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Por que iced coffee vende tanto?

Foto: Abdulrhman Alkady/Pexels

Você já deve ter reparado que o café gelado (iced coffee) se tornou algo que vende muito, e isso é uma verdadeira aula de marketing.

Talvez não se trate de uma febre porque não se comporta como algo muito pontual, mas de fato uma bebida que entrou no cotidiano de muitas pessoas.

Deixou de ser aquela única opção no cardápio, algo pontual, e se transformou em algo muito mais frequente do que imaginaríamos alguns anos atrás.

Antes de continuar, não deveria ser surpresa para ninguém que a indústria do café tem muito marketing, afinal, é algo de séculos e séculos de consumo.

Curiosamente, até já foi algo proibido pelo Papa. Assim como todos os bens e commodities, tem muita especulação em torno dele, vinda de milhares de anos de tradição diretamente para o feed do Instagram dos millennials.

Como iced coffee vende tanto? Um verdadeiro aulão de marketing

Prepare-se para uma boa aula de Marketing em toda essa história de como o iced coffee passou de algo “exótico” para um negócio que vende muito. Já deixo avisado: esse texto é sobre a longa curva de evolução de um mercado.

Café é algo que já está presente em nosso cotidiano há muito tempo. Você sabe disso. É só lembrar de qualquer aula de história que vai falar do quanto ele foi importante para todo o desenvolvimento econômico do Brasil. Nas últimas décadas, tomar um cafezinho fora de casa se tornou uma atividade bastante comum.

Isso é bastante contrário ao que se imaginava do tradicional café, que era uma rotina tradicionalmente caseira e a primeira coisa oferecida a uma visita. Era algo que se fazia no seu lar ou no lar de outra pessoa – no máximo, numa sala de espera de algum lugar. Não fazia sentido sair só para isso.

No entanto, no meio da correria da vida, voltar para casa ou agendar uma consulta médica só para poder adentrar a sala de espera em nome de um café seria inviável para quem já estava na rua. Por conta dessa necessidade básica, lugares para um cafezinho sempre existiram, muitos antes de Friends popularizar a prática e marcar os já mencionados millennials.

Mas ainda assim, você precisaria justificar a preferência das pessoas pelo seu estabelecimento em detrimento de outro. Quanto mais diferenciais tiver, maiores as chances de sucesso. Uma das maneiras encontradas foi por meio dos cafés especiais, que não só permitiam cobrar um valor superior ao comum, proporcionando maior margem para toda a operação, como também justificaram até mesmo o ato de uma pessoa sair de casa ao oferecer ingredientes específicos ou grãos de melhor qualidade, produtos aos quais as pessoas não tradicionalmente teriam acesso no supermercado ou em suas residências.

Ao encontrar todos esses cafés diferentes, as pessoas foram apresentadas a diversas formas de consumo, o que logo fez com que o café tradicional fosse considerado comum. Enquanto muitas pessoas mantiveram esse consumo diferenciado para momentos fora de casa, outras trouxeram essa experiência para seus lares, comprando café de melhor qualidade, aprendendo a fazer receitas ou adquirindo uma máquina de espresso, fosse ela tradicional ou de cápsula, tal qual George Clooney.

Quando pensamos em franquias de café, é inevitável mencionar a Starbucks, presente no mundo todo. Apesar de apresentar um modo de consumo diferente do tradicional brasileiro – aquele costume estadunidense de tomar meio litro de café por vez, enquanto preferimos pequenas doses várias vezes ao dia – a rede alcançou grande sucesso aqui. Seu cardápio apresenta uma variedade de cafés gelados que são constantemente atualizados, seja com produtos sazonais ou temáticos.

O iced coffee tem maior relevância para quem costuma consumir grandes quantidades de uma vez. Um cafézinho termina em dois ou três goles, mas meio litro requer mais tempo para consumo e, por consequência, o que é quente, esfria, e fica ruim – o que não é problema com um cold brew, por exemplo.

