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O efeito colateral das startups que escalam sem fundamentos econômicos

Foto: divulgação.

Por Fausto Reichert, Chief Revenue Officer da PipeRun.

O ecossistema brasileiro de startups costuma ser celebrado por sua capacidade de resiliência. Mesmo diante de instabilidades macroeconômicas, segue crescendo em número de iniciativas, investimentos pontuais e presença em diferentes setores da economia. Só em 2023, o país registrou mais de 14 mil startups ativas, segundo dados da Associação Brasileira de Startups (Abstartups). No entanto, por trás desse entusiasmo, há uma estatística que pouco se discute: a escalada de negócios sem base econômica sólida, que avançam em número de clientes e marketing, mas não sustentam esse crescimento com resultados reais.

É cada vez mais comum encontrar startups que crescem de maneira desconectada, com alto custo por aquisição, taxas de cancelamento elevadas e processos fragmentados entre marketing, vendas e sucesso do cliente. Essa escalada sem estrutura acaba criando um efeito colateral perigoso: o crescimento se transforma em dívida. Vende-se mais, mas gasta-se ainda mais para manter esse crescimento, sem margem, sem previsibilidade e, muitas vezes, sem propósito claro.

Parte desse problema está na forma como o crescimento é interpretado. Em vez de ser tratado como uma maratona com checkpoints de validação, é conduzido como um sprint. A empresa antecipa campanhas de mídia antes de compreender a fundo as dores do cliente, contrata vendedores sem ter clareza sobre a jornada de conversão e investe em tecnologia sem consolidar a operação. O resultado é um Custo de Aquisição de Cliente (CAC) cada vez mais alto, enquanto o Lifetime Value (LTV) não acompanha. Em média, o retorno sobre o investimento (payback) ultrapassa 12 meses do primeiro contrato, o que é impraticável em um país com taxa Selic elevada e oferta limitada de capital de risco.

Esse descompasso entre aquisição e retenção gera um problema estrutural: o churn permanece alto, e o faturamento recorrente mensal (MRR) se torna um número instável. Em um mês, a receita dispara; no outro, desaba. Essa imprevisibilidade mina a capacidade da empresa de planejar o futuro, contratar com segurança ou investir em inovação. A ironia é que justamente o modelo de receita recorrente, como no caso do SaaS e outros Serviços, deveria proporcionar estabilidade e escalabilidade. Mas, isso só se concretiza quando há consistência operacional e foco inegociável na geração de valor para o cliente.

Segundo um levantamento do Distrito, mais de 1.700 startups encerraram as atividades no Brasil entre 2022 e 2023, muitas delas com histórico de crescimento acelerado, mas sem fundamentos sustentáveis. Os motivos se repetem: má gestão de capital, falta de retenção de clientes, ausência de integração entre áreas críticas e um crescimento motivado por vaidade, não por valor entregue. É um alerta que não pode ser ignorado, especialmente, num ambiente em que a liquidez global está em retração e os investidores estão cada vez mais exigentes quanto à eficiência e à sustentabilidade dos negócios.

A saída para esse ciclo passa por uma mudança de mentalidade. Em vez de escalar por instinto, é necessário estruturar para crescer com consistência. Isso implica organizar a jornada de crescimento de ponta a ponta, integrando marketing, vendas e pós-venda sob o mesmo objetivo: gerar valor contínuo. Implica, também, tratar as métricas não como relatórios formais, mas como bússolas estratégicas. CAC, LTV, NRR e churn devem ser acompanhados semanalmente e provocar ações diretas.

Outro passo crucial é investir em onboarding estruturado, automação de processos e sistemas de CRM multicanal. Além disso, a proposta de valor precisa ser revisada periodicamente com base em feedbacks reais de clientes e não em suposições internas. Negócios que escutam, ajustam e entregam relevância com consistência são os que permanecem.

O Brasil não precisa de mais startups que crescem rápido e colapsam com a mesma velocidade. O que precisamos, de fato, são empresas que se tornam referências em eficiência, recorrência e resultados. Em um cenário em que o capital é escasso e a confiança do cliente é o ativo mais valioso, escalar com base em fundamentos econômicos sólidos não é apenas desejável, é o único caminho viável.

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