas, milhares de pequenas empresas nas redondezas das grandes companhias, buscando beber daquela mesma fonte de desenvolvimento e sucesso.
Isso desencadeou uma segunda onda de influência proporcionada pelo Vale, a da aceleração de boas ideias. Estar ali era como viver em uma conferência de tecnologia 24 horas por dia, 7 dias por semana e 365 dias por ano. Grandes ideias, empresas gigantescas precisando dessas ideias, fundos de investimento dispostos a bancar o desenvolvimento dessas ideias (e até o Estado incentivando o processo) viviam no mesmo lugar.
O resultado do processo foi uma dupla proliferação: de startups nascidas ali e que hoje figuram entre as maiores do mundo (Apple, Google e Netflix, para citar algumas); e de pólos de tecnologia espalhados pelo globo desenvolvidos com objetivo parecido. O Silicon Wadi, em Israel, talvez seja o maior herdeiro do modelo, abrigando uma enormidade de institutos de pesquisa.
No Brasil, é seguro dizer que o aparecimento de startups, ainda que mais tardio, se materializou primeiro na região Sudeste, com São Paulo e Rio de Janeiro liderando o processo por razões óbvias. Dessa leva inicial surgiram nomes como Stone, 99, iFood, Nubank, Creditas, empresas com valuation bilionário hoje em dia mas que não necessariamente faziam parte de algum pólo tecnológico.
Essas Comunidades (termo cunhado pela Associação Brasileira de Startups) foram ganhando força depois, com um conceito já adaptado. Aqui, o processo ganhou uma cara mais identitária e regional, buscando atender necessidades de locais específicos e impulsionar o empreendedorismo fora da bolha. Um exemplo pontual disso é o San Pedro Valley, em Belo Horizonte, de onde saiu o Méliuz.
Em termos estruturais, no entanto, quem tem avançado mais é a região Sul. Além dos unicórnios MadeiraMadeira e Ebanx, os três estados contam com quatro das 17 empresas brasileiras que podem alcançar o valuation de US$ 1 bi em 2021, segundo relatório do Distrito. São elas: Zenvia, de Porto Alegre (RS), Oilist e Contabilizei, de Curitiba (PR), e Conta Azul, de Joinville (SC).
Mais do que isso, trata-se da região com o segundo maior número de Comunidades de Startups, como mostram dados da StartupBase. São 20 das 78 cadastradas em todo o país (o Sudeste tem 24). Em termos absolutos, abriga 2247 empresas de um universo de 13 mil companhias mapeadas ao redor do Brasil. Números competitivos que não devem parar de crescer tão cedo.
E digo isso porque é possível enxergar, para além das startups, um ambiente propício para esse avanço. Em Floripa, temos por exemplo a Associação Catarinense de Tecnologia (ACATE), que busca apoiar os empreendedores locais, e a Invisto, círculo de venture capital para investir nestes empreendedores. Gramado, por sua vez, recebe anualmente o Summit, que democratiza esse conhecimento… E por aí vai.
Voltando à referência do Silicon Valley, vale lembrar que também existe uma diáspora por lá. Por questões tributárias, muitas empresas têm se mudado para estados como a Flórida, o Arizona e o Texas (Sulistas também têm utilizado o argumento). Há ainda o home office eterno promovido por algumas Big Techs, que terá mais um efeito esvaziador na região, apesar de ser cedo para chamar a tendência de algo irreversível.
A verdade é que, a tecnologia que uniu inicialmente as empresas no mesmo local, agora permite que as boas ideias apareçam e se desenvolvam em qualquer lugar, e o Sul do Brasil está preparado para isso.