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Lições ensinadas pela história do saneamento

Foto: divulgação

Por Yves Besse, presidente da Cristalina Saneamento.

O ano de 2023 é simbólico para o saneamento básico no Brasil. Falta exatamente uma década para que os municípios universalizem os serviços de água e esgoto, a partir do prazo estabelecido pelo Novo Marco do Saneamento, de 2020. Um desafio enorme e que vem sendo buscado há, pelo menos, cinco décadas. Para que ele seja atingido, no entanto, é fundamental que aprendamos com os muitos erros cometidos ao longo da nossa história.

Foi com o Planasa, dos anos 1970, que iniciaram as primeiras tentativas de universalizar o acesso à água e ao esgoto no país. Nesse longo período, avançamos pouco. Onde erramos? Na “visão planasiana”, o governo federal financiava as companhias estaduais (CESB) com garantia dos estados para fazerem muitas obras de água, visando um retorno político rápido. Esse modelo não cumpriu seu propósito e deixou obras inacabadas,  inoperantes ou inadequadas, em sua maioria, além de uma enorme dívida dos estados com a União.

Abriu-se, então, um novo flanco em meados dos anos 1990: o modelo de concessão privada. As intervenções, porém, ficaram restritas a poucos projetos municipais, que geraram muitos problemas políticos e institucionais. A década terminou marcada por uma “privatização em massa”, com as companhias estaduais sendo vendidas para justamente quitar as dívidas junto à União. Apesar do interesse de grandes operadores, o programa não avançou pelas mesmas dificuldades políticas e institucionais. A maioria dos projetos foi inviabilizada.

O tempo passou, e o Marco Regulatório de 2007 trouxe uma nova visão para o setor. Fomentou-se a ideia de investir mais na prestação dos serviços, com um horizonte de longo prazo e regulação definida. Infelizmente, essa visão ficou restrita às empresas privadas. Para os operadores públicos, o governo federal ressuscitou o modelo fracassado de fazer obras com retorno político-eleitoral. No Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), menos de 20% dos recursos foram utilizados e inúmeras obras sequer foram concluídas. O modelo privado avançou lentamente, pela concorrência direta. Um período da história em que as concessões, chamadas de privatizações, eram tratadas de forma amplamente pejorativa.

Chegamos finalmente ao marco de 2020, que consolidou os aprendizados dos últimos 50 anos e definiu novas regras. Manteve-se o planejamento, com reforço na fiscalização. A regulação agregou fatores como competitividade, universalização, segurança e previsibilidade, ganho de escala, sustentabilidade econômica e financeira, qualificação e capacitação. Em paralelo, o governo federal retomou a estruturação de projetos estaduais, dessa vez com o objetivo de levar soluções ao saneamento dos municípios, equacionar os prejuízos financeiros acumulados das companhias estaduais e incentivar a adesão de entes de todas as esferas, a partir das outorgas. 

Foi um sucesso acima da expectativa. Houve enorme interesse privado, muita competitividade, com ágios impressionantes nos primeiros leilões. Ao mesmo tempo, muitos municípios tomaram consciência das suas responsabilidades e começaram a enfrentar os desafios de frente. O ânimo do setor trouxe luz ao fim do túnel. E se continuássemos nesse ritmo, a universalização em 2033 seria uma realidade possível.

O rumo político do Brasil mudou, mas não podemos jogar fora as lições aprendidas neste cinquentenário. Não podemos retroceder diante de discursos populistas, idealistas e totalmente fora da realidade, que voltaram a nos assombrar. Não vamos ceder ao apelo de voltar a um passado comprovadamente obsoleto e desastroso. Nosso papel é enfrentar, com seriedade, os problemas do saneamento. Somente assim conseguiremos garantir esse direito humano, social e ambiental, de forma plena, a toda a população brasileira.

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