Por Julio Cesar Marcellino Jr., doutor em Direito, professor e advogado.
O momento histórico é complexo e desafiador sob muitos aspectos. Conflitos armados, guerras híbridas, disputas territoriais, ameaças virais, radicalização política, fluxo migratório massivo, aumento de patologias mentais, guerras comerciais e avanço veloz da inteligência artificial compõem o cenário conturbado e confuso em que se encontra.
Vive-se a transição da sociedade disciplinar para a sociedade de desempenho, segundo aponta Byung-Chul Han. O século XX foi marcado por uma estrutura social caracterizada pela coerção, proibição, obediência e controle, com instituições dotadas de autoridade simbólica. Universidades, imprensa e Igreja, de algum modo, pautavam com o fluxo de narrativas e ideias que circulavam em sociedade.
Com a virada tecnológica dos anos 2000, tudo mudou. Transformações de toda ordem redimensionaram as relações humanas por meio das redes sociais. Um gigantesco fluxo de informações, via de regra fragmentadas no melhor estilo Tiktok, inundou e impactou a sociedade. Uma mudança com grande repercussão cultural e das mais variadas consequências comportamentais e psíquicas.
Em paralelo ao avanço tecnológico, novas matrizes econômicas foram surgindo e se estabelecendo. O processo de globalização financeira, que vai da queda do muro de Berlim ao crash de 2008, fez aumentar a alocação de riquezas transnacionais, dando protagonismo a gigantes como a China e a Índia, reposicionando os países emergentes na arena internacional.
Na atual sociedade de desempenho, as marcas determinantes são o excesso e positividade extrema. Isto é dizer, uma sociedade onde as pessoas são cobradas e valoradas socialmente pela produtividade, performance, resultados e pela aparência virtual. Aqui os conflitos e as tensões não são frutos da falta, mas sim do excesso. A plena satisfação nunca é alcançada e as consequências são conhecidas: angústia e ansiedade em nível endêmico face ao movimento pendular entre o sucesso e o fracasso.
Com a guinada política empreendida pelo retorno de Donald Trump ao poder nos Estados Unidos, uma nova ordem político-econômica é instaurada. Com postura neo-protecionista, o governo norte-americano declara guerra comercial aos concorrentes e acelera o processo de reposicionamento das cadeias globais de produção. Em outra frente, procura implementar seu projeto de reestruturação do Estado, à base de desregulamentação e de busca por eficiência econômica.
Diante desses impactantes acontecimentos, algo a se pensar é acerca dos limites do Estado de direito e do regramento jurídico. Os processos de mudanças de grande impacto eram, de modo geral, gradativos e lentos ao longo do tempo. O perfil disruptivo e veloz é a marca desta nova onda de transformações. Exatamente por conta disso, nosso sistema normativo internacional encontra dificuldades em lidar com esses novos fenômenos.
Alguns dizem que se vive uma crise, mas não estou certo disso. Os fenômenos cruzados que se apresentam, parecem bem mais complexos. A virada de século reposicionou a humanidade a par das inovações tecnológicas e impôs uma fase de transição em que é preciso lidar com novos problemas. Porém, as ferramentas disponíveis para o solucionamento são velhas e inadequadas.
O modelo político do Estado de direito é um exemplo disso. Há uma evidente limitação, um exaurimento desse paradigma. Há uma nova economia psíquica que redimensionou o comportamento e as relações em sociedade. As fórmulas prontas e deterministas não mais funcionam nesse novo mundo de algoritmos, dados e inteligência artificial.
O direito e a lógica normativa sempre foram lentos e vão se ajustando às mudanças e acontecimentos. Porém, a velocidade em que tudo ocorre é sem precedentes. O tempo se tornou o próprio desafio em si. Difícil imaginar que a estrutura de regras e normas possa dar conta de um sistema de fluxo de informações que dobra em média todo o conhecimento humano acumulado a cada 5 anos.
Enfim. Mares turbulentos exigem destreza, coragem e sabedoria de quem está no comando da embarcação. Não será fácil encontrar sentido normativo e rumo em meio a um cenário tão volátil e imprevisível. Mas confiemos em nossos marinheiros, esperando que compreendam o movimento dos ventos e nos levem logo para terra firme e segura.