Dito isso, um dos fatores mais importantes para o sucesso do iced coffee entre os brasileiros é sua capacidade de customização, superior à do quente. É possível combinar uma variedade maior de produtos e sabores com o café gelado. Em termos de marketing, isso significa um produto que pode ser comercializado de diversas formas para o público-alvo.

Para pensar nessa expansão, porém, é necessário que o produto “base” seja bom. E, ao que tudo indica, é. A Nestlé lançou uma versão solúvel de café cold brew, e diversos dispositivos que permitem a preparação desse tipo de café em casa têm apresentado boas vendas.

O confronto de gerações

Só que a Geração Z valoriza muito a experiência e a estética em tudo, e não poderia ser diferente num café. O tradicional não é suficiente, mesmo que o foco fosse apenas a cafeína. Não existe satisfação apenas no consumo básico e usual. O ritual do cafezinho pode se expandir em algo maior, que justifique um gasto mais elevado, que motive sair de casa e que permita, inclusive, também um registro fotográfico.

Existe um contraste interessante entre gerações: os millennials já eram grandes apreciadores de café e mantinham suas redes sociais repletas de conteúdo sobre café, porém em contextos diferentes. Costumavam apresentar o café como algo necessário, como um combustível para o dia, transformando-o em tema de discussões e brincadeiras.

A Geração Z, por sua vez, não demonstra tanta preocupação com o café como fonte de energia ou como um símbolo de transição para a vida adulta, tal qual faziam os millennials ao confrontar suas primeiras responsabilidades.

Para exemplificar essa distinção geracional, observe a relação com bares: embora seja comum que todos apreciem sair para frequentar esses lugares e consumir bebidas, para os millennials, o simples ato de ir ao bar já constitui uma experiência satisfatória. O “litrão” – a possibilidade de consumir mais cerveja pagando menos – era suficiente.

Atualmente, muitos bares “tradicionais” antes frequentados por jovens ou viram seu público-alvo envelhecer ou tiveram uma significativa diminuição em sua clientela.

Isso porque, para a Geração Z, é necessário algo adicional, uma experiência.

Mesmo que seja a experiência de consumir um litrão tradicional, isso não pode ser acidental – precisa ser parte de uma estética e de um compromisso do estabelecimento em proporcionar essa narrativa, essa vivência. Uma parede, por mais despretensiosa que pareça, precisa ser tecnicamente planejada em seus detalhes para que a experiência seja perfeita, justifique o valor cobrado e, dependendo do frequentador, possa ser representada nas redes sociais de forma a contribuir com a construção de sua persona.

É similar aos astros do rock and roll dos anos 1980 – trazendo um exemplo que talvez as gerações mais antigas compreendam melhor. Aquelas estrelas do rock ostentavam cabelos propositalmente desarrumados e calças rasgadas, mas eram calças esteticamente danificadas nos lugares corretos e cabelos cuidadosamente desalinhados por profissionais especializados.

Talvez essa comparação auxilie na compreensão de por que as gerações mais velhas, que associavam o café apenas à sua forma tradicional – quente, possivelmente com leite, servido em uma xícara elegante – estranham tanto as preferências das gerações mais novas. No entanto, assim como havia admiração por aqueles astros do rock, sempre existiu uma preocupação estética nessas gerações, apenas não era tão evidenciada quanto atualmente.

Há três aspectos incontestáveis:

  • Por algum motivo, é extremamente agradável tomar uma bebida num copo repleto de gelo;
  • É muito conveniente consumir através de um canudo – preserva a maquiagem e não suja o bigode;
  • Por fim: o barulhinho de puxar o resto da bebida pelo canudo num copo repleto de gelo é surpreendentemente relaxante.

Desafio de Marketing para você que me lê: como você descreveria a experiência do café quente para “confrontar” o café gelado?

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Jornalista e marketing manager na AE Studio e Instill.

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