O crescimento explosivo das apostas esportivas digitais, popularmente conhecidas como bets, tem despertado alertas em diferentes setores da sociedade. Embora inicialmente vistas como uma forma de entretenimento, essas plataformas se tornaram uma porta de entrada para o vício em jogos, atingindo milhões de brasileiros. A ludopatia, ou transtorno do jogo, já é reconhecida como um problema de saúde mental pela Organização Mundial da Saúde (OMS), e seu avanço silencioso está criando impactos profundos que vão muito além do indivíduo.
O tema ganha urgência quando observamos os desdobramentos dentro do ambiente corporativo e econômico. Profissionais promissores estão comprometendo suas finanças, produtividade e até suas carreiras em decorrência do vício em apostas. Empresas, por sua vez, enfrentam perdas de receita, aumento de absenteísmo e queda no desempenho de equipes. Trata-se de um problema de saúde pública que exige uma resposta estratégica e estruturada, especialmente no mundo dos negócios.
É urgente compreender como a ludopatia relacionada às bets está se alastrando pelo Brasil, quais são os sinais de alerta, os impactos concretos sobre a economia e a gestão de pessoas, e o que líderes e organizações podem fazer para mitigar os riscos. Com base em dados, estudos recentes e análises do mercado, é preciso educar, sensibilizar e propor caminhos para enfrentar esse desafio contemporâneo.
O crescimento acelerado no Brasil
O Brasil vive uma verdadeira explosão no mercado de apostas esportivas. De acordo com a Datahub, mais de 1.600 empresas de apostas foram abertas no país entre janeiro e outubro de 2023, movimentando bilhões de reais. Com a legalização parcial das apostas online e a ausência de regulamentação rígida, essas plataformas passaram a atuar com grande liberdade, investindo pesadamente em marketing, especialmente em eventos esportivos, clubes de futebol e influenciadores digitais. Isso normalizou o hábito de apostar e camuflou os riscos associados.
A ludopatia, nesse contexto, se tornou um problema invisível. Segundo a Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas (ABEAD), cerca de 1% da população brasileira sofre de jogo patológico, o que representa mais de 2 milhões de pessoas. O número pode ser ainda maior se considerarmos os casos não diagnosticados ou aqueles em estágio inicial de compulsão. O vício em apostas digitais é sorrateiro: começa com pequenas apostas e vai evoluindo até comprometer finanças pessoais, relacionamentos e até empregos.
O impacto nas empresas é crescente e preocupante. Muitos líderes têm relatado queda de desempenho, aumento de distrações e até fraudes cometidas por colaboradores viciados em apostas. Casos recentes no Brasil e no exterior mostram profissionais desviando recursos, manipulando informações ou faltando ao trabalho para alimentar o vício. A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) alerta que a dependência de jogos, como qualquer outra, exige atenção clínica e interfere diretamente na produtividade e na saúde mental.
Do ponto de vista econômico, as apostas geram um paradoxo. Enquanto movimentam bilhões, geram também perdas significativas para famílias, organizações e para o próprio sistema de saúde. Estudo do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP aponta que os custos sociais do jogo patológico — incluindo tratamentos, dívidas, problemas judiciais e absenteísmo — superam em muito os ganhos arrecadados com impostos ou patrocínios oriundos do setor. Ou seja, o saldo para a sociedade pode ser negativo.
Nas redes sociais e na publicidade esportiva, o glamour das apostas é massivamente reforçado. Influenciadores, atletas e apresentadores promovem as plataformas de bets como um meio rápido de ganhar dinheiro. Entretanto, pesquisas indicam que a maioria esmagadora dos apostadores tem prejuízo financeiro. A ilusão de controle e a esperança de “recuperar o perdido” mantêm o jogador preso em ciclos cada vez mais destrutivos. O vício, nesse cenário, é construído com base na repetição, recompensa e impulsividade — padrões comuns nas plataformas de aposta.
