Depois de um ano marcado por avanços significativos na utilização de tecnologia, principalmente com relação à inteligência artificial, 2024 abrirá um novo leque de oportunidades para as empresas. O ecossistema catarinense de inovação aponta algumas das tendências mais fortes para o setor neste novo ano.
No cenário de investimentos, a conjuntura macroeconômica mais favorável deve proporcionar um ano de retomada. No setor financeiro, os avanços do Banco Central com o lançamento do Drex e a criação de um superapp se somam à priorização de hubs de tecnologia para tornar o segmento ainda mais integrado.
Já no varejo, enquanto as micro e pequenas empresas apostam nas redes sociais para comunicação com o cliente, as grandes redes investem em cadeias de suprimentos unificadas, oferecendo uma jornada de compra personalizada.
Veja o que dizem alguns dos especialistas de empresas catarinenses de tecnologia sobre quais soluções e inovações deverão ser destaque em 2024:
Startups bem estruturadas terão mais oportunidades em M&A
As startups que “arrumaram a casa” no sentido de governança, boas práticas contábeis, financeiras e de pessoas, ao longo deste ano, devem fechar bons deals, segundo Rafael Assunção, founder e managing partner da Questum, assessoria de M&A e investimentos em startups.
Ainda que 2022 tenha sido marcado por uma desaceleração das transações de M&A com startups, 2023 tem se mostrado um ano de retomada, segundo a consultoria PWC, até maio deste ano foram anunciadas 509 transações de M&A apenas no Brasil.
Com expectativas de um cenário macroeconômico com menos incertezas e mais capital disponível para o exit, 2024 deve ser positivo para a geração de bons negócios.
“Não tivemos um IPO nos últimos dois anos, mas o mercado continuou ativo, com negócios inovadores surgindo e a IA ganhando cada vez mais espaço. A tendência agora é que o mercado continue nessa crescente, com previsões positivas para empresas que se prepararam e investiram tempo e esforço em gestão e governança, especialmente para as empresas de tecnologia“, destaca.
Fintechs e os hubs de tecnologia
A integração também aparece entre as principais tendências quando o assunto são as fintechs. Em 2024, os sistemas que funcionam como hubs de tecnologia, unindo em uma mesma plataforma diferentes funcionalidades, devem ganhar ainda mais espaço.
“O setor financeiro tem algumas particularidades que exigem esse tipo de solução. Tecnologias que funcionem de forma integrada, unindo uma solução de core banking e internet banking, por exemplo, com um trabalho de consultoria regulatória, têm sido cada vez mais valorizadas“, explica Felipe Santiago, CEO da CashWay, techfin de Florianópolis.
Além de ser mais conveniente, a integração de diferentes funcionalidades em uma única plataforma proporciona maior eficiência operacional, permitindo que as fintechs otimizem processos e reduzam custos.
“Outro ponto é a segurança, preocupação central no setor financeiro. Esse tipo de solução costuma proporcionar um ambiente mais robusto e resiliente contra ameaças cibernéticas, garantindo a proteção dos dados financeiros“, complementa.
Aceleração de fintechs
De acordo com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), entre 2018 e 2021, o setor fintech da América Latina teve um crescimento de 112%. No último ano, a informação divulgada pelo Distrito relatava que as fintechs brasileiras captaram R$ 9 bilhões em investimentos, sendo a maioria em rodadas seed.
Marcos Mueller, CEO da Darwin Startups, comenta que para 2024, alguns pontos devem favorecer um cenário positivo:
“A retomada do ânimo da indústria de investimentos é a principal notícia e as fintechs devem liderar em volume de capital e em quantidade de operações. Vale também destacar os novos produtos e serviços financeiros, utilizando IA Generativa, e o movimento do Banco Central com a criação do Real Digital (DREX) que movimentam bastante o setor“.
Micro e pequenos estão cada vez mais tecnológicos
No varejo, o uso de tecnologia também é tendência para os micro e pequenos. O diretor da vertical de varejo da Zucchetti, empresa que atende mais de 100 mil pequenos varejos no Brasil com softwares de gestão, Wagner Muller, aponta que o uso de WhatsApp e redes sociais tem crescido.
