Inovação é uma das palavras mais utilizadas, e também uma das mais incompreendidas, no universo das startups. Em muitos discursos, ser inovador virou sinônimo de usar tecnologia ou de lançar algo inédito. Mas especialistas alertam: inovação de verdade vai muito além disso.
Para Cristina Mieko, head de startups do Sebrae, o conceito precisa estar atrelado à resolução de um problema real e validado:
“Uma startup inovadora é aquela que resolve uma dor concreta de mercado com base em uma necessidade real. E mais: que faz isso com um modelo de negócio escalável, repetível e ainda em meio a um alto grau de incerteza. A tecnologia pode estar presente, claro, mas não é o centro da inovação. O diferencial pode estar na experiência do cliente, na forma de monetizar o serviço ou no modelo de entrega. A tecnologia é um meio, não um fim.
Tulio Duarte Christofoletti, vice-presidente de Ecossistema da ACATE (Associação Catarinense de Tecnologia), reforça essa visão:
“A inovação é o impacto que a startup gera. É quanto de valor ela entrega – e isso pode ser medido financeiramente, socialmente, ambientalmente. Startups que resolvem dores globais com soluções replicáveis são, naturalmente, mais inovadoras”.
Startups que ainda estão nos estágios iniciais, muitas vezes sem receita, produto final ou validação de mercado, também podem ser inovadoras. Mas, nesse momento, o que se espera é outro tipo de movimento: o da escuta ativa e da experimentação constante.
“O primeiro passo é validar se o problema existe mesmo: isso exige sair do prédio, conversar com potenciais usuários, testar hipóteses com o mercado”, explica Cristina, fazendo referência à abordagem apresentada por Steve Blank em Startup: Manual do Empreendedor e aos princípios defendidos em A Startup Enxuta, de Eric Ries.
Nessa fase, o foco está em aprender com o mercado, mais do que em vender.
“A inovação se manifesta na capacidade de escutar, entender e se adaptar. As respostas não estão no plano de negócios e nem na sala de reunião”, complementa.
Para Tulio, é nesse momento que o olhar diferenciado do empreendedor faz diferença:
“Ele enxerga oportunidades onde os outros só veem problemas. Mas é preciso mais do que uma boa ideia: é preciso transformar essa visão em um modelo testável e escalável”.
Quando o impacto é o próprio modelo de negócio
No ecossistema amazônico, o debate sobre inovação adquire contornos particulares. A Jornada Amazônia, que apoia negócios inovadores e de impacto na região, trabalha com uma visão expandida do conceito.
“Para nós, um negócio inovador é aquele que propõe soluções originais e eficazes para os desafios da Amazônia – e isso inclui incorporar impacto socioambiental diretamente ao modelo de negócio”, explica Janice Maciel, coordenadora executiva da Jornada.
Esse tipo de inovação pode aparecer de diversas formas: inovação tecnológica, com o uso de ciência aplicada e tecnologias que ampliam o valor dos recursos da floresta; inovação social, presente em modelos que fortalecem o protagonismo de comunidades locais e articulam redes de produção mais justas e resilientes; inovação organizacional e de processo, com melhorias na gestão e na produtividade da base da cadeia; inovação de produto, com foco em controle de qualidade, diferenciação e sofisticação de bens B2C; e inovação em modelo de negócio, que alia sustentabilidade e competitividade, incorporando o impacto ambiental como parte central da estratégia empresarial.
“Temos visto negócios que unem conhecimento tradicional com avanços científicos para criar soluções viáveis e sustentáveis. Focada no manejo florestal regenerativo, ou mais disruptiva, com engenharia molecular em soluções para a saúde humana em nível global, a inovação na Amazônia está acontecendo de forma muito rica e conectada com essa diversidade de oportunidades da floresta”, diz.
Ela destaca também que a Jornada Amazônia não restringe seu apoio a startups:
“São negócios em diferentes estágios de maturidade, incluindo empreendimentos tradicionais que incorporam inovação em seus processos. O que importa é o potencial de transformação e de valorização da floresta em pé”.
A experiência mostra também que inovação não está apenas nos grandes centros ou nos hubs tecnológicos. Alguns dos exemplos mais transformadores vêm de iniciativas profundamente conectadas aos territórios amazônicos.
“São negócios que combinam inovação tecnológica, impacto social e valorização da biodiversidade. Eles mostram que é possível empreender e prosperar com a floresta em pé”, resume.
Erros comuns
Apesar da valorização da inovação como conceito, ainda há distorções comuns no entendimento do que ela significa. Cristina Mieko, do Sebrae, cita três erros recorrentes entre fundadores: confundir inovação com tecnologia; ignorar concorrência e soluções já existentes; e não validar hipóteses com o mercado.
“O entusiasmo com a própria ideia pode cegar o empreendedor para o que já existe. Sem benchmark, sem mapeamento de substitutos, muitos acreditam que estão criando algo disruptivo quando, na prática, apenas repetem soluções com uma nova interface”, alerta.
Tulio destaca também os desequilíbrios entre as competências da equipe como um fator de risco:
“Se o founder é muito técnico, pode focar demais no produto e esquecer do modelo de negócios. Ou pode até montar um modelo interessante, mas sem capacidade de escalar ou sem resolver uma dor relevante”.
Critérios que importam
Como avaliar se um negócio é realmente inovador? As respostas passam por critérios objetivos e metodologias estruturadas. No Sebrae Startups, os projetos são avaliados com base em fatores como grau de novidade (tecnológica ou de mercado), impacto social e econômico, viabilidade comercial, potencial de escalabilidade e maturidade da equipe fundadora. A Jornada Amazônia, por sua vez, utiliza uma abordagem conectada à realidade da bioeconomia.
“Analisamos desde o uso de matérias-primas avançadas, rastreabilidade, capacidade de beneficiamento na base da cadeia, até o alinhamento com desafios estratégicos da região. Além do potencial de mercado, pesam também o impacto socioambiental e a capacidade de execução. Não basta ser criativo: é preciso ter viabilidade e conexão com os desafios reais da Amazônia”, ressalta Janice.
A transformação de uma boa ideia em uma startup inovadora exige apoio consistente. O capital é importante, mas não suficiente.
“Mentoria especializada, redes de contato, programas de aceleração e ambientes de teste fazem toda a diferença. Sozinho, o empreendedor tende a repetir erros comuns ou a acelerar soluções sem validação”, diz Cristina.
Tulio destaca o papel dos programas de aceleração em estruturar esse processo.
“Na ACATE, ensinamos o passo a passo da inovação: da ideia à escala. Trazemos método, mentoria, ferramentas e foco no valor gerado, não só na tecnologia”, afirma.
Na Jornada Amazônia, além dos programas voltados a startups (como Gênese, Sinapse da Bioeconomia e Sinergia), há uma preocupação em conectar empreendedores com grandes empresas, investidores e parceiros estratégicos. A plataforma atua como ponte entre cadeias da sociobiodiversidade e oportunidades de mercado.
As diferentes experiências e conceitos mostram que não existe um único caminho para a inovação, e tampouco uma definição única para startups ou negócios inovadores.
O que há são critérios concretos, como impacto, validação e escalabilidade. Seja na floresta amazônica, em centros urbanos ou em polos tecnológicos, o futuro da inovação passa por empreendedores dispostos a enfrentar a complexidade dos desafios reais com criatividade, método e propósito.
Compreender essa diferença é essencial para construir ecossistemas mais sólidos e negócios verdadeiramente transformadores.