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Por que se vende esperança e fórmulas milionárias?

Foto: divulgação.

Vivemos em uma era em que promessas de sucesso rápido e transformações instantâneas se espalham nas redes sociais. Coaches de Instagram, influencers, cursos de um dia, apostas online e até perfis que prometem revelar o “segredo para vender sua startup antes dos 30” alimentam o desejo de ascensão meteórica com um ingrediente universal: esperança.

Mas por que isso vende tão bem?

A resposta está na forma como percebemos valor e na crença de que a mudança de vida ou o crescimento das empresas é algo fácil, rápido; e, por vezes mágico. Um artigo publicado na Harvard Business Review mapeou os 30 elementos que influenciam nossas escolhas e desejos, organizados em uma pirâmide inspirada na pirâmide de Hierarquia das Necessidades Humanas, de Maslow. No topo estão os chamados “elementos de mudança de vida”, como realização pessoal, inspiração e pertencimento. É exatamente aí que essas promessas milagrosas atuam.

Elas vendem propósito, superação, liberdade financeira, status, autoconfiança, reconhecimento. E, em um mundo cheio de incertezas, quem não quer sentir que tem controle sobre o próprio destino? E, que basta se esforçar muito, acordar cedo, tomar um banho de gelo, subir uma montanha, dar uns gritos de motivação no inicio da semana, falar uns palavrões e bater no peito, que estará tudo resolvido e a mudança acontecerá.

Nesse contexto, surgem os que o filósofo Nuccio Ordine chama de traficantes de certezas — pessoas que oferecem respostas absolutas, atalhos infalíveis, fórmulas prontas. O problema é que essas certezas, ao invés de ajudarem, criam uma falsa sensação de segurança e impedem algo fundamental: o questionamento, a reflexão crítica e o aprendizado verdadeiro. E, em muitos casos, a incerteza se transforma em frustração; e, por vezes (em muitas vezes), endividamento.

Na base da pirâmide do valor estão elementos mais simples (e ao mesmo tempo, mais complexos), mas fundamentais: organização, praticidade, economia de tempo, clareza. São esses elementos funcionais que sustentam todo o resto, e, necessários para o desenvolvimento de qualquer carreira e negócio. Sem eles, qualquer promessa mais “alta” perde o chão. Muitos dos “gurus da abundância” falam sobre mudar vidas, mas esquecem de ensinar como usar uma planilha, analisar um mercado ou fazer uma escolha estratégica de negócio. Querem vender o topo da pirâmide, sem construir a base.

É muito comum nos ambientes de negócio visualizarmos empresas nascentes que começam com toda a energia, com promessas e propósitos incríveis, mas ao longo do caminho vão se transformando em algo totalmente diferente do que iniciaram e prometiam. Tal mudança é fruto das dificuldades de conseguirem construir soluções consistentes, valorosas e eficazes para os consumidores, ficando em um ciclo infinito de desenvolvimento, validação e baixa implementação. E, na grande maioria da vezes seus founders se tornam mentores, ensinando a outros aquilo que não conseguiram executar.

E aqui voltamos ao ponto principal: criar algo significativo exige estrutura, exige processo, estratégia, tecnologia. E mais do que isso — exige conhecimento aplicado.

Na vida real, construir valor acontece quando conseguimos organizar, combinar e aplicar o que já sabemos com o que estamos aprendendo. Isso, de forma geral, é gestão do conhecimento. Não basta acumular conteúdo. O importante é desenvolver repertório, saber reconhecer padrões e conectar o passado com as oportunidades do presente. Em muitas vezes, o consumo de conteúdos aleatórios e se profundidade, não se torna sinônimo de aprendizagem e desenvolvimento de competências. Posso ter um violão pendurado na parede, ter instalado um aplicativo de cifras e notas musicais em meu telefone, mas se eu não tiver um profundo conhecimento sobre teoria musical, escalas, notas, tempos rítmicos…, tocarei muito mal um música. Será sempre uma “arranhada” como dizem os pseudosmúsicos de baixa proficiência.

Esse processo pode ser entendido por meio de um modelo chamado SECI, criado pelos pesquisadores japoneses Nonaka e Takeuchi. O SECI mostra como o conhecimento nasce, cresce e se transforma em competência. Tudo começa com a socialização — aprendemos muito só de observar e conviver com outras pessoas. Depois, vem a externalização — quando conseguimos transformar nossas experiências em ideias, modelos, palavras. Em seguida, há a combinação — quando organizamos esse conhecimento com outras informações e criamos algo novo. E por fim, vem a internalização — que é quando colocamos tudo isso em prática e transformamos teoria em habilidade.

Mas para que esse ciclo funcione de verdade, é preciso ter um espaço que o sustente. Os japoneses chamam esse espaço de Ba. E Ba não é só um lugar físico — é qualquer ambiente onde as pessoas se sintam seguras para compartilhar, pensar juntas e aprender umas com as outras.

