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O desafio das cooperativas de crédito com a nova geração

Foto: Gabriel Richartz.

Com a digitalização do mundo financeiro, ir à agência bancária se tornou uma atividade obsoleta e para poucos. Segundo pesquisa do Serasa, 44% das pessoas entre 18 e 28 anos não têm mais o costume de sacar dinheiro. Na geração seguinte, de 29 e 41, 43% mantém o comportamento.

No quesito de investimentos, a geração Z também segue por caminhos menos convencionais, mas de extrema maturidade. De acordo com a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), os nascidos entre 1997 e 2010 são os que mais investem em outros produtos financeiros, como fundos, moedas digitais e ações. Junto com essa geração, os millennials e a geração X esperam usar o dinheiro investido na compra de imóveis.

Com isso, os meios financeiros convencionais precisam se adequar e trazer inovação para manter a atratividade. Boa parte das cooperativas de crédito, por exemplo, já se atentou a esse movimento: 87% consideram a inovação como essencial, conforme levantamento do Sistema OCB.

O Economia SC Drops conversou com Marcelo Vieira Martins, diretor executivo da Unicred União, para saber mais sobre esse e outros desafios atuais das cooperativas de crédito e como isso pode impactar o futuro do setor. Confira: 

Qual é a importância do cooperativismo no sistema financeiro atual?

Marcelo: Não é exagero afirmar que o cooperativismo de crédito protagoniza uma verdadeira revolução no sistema financeiro do Brasil. A participação das cooperativas de crédito saltou de 3% do sistema financeiro em 2019 para 7% no ano passado. É a fatia que mais cresce e continua se expandindo a um ritmo de quase 30% ao ano. Hoje são mais de 15 milhões de cooperados do ramo crédito no país, sendo mais de 80% pessoas físicas. Boa parte desse crescimento ocorre em cidades do interior, lugares de pouco interesse para os grandes bancos, e entre micro e pequenos empreendedores que precisam de crédito para alavancar seus negócios. É importante destacar que esse movimento atende a uma meta traçada pelo Banco Central de incentivar a descentralização bancária no país. Nunca é demais lembrar que os cinco maiores bancos (Itaú, Bradesco, Banco do Brasil, Caixa e Santander) detêm hoje mais de 80% do mercado. Ampliar o leque de opções para as pessoas escolherem sua instituição financeira faz bem a todos.

Quais são as vantagens competitivas das cooperativas de crédito em comparação com as instituições financeiras tradicionais?

Marcelo: A primeira delas é que na cooperativa todos são donos. Cada cooperado tem uma quota de capital idêntica à dos demais e participa das decisões. Isso incentiva a responsabilidade individual de cada um pelos destinos da cooperativa e, ao mesmo tempo, desperta o sentimento coletivo pela prosperidade do negócio. Como costumo dizer, o cooperativismo lapida o cidadão. Além disso, a cooperativa não visa lucro como os bancos. O resultado de cada exercício é distribuído entre os cooperados sob a forma de sobras. É bem diferente do modelo dos bancos, no qual poucos acionistas ficam com tudo. Para mim, o cooperativismo é a mais justa forma de associação humana, pois produz com eficiência, respeita a liberdade individual de participar e distribui de modo justo, proporcional à participação de cada um na cooperativa.

Quais são os maiores desafios que as cooperativas de crédito enfrentam hoje?

Marcelo: Sem dúvida, conversar com o jovem é hoje o nosso mais urgente desafio. É preciso criar as facilidades e soluções que façam sentido para quem está começando a vida financeira, sem complicações e com a instantaneidade que o jovem requer. E é urgente renovar a linguagem dessa conversa. Em artigos que escrevo e palestras que faço, tenho sido um crítico à forma como o cooperativismo se comunica. Quando falamos das cooperativas de crédito, vivemos o seguinte paradoxo: somos tão bons quanto os bancos digitais, com a vantagem de distribuirmos o nosso resultado entre os cooperados e investirmos na qualidade de vida das nossas comunidades, mas o jovem nem sempre sabe disso. Prefere ter o cartão roxo de um banco cujos acionistas ele não conhece. Nós fazemos muito mais para melhorar o mundo ao nosso redor, e isso não sou só eu que digo, é uma constatação da ONU ao medir o impacto positivo mundial das cooperativas no desenvolvimento humano das regiões onde atuam. Precisamos informar esses benefícios de maneira clara e fácil, pois as novas gerações estão interessadas em melhorar o mundo.

