Um aspecto me chamou a atenção na notícia sobre a venda da Hemmer Alimentos para a Kraft Heinz: os comentários. Nas redes sociais, vi muitas pessoas, provavelmente consumidores dos produtos da empresa catarinense, destacando a importância de resguardar os empregos e o desenvolvimento regional gerado pela secular indústria de Blumenau. O orgulho pela trajetória da empresa e seu vínculo local também aparecem com ênfase.
Não vou comentar aqui as perspectivas para a fusão, espero que promissora para a marca Hemmer, pois sou um fã da mostarda e de outros produtos, mas sim um sentimento que extraio dessas manifestações, cuja essência abordo no meu próximo livro sobre cooperativismo: a relação direta que existe entre as cooperativas e o desenvolvimento regional.Quanto mais cooperados houver em uma comunidade, maior a qualidade de vida daquela população. Esta não é uma afirmação abstrata nem uma promessa, é um fato observado e legitimado por dados. Nos municípios em que o cooperativismo atua, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é mais elevado, e isto não é uma coincidência.
O IDH é uma forma de mensurar o bem-estar social de uma localidade, aplicada pela Organização das Nações Unidas (ONU), e leva em consideração a expectativa de vida, o acesso à educação e a renda per capita. Na década passada, um estudo feito pela Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) comparou o índice dos municípios com e sem cooperativas em todo o território nacional. E comprovou: a média do IDH das cidades com cooperativas era de 0,701, enquanto aquelas sem cooperativas tiveram um resultado médio mais baixo, de 0,666.
Podemos colocar uma lupa no Sul do Brasil para exemplificar esta relação. Se você mora nesta região, é provável que esteja habituado a ver a marca de cooperativas na paisagem rural e a presença cada vez maior delas também no espaço urbano, especialmente as de crédito e consumo. Entre as 100 maiores empresas do Sul, segundo o levantamento do ano passado do Grupo Amanhã, 20 delas são cooperativas. É no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná que se concentram metade dos cooperados de todo o Brasil, de acordo com o anuário de 2020 da OCB. E 55% dos empregos gerados pelas cooperativas nacionais estão nestes estados. Estes números são coerentes com o maior IDH regional do país, seguido imediatamente pelo Sudeste, que é também o segundo em número de cooperados no Brasil.
É uma questão matemática: a riqueza produzida por uma cooperativa fica no local, pois é ali que vivem os donos, os cooperados. O resultado do trabalho é revertido em poder aquisitivo para os cooperados, que farão o investimento circular naquela localidade. Quando se trata de empresas privadas, como bancos, grandes fábricas e redes de comércio, o benefício à comunidade tem certas limitações: há geração de emprego e recolhimento de impostos, mas muitas vezes o lucro de fato é direcionado geograficamente para bem longe. Indústrias, por exemplo, podem fazer suas malas e mudar filiais e parques fabris de estado, de região e até de continente em busca de baixa tributação e mão de obra mais barata, deixando um vácuo atrás de si.
Mas nós já sabemos que a riqueza gerada por uma cooperativa não é apenas financeira. O cooperativismo de qualquer ramo estará sempre alicerçado em princípios que abrem a possibilidade de gerar bem-estar social, cultural, educativo, ambiental. Ele cria uma rede de conexões com a comunidade em que está inserido, cujos benefícios não se limitam aos cooperados: a sua vida muda se há cooperativas perto de você, mesmo sem se associar formalmente a nenhuma delas.
As vantagens vão desde algo simples, como poder levar seu lixo reciclável ao supermercado de uma cooperativa quando o caminhão da coleta não passa na sua rua, até ser beneficiado indiretamente por um investimento pesado em saúde pública patrocinado por uma cooperativa local. A distribuição de riqueza na região onde uma cooperativa atua é uma característica inerente ao cooperativismo.