A discussão sobre o fim da escala 6×1 parece ser a etapa final – ou mais um passo adiante – para a conquista de uma jornada mais digna para trabalhadores de todo o Brasil. Ainda assim, encontra forte resistência de algumas pessoas – e deputados. Não é uma discussão simples. De ambos os lados, o tema parece ter soluções óbvias, mas, se fosse tão simples, a realidade já seria diferente.
Para quem defende o fim da jornada 6×1, o argumento é a dignidade humana. Trabalhar seis dias seguidos e ter apenas um dia de folga é insuficiente. Essa rotina leva ao cansaço extremo, e um único dia não é suficiente para descansar e viver.
Por outro lado, há quem argumente que não é viável sustentar economicamente um modelo diferente, já que isso impactaria diretamente na economia. E, se a economia vai mal, o bem-estar coletivo também é prejudicado.
Esses dois lados estão certos em partes. Mas o problema real é que estamos gastando energia discutindo a validade da mudança, quando deveríamos estar planejando como implementá-la de forma responsável.
Antes de continuar, preciso dizer: se sua posição sobre a PEC se baseia apenas no partido que a propôs ou na pessoa que a defende, este texto não é para você. Pensar que o mundo político é dividido entre “bons” e “ruins” é uma visão simplista e ingênua. Não existe isso de bondade ou maldade associadas a direita ou esquerda. Se você ainda acredita nisso, admiro sua inocência – ou ignorância, a depender.
Agora, também não quero entrar naquela de “Pra eles lá é fácil, folgam 200 dias por ano, ganham 40 pau por mês e daí vem dizer que pobre tem que trabalhar 6 dias pra deixar de ser pobre.”
Em primeiro lugar, é verdade. Em segundo, é realmente revoltante.
Mas não vou entrar nessa porque podemos nos desviar da discussão real: as condições de trabalho no Brasil.
Escala 6X1 e a dignidade do trabalho
O fim da jornada 6×1 seria um avanço significativo. O 4×3 é meio utópico, mas adotar o 5×2 já seria um alívio imediato para quem hoje sofre com a escala de seis dias consecutivos.
É importante entender que o 6×1 afeta principalmente trabalhadores em empregos menos remunerados, que já enfrentam condições difíceis. Acabar com essa escala permitiria que essas pessoas tivessem mais tempo para descansar, viver, ou até buscar uma renda extra. Não é sobre “vagabundagem”, mas sobre justiça.
No Brasil, a jornada média semanal é de 39 horas – mais do que todos os países do G7. Entre as nações do G20, só trabalhamos menos do que Rússia, Índia e China, países que não associamos imediatamente a qualidade de vida exemplar. Cuba, que é sempre o alvo de quem fica à direita do espectro político, o tal do país dos mandriões comunistas, trabalha duas horas a mais que o Brasil.
Muitos dos deputados que estão se opondo ao fim da escala 6×1 ficam justamente neste espectro que teme que Brasil vire Cuba, que nunca aplaudiria um país comunista (China), a mãe do comunismo (Rússia) e que por diversos motivos não liga para a Índia.
Enquanto isso, a Alemanha, referência em indústria e produtividade, trabalha cerca de 35 horas semanais em muitos setores. Quatro a menos que o Brasil.
Na Alemanha, o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal é levado a sério. O país entende que trabalhadores descansados, saudáveis e felizes são mais produtivos. É uma visão pragmática, não utópica. Lá, políticas como representação dos trabalhadores no conselho de grandes empresas e benefícios que incentivam o bem-estar individual são práticas comuns – e a economia prospera.
O peso para pequenos negócios
O maior desafio do fim do 6×1 está nos pequenos negócios. Os grandes se resolvem, a história prova. Agora, para muitos microempresários, a mudança pode ser mortal. significar custos adicionais com novas contratações, o que comprometeria a saúde financeira do negócio. Isso pode levar até ao fechamento de algumas empresas.
Essa preocupação é legítima. Por isso, a discussão deveria focar em como ajudar esses empreendedores a se adaptarem, com incentivos ou suporte financeiro. A mudança deve ser planejada para minimizar impactos negativos, especialmente para aqueles que já operam no limite.
O papo que deveria estar sendo levado
Ou seja, o debate sobre o fim da jornada 6×1 está sendo conduzido de forma errada. A questão não é “se” ela deve acontecer, mas “como” fazer isso de maneira que beneficie tanto trabalhadores quanto empregadores. A economia encontrará formas de se ajustar se houver planejamento e sensibilidade no processo.
Por fim, precisamos lembrar que reduzir a obrigatoriedade da carga horária de trabalho é uma questão de produtividade e humanidade. Pessoas descansadas vivem mais, são mais saudáveis e contribuem melhor para a sociedade. Até produzem mais, veja só.
A Alemanha, berço do pensamento luterano, vê o trabalho como um caminho para dignidade – ótimo! Mas o Brasil, de séculos escravagistas, associa mão de obra à exaustão ininterrupta. E não há dignidade nisso. Com inteligência e sensibilidade, podemos superar esse cenário – para o bem de todos.