Por Eduardo Largura, advogado e assessor especial da Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia e Inovação.
Novos tempos sugerem novas abordagens. Outrora ocupado por empresas que mudaram os rumos da humanidade contemporânea, Apple, Google, Facebook, Oracle, entre outras, o Vale do Silício, localizado no estado norte-americano da Califórnia, vem vivenciando verdadeiro êxodo de grandes corporações, responsáveis por redimensionar conceitos como inovação, criatividade e alta tecnologia para as novas gerações.
Denominado “Off Silicon Valleying”, o fenômeno se dá por algumas razões. Além do alto custo de vida na região da Baía de São Francisco, tem-se, principalmente, as altas taxas e impostos aplicados pelo governo da Califórnia. Para se ter uma ideia, startups precisam desembolsar quatro vezes mais do que na maioria das cidades dos EUA para operar na região.
Mas, e para onde estão migrando essas empresas? Google, Apple, Facebook, Oracle, sim, as mesmas citadas no início, escolheram a Irlanda para sediar os escritórios que comandam as suas atividades na Europa, Oriente Médio e África. Por sua vez, Airbnb e Twitter estão entre as companhias que estabeleceram por lá suas bases europeias. Destaque para a Uber, que chegou a ser proibida pelo governo irlandês de introduzir seu modelo de transporte em carros particulares no país, e ainda assim mantém um “centro de excelência” por lá — o único fora dos Estados Unidos por um bom tempo, diga-se de passagem.
Além do povo acolhedor e receptivo, combinação perfeita para a maioria dos serviços ofertados pelas empresas em destaque, e o fato de Dublin ser um epicentro de tecnologia emergente na Europa, a Irlanda conta com um arcabouço fiscal absolutamente atrativo, muitas vezes indo na contramão dos interesses da Comissão Europeia, posto que conta com modelo de taxação corporativa que torna a operação de empresas de tecnologia, principalmente as que investem em negócios de internet, mais barata do que na maioria dos outros países.
Na iminência de ter a sua reforma tributária aprovada, o Brasil deverá escolher qual modelo seguir: Vale do Silício ou Irlanda. Nosso país é o 14º maior mercado mundial de tecnologia, ocorre que em 2020 era o 9º (ABES). Essa queda representa, na prática, perda da capacidade de absorção da tecnologia, e, consequentemente, da competitividade. Países como México, Chile, Peru até a Argentina aumentaram suas posições. Com a reforma que se avizinha, e o aumento da carga tributária para o setor de TI (em até 342%) – já se fala no maior IVA do mundo – a tendência é piorar, e os impactos certamente serão negativos nas mais diversas áreas. Sem incentivo, não há crescimento.
Ademais, o Brasil é o 5º maior mercado de usuários de internet do mundo (Statista), o 2º maior em tempo de conexão na internet, e o 3º maior em número de downloads e usuários de aplicativos. Por óbvio que o cotidiano do brasileiro sofrerá com esse reajuste, pois, o aumento de impostos no setor pode impactar diretamente serviços essenciais, como internet, streaming e e-commerce, limitando, com isso, acesso à informação, educação e até saúde.
Graças a sua transversalidade, a inovação é verdadeira mola propulsora da produtividade, sustentabilidade e do progresso e fortalecimento social. Permite, como nenhum outro setor, a inclusão, viabilizando o acesso das minorias e jovens de periferia a um mercado de trabalho altamente capacitado, com renda pelo menos duas vezes maior que a média nacional. Está, como dito, na educação, na saúde, no agro, energia, segurança entre outras áreas.
Já temos o povo acolhedor e receptivo, assim como vários polos emergentes de tecnologia país afora. Entretanto, alguns desafios fazem parte do cotidiano da tecnologia e inovação, entre eles a alta demanda por capital humano qualificado, e o acesso a programas de financiamento e incentivos para a área, fatores que já nos limitam.
Não bastasse isso, eis que surge a questão fiscal e a aprovação pelo plenário do Senado – por 53 votos a favor e 24 contra – do texto da reforma tributária, sem qualquer benefício para o setor de tecnologia, um verdadeiro “7 x 1” contra o segmento! E o momento não poderia ser mais inoportuno, sobretudo, por estarmos vivenciando um novo marco na reinvenção da indústria brasileira, a partir da chamada “neoindustrilização”, movimento gerador de novos desafios, referências e oportunidades para as empresas, inspirado pela tecnologia (automação e I.A., por exemplo) e inovação em geral.
De nada adianta, portanto, reduzir os impostos para a indústria, o que é absolutamente justo, e inviabilizar as novas tecnologias, uma vez que estão, com o perdão pelo trocadilho, conectadas.
A saída para Irlanda ou Uruguai é logo ali… Com a palavra, o Congresso Nacional.