Existem diferentes tipos de Ba, cada um ligado a uma parte do ciclo SECI. Há o Ba da convivência e da confiança, onde acontecem trocas informais como mentorias e cafés. Há o Ba do diálogo, onde surgem as reflexões mais profundas, como em rodas de conversa ou oficinas criativas. Há o Ba da organização do conhecimento, como bases de dados, plataformas e relatórios. E há o Ba da prática, onde o conhecimento se transforma em ação, como nos ambientes de experimentação de aplicação assistida.

Mas será que tudo isso exige tempo? Sim — e nosso próprio cérebro comprova isso.

Aprender é mudar o cérebro. E isso leva tempo. Nuccio Ordine nos lembra que o saber verdadeiro não é algo que se compra pronto; e, que é rápido – ele se constrói. E a neurociência (infelizmente hoje todo mundo se diz neurocientista, mas na grande maioria de baixa proificiência – vulgarizou-se o termo, assim como o termos inovação), diz a mesma coisa: aprender é literalmente transforma o cérebro.

Quando vivemos uma experiência rica, cheia de estímulos, nosso cérebro ativa regiões ligadas à atenção, emoção e memória. Se essa experiência envolve emoção, convivência e prática, o cérebro aprende melhor. Se vem acompanhada de sono e repetição, o aprendizado se consolida.

Os ambientes de Ba ajudam muito nisso. Eles oferecem experiências reais, relacionais e significativas. Aprender com outras pessoas ativa os neurônios-espelho, que nos ajudam a entender e replicar comportamentos. Quando falamos sobre o que aprendemos, reorganizamos nossos pensamentos e reforçamos as conexões cerebrais. E quando colocamos isso tudo em prática, nosso cérebro economiza energia, pois transforma esse conhecimento em algo natural, automático — é a chamada neuroplasticidade.

É uma miopia pensar que o ser humano é resiliente. Um ser humano nunca retorna ao seu estado original após uma pressão. Mesmo que utilizemos como uma metáfora, no meu ponto de vista, é uma comparação equivocada. Se não quisermos falar de plasticidade (por que é um conceito mais profundo para os neurocientistas de baixa proficiência), poderíamos dizer que o ser humano é antifragil (para ficar uma fala mais bonita).

Para complementar este movimento, o contraponto das formulas milionárias e do desenvolvimento consistente requerem ambientes seguros emocionalmente — onde podemos errar, experimentar, trocar ideias — ajudam nosso cérebro a baixar o nível de estresse e aumentar neurotransmissores ligados à motivação e ao bem-estar. Em outras palavras, ambientes de Ba são verdadeiros laboratórios vivos de aprendizagem. Não isto tem sido um grande desafio, visto que criar estes tipos verdadeiros de ambientes está a cada dia mais difícil, pois proliferam-se os Pesudosinovadores (se você não sabe do que eu estou falando leia este artigo que escrevi neste link clicando aqui.

O conhecimento e o sucesso não nasce de promessas milagrosas, nem de vídeos motivacionais de um minuto. Ele vem do estudo aprofundado, da convivência, da escuta, da repetição e da prática. Ele precisa de espaço, de tempo e de profundidade. Esperar se tornar milionário com um curso de fim de semana é ignorar como o cérebro, a vida e o mercado funcionam.

Em um tempo em que tudo parece urgente, rápido e fácil, lembrar que aprender leva tempo é quase um ato de resistência. As grandes transformações — pessoais, profissionais e sociais — não acontecem de forma mágica. Elas nascem daquilo que é invisível: do estudo, do processo, da reflexão crítica e criativa. E é nesse processo que mora o valor real.

Vender esperança, para o vendedor é algo muito rentável, mas por pouco tempo. É algo midiático, mas será por poucos segundos. Para o comparador é desastroso e criará um ambiente de desconfiança, descrença em si próprio e nos outros. Para as empresas que buscam serem consistentes e para o ambiente de negócios, criam um problema grave, a falsa sensação de que não existem entregas consistentes, de que a maturidade do ecossistema é baixa (mesmo com super-marketeiros de plantão), os investidores começam a desaparecer, pois investiram em power point e valuations que não existiam (pois aquilo que é vendido para os clientes também é vendido para os investidores), e; este conjunto de variáveis (além de muitas outras) criam um ecossistema frágil ao longo do tempo.

E se você chegou até aqui, deve em alguns momentos pensar que sou um pessimista, ou que preciso ajustar as lentes dos meu óculo. Na verdade, poderia fazer um trocadilho com a palavra esperança que foi parte do título e alvo de boa parte do texto.

Poderia parafrasear Zygmunt Baumann e dizer que “sou um homem de esperanças”. E quando Baumann usa este termos está referindo à sua crença na possibilidade de transformação social, mesmo diante de um mundo marcado pela incerteza, insegurança e mudanças rápidas — características que ele analisa profundamente em sua teoria da modernidade líquida. Ainda para ele, ser “um homem de esperanças” é resistir ao cinismo e ao desespero. É acreditar que a mudança é possível, mesmo que difícil, e que vale a pena lutar por ela. É uma forma de engajamento com o mundo — crítica, sensível e profundamente humana.

É possível transformar, sem ludibriar.

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CEO da Sapienza.

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