Por Fernando Lopes e Marcella Zorzo, criadores do primeiro escritório do país especializado em direito aplicado a processos de tokenização e coautores do livro O Guia Jurídico da Tokenização.
A nova onda entre os investidores mais arrojados do mercado é a compra de tokens RWA (Real World Assets), isto é: tokens supostamente lastreados em ativos reais.
Tokens são uma nova espécie de ativos digitais produzidos por meio de um programa de computador chamado de smartcontract, que além de ter a função de produzir esses tokens (“mintar” no jargão do mercado de tokenização), possui também funções responsáveis por governar o processo de transferência desses ativos.
Ativos reais, por sua vez, são qualquer espécie de bens ou direitos como títulos de crédito, direitos de propriedade, contratos de prestação de serviço, bens móveis, ou seja, qualquer coisa que possa ter valor: de contratos derivativos a garrafas de vinho.
De acordo com recente matéria da Forbes, por exemplo, a BlackRock, maior gestora de ativos do mundo, afirmou pretender tokenizar 10 trilhões de dólares de seus ativos, o que confirma tendência antecipada por nós em nossas colunas anteriores, de que estamos definitivamente migrando para uma “economia tokenizada”.
Em outras palavras, uma vez considerada a infraestrutura tecnológica em rede de caráter distribuído, subjacente aos smartcontracts responsáveis por governar o processo de transferência dos ativos tokenizados, criada com escopo de prover interoperabilidade ao comércio eletrônico internacional, algo já referido em nossa primeira coluna, os chamados Tokens RWA nada mais são do que um forte indício confirmatório de nossa tese sobre a “tokenização de tudo”.
Diante disso, a questão que surge é a seguinte: se tudo será tokenizado e até a BlackRock já afirmou que pretende tokenizar 10 trilhões de dólares de seus ativos, então isso significa que devemos sair por aí como “loucos desesperados” à compra de tokens RWA, ou como dizem os jovens: na busca desvairada pela nova “gema RWA”?
Definitivamente não! E esse não mereceria pelo menos uns 10 pontos de exclamação.
Com efeito, qualquer pessoa no mundo pode criar um token e dizer que esse token está lastreado em algum ativo real. Logo, uma série de cuidados devem ser adotados pelos investidores.
O primeiro deles é verificar como se dá a relação física entre o token emitido e o ativo real. Há conexão entre eles? Há alguma estrutura de IOT fazendo a conexão entre as informações, conforme discutido por nós em nossa coluna anterior?
Em havendo uma estrutura de IOT, qual o propósito dessa estrutura em relação ao modelo de negócio?
O segundo cuidado é verificar como ficará a custódia do token.
Pressupondo que esse token tenha realmente valor, então a custódia ficará subordinada a um endereço controlado pelo adquirente, segundo os princípios de criação da criptoeconomia, ou a chave privada ficará na posse da tokenizadora? Em outras palavras: quem assumirá o risco de custódia e quais as consequências da concretização do risco?
O terceiro cuidado é verificar se esse token está limitado às funções básicas do padrão estipulado para sua construção, dado que esses ativos são construídos segundo padrões, como ERC20, ERC721, ERC1155 etc., ou se integram uma estrutura mais complexa de smartcontracts, em conexão com as finanças descentralizadas.
Tais cuidados são apenas exemplificativos e servem para verificar se há de fato alguma tecnologia capaz de atribuir valor ao projeto, ou se é mais um caso de mera criação de tokens, carentes de significado tecnológico.
Enfim, além da conexão física entre os ativos e os “bens do mundo real” (não gostamos muito dessa expressão, porque os tokens de per si também são bens, ainda que digitais, e estão no mundo real), de fundamental importância é a análise da conexão jurídica.
Caso se trate de tokenização imobiliária, por exemplo, questão central é a seguinte: a posse do controle sobre um token imobiliário me garante o controle do direito imobiliário? Tratamos dessas questões jurídicas com detalhes em nosso livro “O Guia Jurídico da Tokenização” para onde remetemos o leitor mais interessado nesses aspectos, com a ressalva de que nada substitui a assessoria de um advogado no caso concreto.