Pesquisa realizada pela Zucchetti com a Fecomércio/SC indicou que 96% dos micro e pequenos varejos usam o WhatsApp como ferramenta para comunicação com o cliente e 59% também usam as redes sociais.
“Embora a loja física seja o principal canal para fechamento das vendas, com 82% dos negócios materializados ali, vemos um crescimento no uso de redes sociais como parte dessa jornada. As pequenas empresas vêm aprendendo a usar tecnologia para fortalecer o engajamento com o público, levando informações de produtos, promoções e ofertas customizadas, com mais assertividade. 57% delas disponibilizam redes sociais para fechamento de vendas, em complemento à loja física. Essa é uma tendência que vem se consolidando: o omnichannel, integração do virtual com o presencial, do off com o online“, comenta.
“Music branding” ganha espaço no comércio
Depois de um período de instabilidade, o varejo físico voltou a ganhar força: o Índice de Performance do Varejo (IPV) mostra que, em outubro, o número de consumidores em lojas físicas cresceu 12% com relação a setembro. Há fôlego e oportunidades para o setor em 2024.
Para Maichel Gerstberger, gerente de vendas da Frahm, que atua com sonorização de ambientes, um dos caminhos para atrair e reter clientes é aplicar o “music branding”, que cria a identidade sonora de uma marca. A estratégia está em evidência na procura de projetos de sonorização por franquias, comércios pequenos e redes varejistas.
“Conectar-se ao seu público através de músicas que transmitem seus valores e ideais, faz com que o cliente identifique e relacione sua marca com boas experiências, tornando-se um diferencial competitivo de sucesso. Essa é uma tendência que estamos observando e que deve se intensificar“, avalia.
Estudos da HeartBeats International estimam que quando um varejista reproduz a música certa, cerca de 35% dos clientes irão permanecer mais tempo na loja. Por consequência, 14% deles vão comprar mais e cerca de 31% vão retornar para futuras compras.
Trade marketing: comunicação integrada
Em 2024, o foco da indústria com relação às estratégias de Trade Marketing deve ser em soluções para melhorar a comunicação entre os times. Para André Krummenauer, CEO da Involves, retail tech que desenvolve soluções para indústria, a troca de informações precisa acontecer de forma descentralizada e alcançar todos os setores. Por isso, uma das principais tendências para este ano é a integração:
“A coerência entre o que é visão na ‘sala de justiça’ de um time decisor e o que é implementado no dia a dia no PDV precisa ser checada diariamente”, recomenda André. Para que essa estratégia funcione, é preciso priorizar ferramentas exclusivas de Trade Marketing, que permitam que diferentes times (além do trade) estejam conectados à estratégia em loja. “Isso é comunicação e integração de toda a indústria no mesmo propósito“.
Além disso, essas soluções proporcionam inteligência às indústrias, agências e distribuidoras, oferecendo recursos de educação contínua, por meio de bibliotecas específicas, e garantem acesso seguro e o compartilhamento adequado dos dados.
Programas de fidelidade customizáveis
O percentual de pessoas que preferem realizar compras em marcas que oferecem programas de fidelidade passou de 72%, em 2022, para 85,2% em 2023. O dado é da pesquisa Panorama da Fidelização no Brasil 2023, que ouviu 2.317 pessoas, e indica a expansão dos programas de benefícios em 2024.
Jonatan da Costa, CEO da Área Central, líder em tecnologia e inteligência para negócios, afirma que antes esse mercado ficava restrito aos grandes varejistas, que investiam alto para criar seus próprios benefícios.
Enquanto isso, as PMEs não tinham ferramentas para obter estratégias bem definidas para atrair e reter clientes e mantinham controle manual de informações, o que dificultava a análise sobre produtos, estoques e comportamento de compra do cliente.
“Hoje, com os aplicativos “white label” é possível qualquer empreendedor oferecer benefícios (cashback, clube de vantagens, descontos e programas de pontos) de forma simples, rápida, barata e eficaz, facilitando o avanço do segmento neste ano“, indica.
