Não existe autor mais importante para a minha infância do que Ziraldo – e para a de muita gente também. Era ver o nome dele numa capa que rapidamente pedia para a mamis comprar o que fosse. E ela, claro, via toda a importância dessas aquisições. Uma obra deste autor não era só um livro, mas uma experiência engrandecedora, que saía da página e coloria o mundo de quem lia. Afinal, para uma criança, não existe limite entre o texto e o seu redor.
“Uma Professora Muito Maluquinha” é um convite para a criança pensar na magnânima figura do mestre, do professor, como nada além de uma criança que cresceu.
“Flicts”, um livro sobre uma cor que procurava seu lugar no mundo, é uma história sobre bullying quando o termo sequer era usado. Uma obra que reflete como nenhuma outra a solidão que as crianças são capazes de sentir e que muitos adultos ignoram. Inclusive, os maiores têm esse problema: Achar que entendem como as coisas são mais do que as crianças.
“O Livro das Mágicas do Menino Maluquinho” usava do mais famoso personagem de Ziraldo (cujo livro original já vendeu mais de 4 milhões de exemplares) para ensinar truques que nunca encantariam um Mister M, mas que eram uma brincadeira em forma de magia para qualquer criança. É impossível que um leitor não sentisse imediatamente uma vontade de aprender, se envolver e mostrar para os pais.
“As anedotinhas do Bichinho da Maçã”, além de fazerem a meninada rir, ainda eram uma experiência colaborativa. Qualquer criança que aprende uma piada nova imediatamente quer compartilhar com os outros: seus pais, irmãos, amiguinhos… Para mim, inclusive, ainda tinha uma camada pessoal. Meu pai tinha uma coluna no Santa (jornal de Blumenau) que era de humor, então conseguir fazer ele rir era um desafio pessoal – e esse livro foi de muita ajuda.
E poderia seguir falando por tempos das HQs que tinha, de como caçava os livros de Ziraldo na biblioteca da escola, de como um dos meus bens mais preciosos foi uma mochila de rodinhas do Menino Maluquinho que possuí na 2ª série…
Só que Ziraldo foi muito mais do que a infância do brasileiro – como se isso já não fosse digno de qualquer elogio e atestado ímpar de genialidade.
Ziraldo foi um designer único. Enxergava o mundo como um encontro de traços, em que nomes poderiam ser imagens e logos poderiam ser tudo. Até a “fonte” que ele criou para si era mais poderosa do que a própria assinatura. Você não precisava de muito para saber quando uma obra era deste autor.
Ziraldo foi um ilustrador como poucos. Além de um traço único, ainda combinava cores e mensagem de uma forma inigualável. Seja para receber o Papa, fazer o pôster dos filmes mais diversos, animar os comerciais da Globo ou ensinar como xingar em tempos de censura, a criatividade não parecia acabar.
Ziraldo foi um embaixador de tudo que o mundo precisa até hoje. Direitos humanos, saúde na escola, combate a Aids e várias outras causas foram desenhadas por ele de forma didática e engajadora.
(Só a campanha antitabagista que talvez tenha incentivado mais do que combatido, mas aí é o fardo de um grande artista).
Ziraldo foi um defensor da democracia. Em tempos de ditadura, assumiu a linha de frente no combate à repressão e usou do seu humor e genialidade para combater o “cale-se”. Preso três vezes pelo regime autoritário, foi um dos fundadores d’ O Pasquim, nunca teve medo de tema algum e disse: “Quem pensa que Deus é brasileiro pode estar certo: ele se mudou”. Inclusive, você pode até não gostar do PSOL, mas é o partido com a marca mais simpática que existe.
(Só não vale dizer que gosta de O Menino Maluquinho e querer a volta da Ditadura, autoritarismo e felicidade não combinam)
Artista com A maiúsculo, colorido e estilizado, Ziraldo vai fazer falta. Sua partida me lembra a de Jô Soares e a de Millôr Fernandes. Não só por serem contemporâneos – inclusive, Ziraldo foi o último entrevistado do programa do Jô – e gênios do humor, mas porque é bom viver num mundo em que, de repente, seríamos relembrados do quão genial eram graças a uma obra nova.
Sei muito bem que este texto se insere num portal de economia e negócios, mas para esta coluna, fica apenas o lembrete de que devemos aproveitar e valorizar os gênios que conosco estão. A lição para a sua carreira fica para semana que vem.
Mas deixo uma dica: É possível que estejamos vivendo um momento em que nunca se falou tanto sobre Ziraldo. Afinal, é infelizmente da natureza humana, valorizar as coisas depois que as perdemos. Faça bom uso desta fase e leia Ziraldo. Presenteie um amigo, familiar, colega de trabalho ou funcionário com uma obra. Qualquer pessoa será grata.
Ziraldo viveu até os 91 anos e, ainda assim, foi cedo demais.