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O fim do “queijo gorgonzola”: o que muda com o acordo entre União Europeia e Mercosul?

Foto: divulgação

A tradicional palavra “gorgonzola” deixará de estampar rótulos e cardápios no Brasil. Isso porque, com o avanço das negociações do acordo comercial entre Mercosul e União Europeia, o uso da denominação “gorgonzola” será restrito aos produtores da região homônima na Itália, que produzem a iguaria há séculos.

Na prática, o queijo gorgonzola passará a ser exclusivo dos italianos, e as peças produzidas no Brasil terão de adotar outra nomenclatura: queijo azul. A regra segue o mesmo padrão de outros produtos já conhecidos, tais como o “champanhe”, que só pode ser usado para espumantes da região de Champagne. 

A medida é parte de um esforço maior da União Europeia para proteger nomes de Indicações Geográficas, confirmando aspectos culturais e geográficos de seus produtos tradicionais. No Brasil, diversos produtores de laticínios utilizam o termo há décadas para designar um tipo de queijo de mofo azul, de sabor intenso e textura cremosa. A mudança exigirá adaptações tanto da indústria quanto do consumidor.

Um queijo com quase 1.200 anos de história

O gorgonzola nasceu por volta do século IX, na vila de mesmo nome, nos arredores de Milão, na região da Lombardia, Itália. É considerado um dos queijos azuis mais antigos do mundo. Sua criação tem um toque lendário: conta-se que um pastor teria esquecido leite coalhado em uma caverna e, ao retornar dias depois, encontrou um queijo mofado… com um sabor surpreendentemente agradável.

Com o passar dos séculos, os produtores passaram a dominar o processo de maturação com o fungo Penicillium roqueforti, desenvolvendo o que conhecemos hoje como gorgonzola — um queijo feito com leite de vaca, envelhecido em condições específicas, e protegido por uma Denominação de Origem Protegida (DOP) na União Europeia desde 1996.

A briga pelo nome

Ao longo do tempo, queijos inspirados no gorgonzola começaram a ser produzidos em diversos países, inclusive no Brasil, utilizando o nome de forma genérica. No entanto, a UE tem se posicionado fortemente na defesa das IGs, que ligam o nome do produto à sua origem e método tradicional de produção.

No acordo firmado com o Mercosul, ficou definido que o nome “gorgonzola” só poderá ser usado pelos produtores italianos reconhecidos. Assim, as empresas brasileiras terão que retirar a denominação dos rótulos e embalagens. A alternativa encontrada foi adotar o nome genérico “queijo azul”.

E o que muda para o Brasil?

Na prática, os consumidores brasileiros continuarão encontrando o mesmo tipo de queijo nas prateleiras — apenas com outro nome. O sabor, o processo e a qualidade dos produtos nacionais permanecem, mas será necessário um esforço de adaptação: reformular embalagens, repensar o marketing e reconquistar a confiança do público com uma nova identidade.

Uma chance de valorização local

O fim do uso do nome “gorgonzola” no Brasil pode abrir espaço para a valorização dos queijos brasileiros com identidade própria. Ao invés de replicar receitas europeias, o mercado pode apostar em desenvolver produtos autênticos, com base no terroir local, e até pleitear suas próprias indicações geográficas — como já ocorre com o Queijo Serrano ou o Canastra.

Importante destacar: a implementação dessas mudanças dependerá da ratificação do acordo pelos países envolvidos. Ou seja, ainda não há prazo definido para que o nome saia oficialmente de circulação — mas o movimento já é dado como certo.

Enquanto isso, produtores e consumidores brasileiros devem se preparar para a transição e adaptação às novas nomenclaturas que surgirão no mercado. Algumas marcas já avaliam nomes alternativos e estratégias de reposicionamento.

Mais do que uma troca de nome, a mudança também levanta discussões sobre identidade cultural, mercado internacional e o valor das Indicações Geográficas.

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Advogada, especialista em registro de marca, Mestre em Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologia para a Inovação e fundadora da CRIA! Propriedade Intelectual.

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