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Economia SC Drops: chef conta como a gastronomia ganhou novos significados com alimentos orgânicos

Foto: Alan Kohn

A gastronomia está ganhando novo significado na vida do brasileiro: além da satisfação, a sociedade está absorvendo, cada vez mais, a ideia de que uma boa alimentação traz benefícios à saúde e pode ser criar um escudo preventivo natural para o organismo. Por essa e outras razões, os alimentos orgânicos tiveram grande procura desde o início da pandemia: segundo a Associação de Promoção dos Orgânicos (Organis), a produção de alimentos orgânicos cresceu 30% no último ano, quando a pandemia tomou conta do mundo.

O Economia SC Drops convidou a chef Naiara Kekes, participante da segunda edição do programa Mestre do Sabor, da Rede Globo, para saber mais dessa nova relação com a alimentação. Ela traz um viés enraizado na agricultura familiar e vem desenvolvendo seus estudos e trabalho numa visão holística, que engloba a agricultura regenerativa, cíclica, sazonal e ancestral na arte da cozinha viva. Confira abaixo:

Quais mudanças comportamentais estão levando as pessoas a buscarem por uma alimentação mais saudável e orgânica?

Naiara: Eu acredito que um conjunto de situações modernas fazem com que as pessoas busquem alternativas mais saudáveis na sua alimentação. Com o aumento do debate em torno de saúde, sustentabilidade e boa forma, ficou cada vez mais nítida a função preventiva que os alimentos saudáveis possuem frente uma série de doenças. Uma nutrição adequada aumenta a imunidade, reduz processos inflamatórios, promove um bem-estar físico e, por consequência, aumenta a expectativa de vida. No período pandêmico que estamos atravessando essa consciência de que os cuidados com a alimentação podem produzir melhoras na imunidade e prevenir doenças deu um salto ainda maior.

Quais são as barreiras para o maior uso de produtos orgânicos no Brasil?

Naiara: Disponibilidade e preço, acho que estas são as duas principais barreiras. Os alimentos orgânicos, por serem produzidos sem agrotóxicos e sem conservantes sintéticos, possuem uma validade muito menor do que os alimentos industrializados ou cultivados com estes aditivos. Então, é necessário descentralizar a produção, investir mais no modelo de agricultura familiar para que tenhamos a produção perto do consumidor. Aqui em Santa Catarina vivemos uma situação bem diferente do resto do país e até do mundo. Somos um estado com grande presença de agricultura familiar, são milhares de pequenas fazendas com acesso a boas condições climáticas, solo rico e água em abundância. Esse cenário especial em SC faz com que tenhamos uma grande disponibilidade e variedade de alimentos orgânicos. O acesso a eles é fácil e o preço similar (e muitas vezes até menor) aos alimentos não-orgânicos.

O que é a Cozinha Viva?

Naiara: A cozinha viva é o resgate dos prazeres e das formas ancestrais na alimentação contemplando a integração natural de todos os ciclos da vida. É ver os alimentos como fontes de energia, a única forma de morte envolvida no processo de produção é a que se ajusta à cadeia alimentar natural do planeta. Esse processo tem início na busca pela matéria prima (alimentos) que venha de fontes renováveis, sazonais e de produtores locais. Os alimentos não passam por processos industriais e não recebem aditivos químicos e tóxicos. A cozinha viva é um estilo de vida holístico que ajuda nos três pontos fundamentais para a manutenção da vida: o social, o ecológico e o econômico. Quanto à preparação, engloba a parte sensorial, química e espiritual, estimulando os cinco sentidos. Um alimento que tem como função recarregar a vida em nosso corpo, também precisa alimentar os sentidos e emoções. Por isso há uma observação bem profunda quanto ao ciclo do alimento dentro do nosso corpo. Quando eu me preparo para cozinhar, existe uma cerimônia presente naquele momento. Como chef de cozinha, eu uso todos os meus sentidos para fazer a alquimia perfeita de integração dos ingredientes. Como ser humano, eu convido a sentar na minha mesa, pessoas que contemplem comigo aquele momento de nutrição.

O Brasil ainda é um dos países que mais desperdiçam comida no mundo. Com essa mudança de conscientização, esse fator também pode ser revertido? Como está a educação do público nesse sentido e como pode ser ampliado?

Naiara: Eu discordo em parte dessa afirmação. Não acho que o brasileiro desperdice comida. Pelo contrário: devido a baixa renda da população, eu acredito que o brasileiro seja muito econômico em casa e evita o desperdício de alimentos. Agora se você observar o agronegócio que produz grãos como arroz, soja, milho e trigo em larga escala, daí, sim, realmente somos os que mais desperdiçam. Porém, esse desperdício está ligado a forma como a produção é escoada, por vias rodoviárias precárias. Também é preciso lembrar que este tipo de agricultura abastece, principalmente, a indústria de alimentos altamente processados, e hoje a tendência é a diminuição do consumo destes alimentos. O aumento da consciência do consumidor de que um alimento altamente processado pode fazer mal para sua saúde e seu processo produtivo mal para o planeta, está mudando um pouco este cenário aqui no Brasil. Porém mesmo que essa consciência aumente, ainda assim, a demanda global pelos grãos produzidos em larga escala só cresce, então mesmo que brasileiro diminua o consumo de alimentos processados, o agronegócio cresce incentivado por essa demanda e pelo alto lucro nas exportações. A cultura da sustentabilidade e da boa alimentação é um desafio para a humanidade e é preciso que o mundo inteiro mude para de fato começar a vermos uma mudança de fato nesse modelo produtivo.

Com os reality shows de gastronomia e culinária, os chefs passaram a ser mais seguidos nas redes sociais. Como vocês podem incentivar a população a uma vida mais sustentável?

Naiara: Por muito tempo as cozinhas de outros países foram super valorizadas aqui no Brasil, e a nossa culinária, tão rica de ingredientes, nutrientes, era menos valorizada. A visibilidade em âmbito nacional de chefs de cozinha que desenvolvem trabalhos lindos levando alimentos e preparações de suas cidades de origem, estes cheios de raiz cultural somados às técnicas mais modernas de preparação, democratizou o acesso de várias linhas de pensamento e aproximou a população dos conhecimentos gastronômicos. Hoje muito mais pessoas se interessam pelo assunto, aprendem e praticam novas receitas em suas casas. Eu diria que cozinhar também virou uma forma de lazer para o brasileiro. Eu sinto que tenho uma responsabilidade enorme neste sentido e esta sensação me impulsionou a passar ainda mais meus valores, conceitos e conhecimentos para meu público nas redes sociais e fora da internet ter um papel mais ativo dentro da minha comunidade.

Quais os principais benefícios do consumo de orgânicos?

Naiara: Os orgânicos fazem bem para sua saúde e para a saúde do planeta. Os alimentos orgânicos são livres de agrotóxicos, medicamentos veterinários, transgênicos e são cultivados de maneira mais sustentável (com uso mais consciente do solo, água e ar). Pensando nestes fatores, temos um ganho na qualidade do alimento que consumimos. As pessoas que querem ter uma alimentação mais saudável, buscam no supermercado o rótulo de “orgânico” e “natural”, então é preciso ficar atento pois a indústria tradicional adaptou sua propaganda para capturar clientes com essa tendência. Temos que priorizar alimentos que, além de orgânicos, possuam selos de produção agroecológicos, agroflorestais, regenerativos ou biodinâmicos, estes trazem transparência nos indicadores e métricas sociais e ecológicas, além da viabilidade econômica.

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