A psicologia explica
É importante destacar o apelo psicológico por trás das bets. O design das plataformas, os bônus de entrada, as notificações constantes e a facilidade de acesso via celular criam um ambiente altamente viciante. Estudos de neurociência apontam que o jogo ativa o sistema de recompensa do cérebro, liberando dopamina — o mesmo neurotransmissor envolvido em vícios como álcool e drogas. Isso explica por que pessoas racionais, inclusive profissionais experientes, acabam se tornando vítimas da ludopatia.
O problema atinge, de forma especial, homens jovens entre 18 e 35 anos, faixa etária predominante no mundo corporativo e empreendedor. Essa geração, exposta a altas expectativas e à cultura da performance, encontra nas bets uma válvula de escape para o estresse e a ansiedade. A curto prazo, a sensação de controle e adrenalina pode parecer inofensiva. A médio e longo prazo, porém, o vício compromete decisões, relacionamentos e a própria carreira. Em muitos casos, o prejuízo se torna irreversível.
No ambiente empresarial, os reflexos já são sentidos. Uma pesquisa feita pelo portal RH Pra Você em 2024 revelou que 38% dos gestores já notaram comportamentos compulsivos relacionados a apostas entre colaboradores. Além disso, 21% relataram casos de afastamentos ou demissões decorrentes do vício. Esses dados revelam que o tema precisa deixar o campo da moralidade e migrar para a pauta de saúde corporativa, compliance e bem-estar no trabalho.
Algumas empresas, especialmente as mais maduras em gestão de pessoas, já começaram a tratar a ludopatia como risco ocupacional. Programas de saúde mental, rodas de conversa e acompanhamento psicológico passaram a incluir o tema do jogo compulsivo. É um movimento ainda incipiente, mas essencial. A prevenção exige informação, acolhimento e monitoramento ético. É preciso criar uma cultura organizacional que reconheça o problema e ofereça suporte real para os colaboradores.
O papel dos líderes nesse processo é fundamental. Chefes e gestores devem estar atentos a sinais de mudança de comportamento, como faltas frequentes, queda de desempenho, problemas financeiros e isolamento social. O ideal é que o RH ofereça canais seguros e anônimos para que as pessoas possam buscar ajuda sem medo de estigmatização. Afinal, como todo transtorno, a ludopatia precisa ser tratada com empatia, ciência e responsabilidade.
Por fim, é urgente uma regulamentação mais robusta por parte do Estado. Aprovada em dezembro de 2023, a Lei das Apostas Esportivas (Lei 14.790/2023) trouxe avanços, mas ainda é insuficiente para conter os danos sociais e psicológicos associados às bets. É preciso controle rígido de publicidade, exigência de mecanismos de proteção ao jogador e investimentos em campanhas educativas. Enquanto isso não acontece, cabe à sociedade civil, às empresas e aos formadores de opinião agir para proteger as pessoas e os ambientes profissionais desse vício silencioso.
Um desafio para todos nós
A ludopatia não é um problema individual, mas sim um fenômeno coletivo que exige atenção de diversos setores. As bets deixaram de ser uma simples diversão digital para se tornar um desafio de saúde pública, afetando famílias, empresas e a economia como um todo. Negar ou minimizar esse impacto só contribui para o avanço do problema, tornando-o ainda mais difícil de tratar. É hora de quebrar o silêncio e trazer o tema para o centro das discussões estratégicas.
Para os líderes de negócios, esse é um chamado à ação. Ignorar os efeitos da ludopatia no ambiente corporativo pode significar perda de talentos, danos à reputação e queda de produtividade. A construção de um ecossistema saudável passa pela conscientização, pela implementação de políticas de bem-estar e pela valorização da saúde mental dos colaboradores. Investir nisso não é custo — é inteligência estratégica.
Que este artigo sirva como um ponto de partida para reflexão e transformação. Como CEO da DRIN, acredito que inovação também é olhar com responsabilidade para os dilemas da sociedade contemporânea. Enfrentar a ludopatia exige coragem, empatia e informação. E é por isso que precisamos falar, com urgência, sobre os riscos das bets e os caminhos para proteger pessoas e organizações desse mal silencioso.