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Algoritmos: você realmente controla suas decisões?

Foto: TheDigitalArtist/Pixabay

Em minha coluna de estreia aqui no Economia SC, abordei uma questão muito sensível quando falamos sobre educação financeira e conscientização do consumo.

Quando paramos para pensar sobre o que faz as pessoas exagerarem no consumo e assumirem gastos além da sua capacidade financeira, é fundamental começar pelo jogo de incentivos que o marketing reforça para promover o gasto pelo impulso

Ao apontar esse movimento do marketing para estimular o consumo, é fácil educar pessoas para reconhecerem os padrões para esquivarem-se dessas estratégias.

No entanto, existe uma forma mais moderna e muito difícil de identificar, mas que movimenta bilhões em consumo todos os anos.

Num mundo onde grande parte da população utiliza redes sociais, jogos eletrônicos e vídeos pela internet, um mecanismo traiçoeiro atua nos bastidores para mexer com nossa percepção e aguçar nossa vontade de comprar um produto.

No começo, parecia extremamente cômodo ter sugestões de vídeos personalizadas ao seu gosto, ou simplesmente uma organização da linha do tempo nas redes sociais mostrando apenas o que é mais relevante para você, mas na prática os algoritmos vão muito além disso.

Para entender melhor, algoritmos são códigos de computadores que executam instruções, como um passo a passo, para alcançar um objetivo ou solucionar um problema.

Em 2012, o Facebook fez um experimento que pode ter sido a ponta do iceberg sobre como algoritmos passariam a ser utilizados contra os usuários da plataforma.

Por uma semana, pesquisadores escolheram o que seria apresentado na linha do tempo para um grupo de aproximadamente 700 mil pessoas. 

A ideia era organizar as postagens apresentadas através do humor, tentando induzir emoções positivas e negativas em seus usuários. 

O estudo descobriu que as pessoas que recebiam postagens mais negativas em sua linha do tempo reproduziam o mesmo humor em suas próprias mensagens, e que o mesmo era verdadeiro para postagens positivas. 

Além disso, encontrou algo interessante: quando postagens mais emocionais, positivas ou negativas, deixavam de ser apresentadas, os usuários escreviam mensagens menores e reduziam o uso da plataforma.

Não é por acaso que grande parte da culpa pela extrema polarização política que acompanhamos na última década é atribuída ao Facebook.

Para aumentar a utilização da plataforma, estimula-se postagens mais emocionais e muitas vezes agressivas, gerando incentivos para a audiência reproduzir comportamentos cada vez mais radicais. 

É um fenômeno similar vimos acontecer também com as sugestões do Youtube.

Assim como falamos das estratégias do marketing para direcionar o comportamento, entender que algoritmos possuem esse potencial é fundamental para entender que, se estes algoritmos podem nos transformar em extremistas políticos, também podem nos fazer comprar coisas que não precisamos.

Recentemente os fãs de uma famosa franquia de jogos de guerra se revoltaram ao descobrir os documentos da patente do sistema de estímulo de microtransações internas do jogo.

O documento sugere que uma enorme quantidade de dados sobre o comportamento do jogador é coletada ao longo das partidas, e essas informações são utilizadas para aumentar o engajamento no jogo e influenciar na percepção de que realizar compras internas pode melhorar sua performance.

Quando um jogador começa a ter um desempenho ruim durante as partidas, é o momento onde a frustração aumenta e ele tende a abandonar o jogo. Assim, se um jogador tem uma sequência de partidas ruins, o algoritmo automaticamente prioriza que na próxima partida ele seja posicionado numa sala com jogadores menos habilidosos, assim ele pode desempenhar melhor ou até vencer, criando o incentivo para continuar engajado no jogo.

O mesmo, sugere a patente, acontece para comportamentos extremos de frustração. Sair da partida abruptamente após uma derrota pode ser um indicador de que o jogador precisa de uma partida mais fácil ou irá abandonar o jogo. 

Garantindo que a experiência é desafiadora para gerar certa frustração, mas que também pode ser recompensadora, fica mais fácil criar gatilhos de associação para estimular compras dentro da loja interna do jogo.

Estes jogos vendem elementos estéticos para incrementar a experiência das partidas. As variadas armas possuem camuflagens especiais e os personagens podem ter roupas diferentes. 

Para estimular as compras, um jogador de habilidade mais baixa pode ser combinado numa sala com um jogador de habilidade elevada que está utilizando uma camuflagem de arma que está sendo lançada no momento, criando a associação entre a habilidade desse jogador e o novo produto.

Em contrapartida, a patente também sugere que após o jogador efetuar uma compra posicioná-lo em salas mais fáceis, criando a impressão de que o item recém comprado influenciou no seu desempenho.

O documento descreve formas de entender o estilo de jogo e agressividade de cada jogador para criar essa combinação artificial, favorecendo ou prejudicando a partida para estimular gastos ou gerar o sentimento de que a compra valeu a pena.

É preciso dizer que a empresa afirma que apesar da patente descrita, o sistema não está implementado nos jogos. No entanto, mesmo que não esteja implementado, é possível ter uma visão muito clara das possibilidades e de como as empresas estão cruzando enormes quantidades de dados para influenciar a forma como consumimos.

Outro exemplo que ganhou as redes no passado recente, foi a alegação de que o Uber estaria apresentando preços maiores para usuários com pouca bateria, aproveitando-se da urgência dos passageiros para aumentar a tarifa de suas corridas. 

Mesmo sendo capaz de fazer a correlação entre a bateria do aparelho do usuário e a disposição em pagar uma tarifa mais alta, a Uber diz que não utiliza esses dados para influenciar nos seus preços

Algoritmos estão presentes em praticamente tudo o que utilizamos atualmente. Compras recorrentes, datas do ano, mudanças de comportamento de consumo e mais uma enorme quantidade de dados são coletados diariamente em praticamente todas as redes, aplicativos e serviços que utilizamos.

No entanto, ainda é impossível saber o quanto de tudo isso está em prática ou é apenas uma extrapolação conspiracional das possibilidades. 

O potencial que estes sistemas apresentam são infinitas, mas empresas negam que estejam se aproveitando dessas informações pessoais para forçar seus clientes a consumir mais e pagar preços mais elevados.

A parte mais difícil de tudo isso é que algoritmos são grandes caixas pretas, onde não temos como saber o que de fato está sendo aplicado contra nós e como estamos sendo influenciados pelos serviços que utilizamos. 

Mas o que podemos dizer deste cenário tão ofuscado que os algoritmos nos apresentam, é cada vez mais difícil assumir que somos responsáveis e conscientes sobre nosso próprio comportamento.

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