Tecnologia a serviço da saúde mental
O mundo está imerso na hiperconexão e na inteligência artificial, o que gera uma questão central: como preservar o lado humano? Cada vez mais pessoas buscam soluções personalizadas e uma conexão humana, mesmo que virtualmente, e a tecnologia pode contribuir para isso. Com isso, a busca por formas de prevenção e cuidado crescem no ambiente corporativo e na sociedade em geral.
Liana Chiaradia e Rodrigo Roncaglio, fundadores do Guia da Alma, plataforma de saúde mental, identificam como tendência para 2024 a busca por soluções que promovam o bem-estar, tanto individual, quanto organizacional, combinando tecnologia e humanização.
“A tecnologia evolui rapidamente e precisamos aprender a usá-la a nosso favor, de maneira saudável. Muitos problemas de saúde mental estão ligados ao uso inadequado e excessivo da tecnologia. No entanto, ao mesmo tempo, ela pode ser uma aliada valiosa, proporcionando, por exemplo, terapia online onde quer que você esteja“, destacam.
Aprimoramento da experiência do viajante
A redução de custos segue sendo a prioridade das empresas no que diz respeito à gestão de viagens corporativas, segundo indicou a pesquisa GBTA Business Travel Index Outlook: 62% das companhias apontaram essa métrica como a mais importante para se avaliar o sucesso de seus programas de viagens. Mas há outro dado que vem ganhando cada vez mais força: a experiência do viajante, indicada como prioridade por 32% dos respondentes.
“Percebemos que, após a pandemia, as empresas passaram a prestar mais atenção na saúde e na segurança do viajante corporativo, o que acabou se transformando em uma maior preocupação com a experiência do viajante como um todo“, explica Guilherme Rizzi, diretor travel da Paytrack, scale-up especializada em gestão de despesas e viagens corporativas.
Construção civil: metodologia BIM
Em 2024, as atenções da construção civil estarão voltadas para a implementação da metodologia BIM em órgãos públicos. Licitações de obras e serviços de engenharia e arquitetura passarão a ter que ser preferencialmente em BIM (sigla em inglês para Modelagem da Informação da Construção), processo que permite o planejamento e a coordenação de informações de todo o ciclo de vida de uma obra.
“Com a metodologia, é possível acompanhar etapas de concepção, gestão, orçamento e manutenção, criando um fluxo de trabalho integrado, multidisciplinar e contínuo“, explica Rodrigo Koerich, diretor de portfólio na AltoQi, empresa de tecnologia para a construção civil.
De acordo com ele, a adoção da metodologia representa uma transformação digital no setor:
“Com o BIM, é possível agregar informações dentro da etapa de construção virtual. Quando construímos utilizando essa metodologia, temos mais gestão sobre os custos e prazos, além de mais qualidade na solução. Nas obras públicas há menor chance de aditivos de contrato, pois os problemas são resolvidos antes da construção. O ganho de eficiência é geral e as expectativas para seu uso são altas“.
TERCEIRIZAÇÃO DE PROCESSOS
Em 2024 tendências como o BPO (business process outsourcing) seguirão ganhando cada vez mais força, conforme estudo IT BPO Market by Type and Geography: Previsão e Análise 2022-2026, publicado pela Technavio. De acordo com o levantamento, o mercado de terceirização de processos deve movimentar US $ 281,25 bilhões até 2026.
Fabiano dos Santos, CEO do Grupo Verante, destaca que o BPO na governança de imóveis é uma estratégia de negócios inteligente que deve ser acompanhada de uma mudança de mentalidade por parte das lideranças de grandes empreendimentos:
“Tratar as questões relacionadas aos bens imóveis como ativos de valor é uma estratégia inteligente e rentável. No país, ainda muitas empresas que tratam suas terras como item de ‘suprimento’, é preciso mudar essa mentalidade com urgência. Há oportunidades e maneiras de mitigar os riscos na operação e ainda recuperar áreas degradadas, preservação de recursos naturais, entre outros. O primeiro passo está na governança desses ativos imóveis“.
