Por Cibele Sanches, psicóloga e especialista em gestão de pessoas.
Como ter times mais produtivos? Essa é uma pergunta muito presente nas organizações. Muitas vezes considerada inimiga de práticas ligadas a gestão de pessoas.
Vamos começar pensando sobre o que é produtividade para entender se existe essa relação ou não?! Produtividade pode ser entendida como o resultado que se tira dos recursos disponíveis.
Métodos, pessoas e ferramentas costumam ser uma equação para entender produtividade. Pessoas são seres biopsicossociais, ou seja, têm o corpo, o conjunto de emoções e comportamentos e os relacionamentos.
Dentro da lógica de produtividade, pensando em equipamentos, ou limites de produção, máquina parada não produz.
Para manter a disponibilidade, são realizadas manutenções preventivas e preditivas, ou seja, resumindo, não se deixa quebrar, pois equipamento parado é prejuízo.
Será que o mesmo raciocínio funciona para as pessoas? Pessoas saudáveis produzem mais e melhor. É aqui que se pode puxar para uma questão crítica: o que é ser saudável?
“Organização Mundial da Saúde (OMS), em 1946, definiu saúde como um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas como a ausência de doença ou enfermidade”, segundo o Ministério da Saúde, em 2020.
Ok … e será que saúde mental é um estado livre de “pressão pela produtividade”? Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), saúde mental é:
“estado de bem-estar no qual um indivíduo percebe suas próprias habilidades, pode lidar com os estresses cotidianos, pode trabalhar produtivamente e é capaz de contribuir para sua comunidade”.
Saúde emocional pode ser entendida por capacidade de administrar as próprias emoções, de forma a gerar um sentimento de bem-estar, plenitude e alcançar objetivos.
Retomando a analogia com máquinas em que se aplica manutenção preventiva e preditiva, como fazemos isso com pessoas para que não seja necessário “consertar”? Olhando e estimulando o desenvolvimento de recursos internos e habilidades para que esses encontrem desafios a altura. Csikszentmihalyi fala sobre flow (estado de fluxo, em tradução livre), que é o encontro entre o desafio e a habilidade e sua relação com ambientes saudáveis. Como isso combina com as organizações?
“As organizações saudáveis são concebidas como construções humanas, dotadas de propósitos significativos, que são percebidos, sentidos e compartilhados. Além disto, nelas reside o princípio fundamental da busca incessante de equilíbrio e de alinhamento da equação, entre qualidade de vida, bem-estar e felicidade, e produtividade, qualidade e rentabilidade organizacional” (Csikszentmihalyi, 2004).
O que acontece quando o desafio é maior que a capacidade?
Isso dispara reações de estresse. Segundo Boggio (2020), o estresse é uma resposta do organismo, ou seja, tem base fisiológica, preparando o indivíduo para lutar ou fugir. Esse gatilho dá-se frente a situação de potencial ameaça ou percepção de desafio acima da capacidade. O estresse é uma força evolutiva, que favorece a adaptação frente a esses cenários.
Saber lidar e gerenciar o estresse é uma das formas de poder atuar dentro das organizações em relação à saúde mental e bem-estar.
Um estresse cronificado no trabalho pode levar a Burnout, depressão, ansiedade generalizada, trauma e estresse pós-traumático (TEPT). Quadros de acometimento mental costumam ter um desenvolvimento gradual (com exceção de trauma e TEPT que podem derivar de um único evento realmente relevante e impactante).
E essa formação gradual traz desafios extras para a percepção do que está ocorrendo, pois traz um efeito de “ir se acostumando”. Em analogia, seria como se engordasse 100 gramas por mês. Em um mês isso não é significativo … em 10 anos é.
Como fazer para prevenir que as pessoas saiam do espectro saudável e entrem no adoecimento?
Trabalhar bem-estar é um destes pontos. Longe de ser um conceito de “decoração de interiores” com pufes e paredes coloridas, bem-estar, de acordo com a OMS é uma percepção individual sobre satisfação com a própria vida. Incluindo os seguintes aspectos:
– Saúde mental
– Emoção positiva
– Resiliência
– Motivação
– Relacionamentos positivos
– Gratidão
– Perspectiva temporal
– Sentido da vida
Como visto, bem-estar e saúde mental tem diversos aspectos, e alguns são subjetivos, ou seja, cada indivíduo tem sua definição do que é bem-estar. Essa variabilidade torna desafiador acompanhar de modo mais prática, fazendo que algumas medições ocorram de modo indireto.
Mas como podemos ter ideia sobre bem-estar nas organizações?
Alguns possíveis indicadores e indícios:
– Número de afastamentos (atestados e INSS)
– Sinistralidade plano de saúde
– Aumento no absenteísmo (faltas)
– Aumento na rotatividade / turnover (em especial os motivos)
– Acidentes de trabalho
– Quedas de produtividade
– Pesquisa de Clima e Pulso (senso contínuo)
– Alteração no consumo no convênio farmácia
– Falas depreciativas, desmotivas e persistentes
– Inventários sobre estresse e bem-estar (necessário garantir que estão sendo utilizados instrumentos válidos e precisos)
Importante ressaltar que esses indicadores são multifatoriais e não refletem apenas saúde mental. Entretanto quando elevados ou em crescimento, podem ter forte influência, seja de causa ou de consequência, em saúde mental e bem-estar. O olhar sobre esses indicadores deve ser de alerta e também de observar (e agir) sobre as alterações.
Vale resgatar a analogia inicial com equipamentos e máquinas:
Fazemos manutenção preventiva e preditiva de equipamento e nem sempre se tem o mesmo cuidado com pessoas. No caso do fator humano, as “peças” são mais desafiadoras de serem reparadas ou trocadas; por isso a importância de entender para fortalecer. Indivíduos saudáveis, o que está relacionado com ter bem-estar; são mais fortes para enfrentar desafios. Assim, trabalhar no fortalecimento das pessoas, permite que, frente a desafios, essas sigam saudáveis e não entrem no espectro do adoecimento, mesmo em situações difíceis.
Não tem como usar recurso que não foi desenvolvido, então, fortalecer pessoas ajuda na produtividade, representado também na fala de Csikszentmihalyi trazida anteriormente, onde resultado e bem-estar encontram-se em equilíbrio em organizações saudáveis.
Organizações saudáveis precisam de valores, práticas e gestores que possam estar atentos, fomentar e, eventualmente, corrigir a rota. Recai sobre o gestor a responsabilidade de liderar sua equipe em cenários cada vez mais complexos e desafiadores. Esse gestor, sem estrutura e práticas que apoiem um ambiente saudável e produtivo, tem muita dificuldade em manter níveis adequados e sustentáveis de bem-estar e resultado.
Frente a tudo isso, vale o alerta à alta direção e aos conselhos consultivos de olharem também como as práticas de gestão de pessoas estão ocorrendo, bem como os líderes estão sendo desenvolvidos e apoiados para apoiarem seus times de forma efetiva, saudável e sustentável.