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Segure a minha mão

Foto: divulgação.

Você lê essa coluna digitalmente, mas eu a escrevi primeiro à próprio punho com lápis e papel. É porque, durante o ensino médio, a então professora de produção de texto, Adriana, pediu para que algum conhecido/amigo/parente escrevesse sobre mim – parte de uma atividade repassada para todos. E eu pedi ao Tio Luiz.

O Tio Luiz não era um tio de fato, mas um amigo da família que eu conheço desde a infância – daí a nomenclatura. E ele escreveu um texto de uma sensibilidade que, mesmo no auge da minha adolescência e da burrice hormonal que a acompanha, me tocou.

O meu Vô foi quem originalmente tentou me ensinar a me barbear, mas a verdade é que eu não tinha tantos pelos assim na cara para conseguir absorver a informação de fato. O Tio Luiz foi quem me mostrou o caminho.

Há alguns meses, foi a vez do Tio Luiz partir. Mais do que saudade, o que sinto é responsabilidade.

Tio Luiz foi o amigo e a referência que eu precisava e nem sabia o quanto. Além da barba, foi parceiro em assistir futebol, conversar sobre absolutamente tudo e até votamos juntos – não literalmente, claro, mas encaramos uma longa fila na zona eleitoral em 2022 no primeiro turno e nos encontramos no caminho do segundo.

Foi a última vez que eu conversei bem com o Tio Luiz.

Quando eu era criança, eu e mamis passávamos pela frente do prédio da Tia Béti e do Tio Luiz e ficávamos vendo se eles haviam chegado. Era tudo uma grande brincadeira, entenda: Os dois moravam no Rio Grande do Sul e sempre nos avisavam quando chegariam em Santa Catarina. Mas eu gostava de fazer a contagem regressiva – coisa de criança.

Dói saber que eu posso passar na frente do prédio quantas vezes forem que ele não vai estar mais na sacada.

Só que a melancolia não tem vez porque eu queria poder dizer que sigo todas as lições que prego, mas seria mentira. Não é por mal nem por hipocrisia, mas pela ingenuidade que nos acompanha como humanos e que mostra como, para a vida, somos todos sempre crianças.

E eu estou dizendo isso, mas a verdade é que, num mundo sem Tio Luiz, eu só consigo pensar que eu não o valorizei direito. Queria eu saber naquele tempo, o que hoje sei, mas não controlamos isso. Eu era literalmente uma criança, depois fui um adolescente e um jovem adulto que tentando entender o mundo ao seu redor cometeu erros, sendo que muitos deles se basearam em não reconhecer o tamanho da própria sorte.

Nós crescemos e amadurecemos, seja na base do trauma ou do amor, mas sempre haverá espaço para mais uma lição.

O Tio Luiz fez uma das coisas mais incríveis que alguém poderia fazer por outra pessoa: Estender a mão.

Esteve presente, se preocupou, ajudou e fez o que podia. Fosse um sermão extremamente carinhoso ou assistir a fitas VHS na cama dele. Sem esperar nada em troca. Eu até o presenteei com uma camisa do Metropolitano de Blumenau quando ele, um gaúcho colorado, veio morar em Santa Catarina. Mas ele me deu algo maior. O exemplo.

Por meu pai ter partido cedo, dizer que alguém é como um pai para mim parece “traição”. Ou talvez eu só não queira ser o cliché de quem busca figura paterna. Então, talvez, o Tio Luiz tenha sido meu tio de verdade.

O que eu posso fazer agora? O mesmo.

Ninguém é obrigado a nada nessa vida, mas, digo novamente, somos todos humanos. Amamos, sorrimos, sofremos, cuidamos e também precisamos de cuidado. Somos tribais e apoiamos uns aos outros. Às vezes, esquecemos disso, mas o Tio Luiz lembrou.

Ter uma mão para segurar é o que pode ajudar a passar pelos tempos mais sombrios e tudo ficar mais fácil.

Queria terminar o texto com um tom positivo, dizendo que apesar do mesmo nome e do fato de eu ser literalmente um tio, você não precisa se chamar Luiz ou ser um tio para ser um Tio Luiz.

Quando alguém nos estende a mão, nós devemos retribuir, mas não necessariamente da mesma forma que recebemos. É ver quem ao nosso redor poderia fazer uso da nossa mão e estender. A vida é muito complicada, mas podemos fazer mais fácil se não ficarmos sozinhos. Se ajudarmos a guiar quem está perdido.

Não existe hora ideal, existe quando é a hora. Portanto, se você precisar, segure a minha mão.

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Jornalista e marketing manager na AE Studio e Instill.

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