Casas e escritórios inteligentes e conectados
A Internet das Coisas (IoT) no Brasil estará ainda mais consolidada em 2024. Todos os anos, o uso de produtos que se conectem à internet e permitam a facilidade de controle digital aumenta. O celular, por exemplo, mais do que um equipamento de comunicação, tornou-se uma ferramenta de controle inteligente para objetos em casas e escritórios.
Nilton Junior, CEO da ZOOM Tech Business Group, indústria e integradora de tecnologias, conta que o aumento da busca por aparelhos conectados à rede deve também melhorar o acesso:
“O IoT é uma realidade, mas até pouco tempo atrás estava restrito a um pequeno grupo de usuários. As empresas brasileiras entenderam a necessidade de investir na tecnologia e a expertise aumentou no país. Hoje conseguimos encontrar no mercado produtos nacionais e inteligentes, que permitem o controle ao alcance das mãos, muito mais acessíveis e igualmente funcionais. Com a completa instalação do 5G, o uso se cristaliza ainda mais“.
Mercado livre de energia
A partir de janeiro de 2024, todos os consumidores de média tensão poderão migrar para o mercado livre de energia, que já existe no Brasil desde 1995, mas que, até agora, só permitia a adesão de unidades com demanda mínima de 500 kW por mês. Com a Portaria 50/2022 do Ministério de Minas e Energia, a adesão independe da demanda contratada, ficando a cargo da unidade consumidora, o que deve aumentar o tamanho do mercado livre de energia no país, e também permitir mais liberdade e economia aos consumidores.
“A redução dos custos com energia pode chegar a até 40%; sem contar que a migração garante que a empresa esteja engajada com compromissos de ESG. A gestão eficiente do consumo e os incentivos à eficiência energética são diferenciais que podem impactar na economia e na sustentabilidade de diversas indústrias. A transição para o mercado livre é uma importante estratégia para o crescimento sustentável e a competitividade no cenário empresarial atual“, aponta Cristiano Tessaro, CEO da Camerge, gestora de energia presente no mercado há 15 anos.
Startups que atuam na sociobioeconomia
A sociobioeconomia é um conceito que leva em conta os vínculos entre a biodiversidade e os sistemas socioculturais; utilizando cadeias de produção sustentáveis, valorizando o conhecimento das comunidades tradicionais, estimulando a criação de empregos e a geração de renda.
Ainda existe, porém, uma lacuna entre a oferta de produtos da sociobioeconomia e as necessidades do mercado. É aí que surge uma oportunidade para startups inovadoras, que vêm atuando nos elos intermediários das cadeias de suprimentos; diversificando a demanda, superando desafios de escala e logística, e conectando florestas e comunidades a cadeias globais sustentáveis.
“Esse tipo de inovação desempenha um papel transformador, impulsionando a bioeconomia em direção ao seu pleno potencial. A abordagem da bioeconomia apresenta um amplo espectro de oportunidades para gerar produtos inovadores, promover o crescimento econômico sustentável, e preservar a diversidade biológica, cultural e social“, diz Janice Maciel, coordenadora da Plataforma Jornada Amazônia, projeto que busca fortalecer um pipeline de startups inovadoras na região, coordenado pela catarinense CERTI.
Teremos super app em 2024?
Recentemente, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, afirmou que poderemos ter, até o fim de 2024, um super app. A ferramenta, desenvolvida pelo próprio BC, reuniria em um mesmo ambiente os dados de todas as contas que um cidadão possui, funcionando como agregador financeiro. Caso a ideia se torne realidade, poderia tornar obsoletos os atuais aplicativos dos bancos.
Na avaliação de Daniel Ferretti, CPO da Franq, fintech com sede em Florianópolis, é justamente essa possibilidade de substituir os aplicativos atuais que pode atrasar a implementação do super app. Ele lembra que já houve tentativas de bancos e fintechs de emplacar o chamado agregador de contas, porém todas foram infrutíferas até agora.
“Dificilmente o BC irá conseguir esta façanha e substituir completamente um canal tão importante para os bancos, que já capturam mais de 80% do volume de transação através de seus canais digitais, sendo o aplicativo o mais relevante deles“, conclui.