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Perdemos Cao Hering, o beatle

Foto: divulgação redes sociais

Para falar de Cao Hering, escrevo esse texto mais abalado do que gostaria, mas acompanhado de Beatles na trilha sonora e duma caneca da Direcional Propaganda. Coisas que me lembram do Cao, nada mais humano buscar por isso neste momento. Afinal, quem já pegou uma edição do Santa nas mãos está de luto.

Publicitário, chargista e inesquecível, Cao marcou a Comunicação de Blumenau e de Santa Catarina. É aquela história, se fosse de São Paulo ou Rio de Janeiro, o país teria parado com o seu falecimento em 21 de março nos seus 76 anos – ao menos, a prefeitura decretou luto oficial de 3 dias. Porém, para a nossa sorte, nasceu aqui.

E para nossa sorte ainda maior, compartilhou muito conosco ao produzir bastante. Por uns 40 anos, criou charges regularmente, para não dizer diariamente. Que desafio! Contou a história da cidade, do país, do mundo.

Atenção: Tem esse link com 100 (C E M) charges do Cao. Se você quiser largar esse texto agora e ir lá ver, eu juro, não vou ficar triste.

Mas se você ficou, queria te dizer que eu sei que o Cao é importante para todos os nascidos em Blumenau, mas talvez seja um cadinho mais para mim. Meu pai e o Cao eram muito amigos.

Graças ao Cao ter sido um aluno que deixava a desejar, ele rodou de ano e virou amigo de Colégio Santo Antônio do meu pai.

Aí passou o tempo e meu pai deu ao Cao o primeiro emprego, depois sociedade da agência de publicidade e a oportunidade de se tornar chargista. Grandes amigos que sempre se apoiaram. Que história sobre amizade!

E do Cao, ganhei 4 presentes.

O primeiro, quando nasci. Uma charge emoldurada. Era meu pai me segurando no colo e nós dois compartilhávamos o balão de pensamento com “Pô, e agora?”. Desculpe por não compartilhar a imagem, mas vou preservar esse pequeno tesouro.

Depois, foi no ensino médio, na sessão solene do segundo semestre da Academia de Mont’Alverne. Ele, ex-aluno, voltou ao púlpito por meu convite. Generosamente, cedeu seu tempo para vir falar para um monte de adolescentes. Só de ele estar ali, entenda, já era um presente para mim porque Cao era conhecidíssimo – óbvio – e a abertura ajudaria a aumentar a percepção de valor por parte de uma plateia que enfrentaria algumas horas de discursos de oratória. Mas ainda assim, ele foi além e fez uma homenagem a meu pai.

Mostrou uma caricatura/charge que fez do meu pai – levantou até um “que lindo, Cao” da minha mãe.

Aí, veja só como são as coisas. O encerramento daquela noite foi um curta-metragem de comédia com horror chamado Sessão Solene da Morte que fiz ao lado de colegas meus, entre eles, João Marçal. Graças a essa produção, nos tornamos grandes amigos e fui até padrinho de casamento dele – decisão tomada por conta e risco do noivo.

No ano seguinte, eu e João fomos repórteres de TV do programa HardSoft. Fizemos reportagens e besteiras dignas de adolescentes, bastante datadas, e ainda assim, legais.

Convidei o Cao para ser o entrevistado de uma dessas matérias. Ele aceitou. Eu fiquei muito nervoso.

Fiz um roteiro de perguntas. A primeira que anotei na folha de papel foi “Há quanto tempo você trabalha com informática?”

O que eu quis dizer foi: “Há quanto tempo você usa a tecnologia para te ajudar no seu trabalho como chargista?”

Na minha cabeça, estava claro. Infelizmente, na hora H, esqueci de dar o aviso.

Chegou a gravação e o João ficou com o roteiro e a ele caberia fazer as perguntas. Sem o meu aviso, ele foi lá e leu o que estava escrito. E a primeira resposta que ouvimos foi:

Mas eu nunca trabalhei com informática.

E essa entrou para os top momentos em que me senti burro.

Aí eu me expliquei e tudo seguiu em frente. Menos eu naquele momento. Porque o Cao era muito inteligente. A minha missão ali na equação era entrar com perguntas de última hora ou comentários inteligentes. Mas não dava. Não deu. Eu tinha 16 anos, um gazilhão de hormônios e tudo que conseguia fazer era ouvir.

Por isso, deixo aqui o vídeo da reportagem em questão. Até quem me conhece, não sabe muito desse passado no HardSoft porque fiz muitas coisas vergonhosas na frente da câmera nessa época. O que me tranquiliza é que ainda tenho idade para fazer muito mais.

Eis mais um presente do Cao a mim:

Ao final da entrevista, ainda presenteei o Cao com uma cópia em DVD (cringe, né) do Sessão Solene da Morte. Cao teve que sair mais cedo na já mencionada sessão e não conseguiu assistir.

O quarto presente foi durante a faculdade, numa reportagem que fiz para a disciplina de Jornalismo e Política. Cao me respondeu um telefonema e falou sobre o cenário político da época. Falou de PT, do então deputado federal (e hoje presidente do SEBRAE) Décio Lima e mais.

Dado que todos os comentários são datados, não os repetirei.

Cao foi um beatle. Um mestre, criativo, influente e, veja só, generoso e amigo. Fará MUITA falta. Não veremos mais ninguém assim.

E apesar de ter escrito um roteiro de perguntas para o Cao, me arrependo de não ter feito mais. Mas, puxa, como eu sou grato pelos presentes e por ele estar nas primeiras páginas que lia todos os dias por tanto tanto.

O Cao se foi. Que saco!

Mas viveu conosco. Viva o Cao!

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Jornalista e marketing manager na AE Studio e Instill.

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