Tem palavras que a gente aprende a repetir antes de entender. Impacto é uma delas. Está nos discursos de quem quer inovar, nos textos dos editais, nas promessas das startups e até no planejamento estratégico de grandes empresas. Virou sinônimo de propósito, de ESG, de transformação. E, por isso mesmo, virou também moda. Acontece que o ecossistema está mais criterioso, e quando uma palavra entra demais na conversa, ou ela amadurece em prática, ou vira só marketing.
O que estou vendo nos bastidores, especialmente na escrita de projetos para editais, é que “impacto” está migrando da retórica para a régua. Cada vez mais aparece como critério técnico. Não adianta mais dizer que sua solução “tem impacto social” é preciso demonstrar. Medir, comprovar, sustentar. E isso exige mais do que um pitch bonito: exige estrutura, clareza de problema, foco em resultado e, principalmente, um mínimo de maturidade de gestão.
O problema é que muita gente ainda está presa na lógica do impacto como fim inspiracional, e não como início de estratégia. A consequência disso é clara: bons projetos ficam pelo caminho. Negócios promissores não conseguem acessar recursos porque não sabem traduzir a mudança que geram em métricas que façam sentido para quem avalia. De forma prática: se você não consegue mostrar como transforma um contexto, dificilmente alguém vai investir para você continuar fazendo isso.
E esse não é um desafio só para quem quer captar recursos públicos. Investidores privados, grandes empresas e até programas de aceleração passaram a olhar para impacto com lupa. Não porque todo mundo virou ativista, mas porque a forma de olhar risco e retorno mudou. O que é intangível hoje, se não for bem medido, vira custo. O que é bem estruturado, vira valor.
É nesse ponto que entra um movimento que a gente tem puxado na Cocriar: ajudar negócios e projetos a organizarem a casa antes de irem para o mercado. Não é sobre “embelezar” a ideia, mas sobre alinhar a proposta de valor com o que o mundo está exigindo como critério e não como moda. Quando trabalhamos a pré-incubação de ideias, por exemplo, uma das primeiras perguntas que fazemos é: o que exatamente você quer transformar, e como pretende saber se conseguiu? Parece simples. Mas raramente está claro.
Impacto, quando bem trabalhado, vira argumento. Quando mal construído, vira ruído. A diferença está na forma como o negócio pensa e mede o que entrega.
E como eu amo usar dados para embasar meus textos, aqui vão alguns para pensar: um relatório da ANDE e da GIIN revelou que, entre investidores de impacto no Brasil, apenas 57% medem de forma sistemática o impacto social ou ambiental dos negócios que investem. Ao mesmo tempo, pesquisa acadêmica mostra que quase metade (48%) dos empreendedores sociais identificam a medição de impacto como um dos principais desafios, atrás apenas de acesso a recursos financeiros.
Esses números dizem o óbvio: muitas empresas sabem que têm impacto, mas ainda não conseguem transformá-lo em métrica confiável. Isso faz toda a diferença quando o assunto é edital, investimento ou parceria estratégica. Se impacto virou critério, não basta intenção, precisa haver método.
Talvez a pergunta certa não seja se impacto é moda ou critério. A resposta a gente já sabe. O impacto já virou critério, a dúvida agora é quem está preparado para ser avaliado por ele?