Como as cooperativas de crédito podem contribuir para o desenvolvimento econômico e social das comunidades onde estão inseridas?

Marcelo: Quando falamos em desenvolvimento econômico, basta citar a distribuição anual das sobras aos cooperados, que irrigam as regiões e fortalecem os negócios. Você não vê um banco fazendo isso. Sem contar que a distribuição promovida pelas cooperativas de crédito é justa, pois é proporcional à participação de cada cooperado. Quem trabalha mais com a cooperativa, ganha mais. Na dimensão social, a contribuição é igualmente significativa. Para dar um exemplo, a Unicred União, cooperativa onde atuo, beneficia todo ano mais de 5 mil estudantes de escolas públicas em Santa Catarina e no Paraná através do projeto MotorCoop. É o braço de responsabilidade social e ambiental da cooperativa, que leva educação financeira, arte e cultura de modo gratuito aos estudantes. Quem conhece de perto as atividades do MotorCoop se emociona e se conecta com o melhor do ser humano. E assim todas as cooperativas de crédito mantêm seus programas de desenvolvimento coletivo, pois um dos princípios universais do cooperativismo é o Interesse pela Comunidade. No meu último livro, o Coopbook Soluções, apresento uma coletânea de histórias reais em que cooperativas de todos os ramos solucionam os desafios das pessoas. É o cooperativismo resolvendo as coisas na prática.

Como a tecnologia está transformando as operações das cooperativas de crédito?

Marcelo: Hoje mais de 90% das operações de uma cooperativa de crédito são feitas de modo digital, pois é rápido e prático. Não é preciso ir até agência para fazer um consórcio ou até mesmo para contratar um empréstimo. E uma das transformações que essa nova realidade trouxe foi a redefinição do papel da agência, que se transformou no território da experiência e do relacionamento. Esqueça aquele aspecto impessoal com guichês e caixas eletrônicos. No novo conceito, o cooperado encontra o ambiente para ser atendido com privacidade pelo gerente de relacionamento, mas tem muito mais à disposição. Há salas disponíveis para o associado fazer reuniões de trabalho, espaço com cozinha para promover eventos, miniauditório com arquibancada para palestras e muito mais. Em resumo, a agência é um prolongamento da casa ou do escritório do cooperado. Nas agências da Unicred União tem até loja do MotorCoop, onde ficam à venda camisetas e outros artigos para financiar as ações sociais e ambientais da cooperativa.

Quais são suas previsões para o futuro do cooperativismo no Brasil?

Marcelo: Na soma de todos os ramos do cooperativismo, o Brasil conta com pouco mais de 20 milhões de cooperados, ou seja, 10% da população está vinculada a uma cooperativa. Temos potencial para crescer muito mais. Em visitas que fiz à cidade espanhola de Mondragón, considerada a capital mundial das cooperativas, observei que toda a dinâmica econômica gira em torno da cooperação. No ponto de táxi, na escola, no hospital, na oficina mecânica, até no serviço de tradutores, praticamente todos os profissionais estão organizados em cooperativas. O resultado é uma considerável igualdade econômica e social e um lugar onde as pessoas têm segurança financeira, pois estão vinculadas a algo maior, uma cooperativa que não vai deixá-las na mão. Sonho com a construção de um país mais cooperativo e sei que isso é possível. O caminho para chegar lá passa obrigatoriamente pela educação e pela conscientização das pessoas. É para isso que trabalho incansavelmente.

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