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O varejo não pode terceirizar o pensar para a IA

Foto: divulgação

Por Gabriel Fernandes, CEO da Instivo e Diretor da Vertical Varejo da ACATE.

Um estudo conduzido por pesquisadores do MIT, Stanford e NBER (2023) analisou o efeito da inteligência artificial no desempenho de trabalhadores do conhecimento. A pesquisa mostra que profissionais experientes conseguiram ampliar sua produtividade ao usar a IA como apoio, enquanto aqueles com menor experiência tiveram desempenho inferior ao confiar cegamente nas respostas automatizadas. O resultado é um alerta claro: mesmo no varejo, a IA só é poderosa se utilizada por pessoas com senso crítico, capacidade analítica e visão estratégica.

Ou seja, a inteligência artificial só alcança seu real potencial quando está a serviço de cérebros bem preparados. Ela precisa de direção, curadoria e contexto, atributos profundamente humanos. No varejo, onde mudanças são constantes e as decisões precisam ser ágeis e assertivas, esse equilíbrio entre inteligência humana e artificial é indispensável. 

A tecnologia que hoje revoluciona o setor — personalizando ofertas, otimizando estoques e automatizando o atendimento — não nasceu do nada. Ela foi alimentada por uma imensa quantidade de conteúdo produzido por seres humanos: livros, artigos, códigos, vídeos, relatórios, conversas. A inteligência artificial generativa, por exemplo, depende da riqueza desse acervo para gerar respostas e soluções relevantes.

Isso significa que, se deixarmos de produzir conhecimento, criatividade e conteúdo original, os modelos de IA também deixarão de evoluir. A inovação perde fôlego. O diferencial desaparece. E o mercado passa a girar em torno das mesmas ideias, respostas e experiências.

No varejo, essa lógica se aplica diretamente. Empresas que apenas consomem o que a IA oferece, sem gerar seus próprios dados, sem testar hipóteses, sem observar de perto o comportamento do consumidor, correm o risco de se tornar genéricas. Por outro lado, aquelas que investem em inteligência proprietária — em dados, equipes qualificadas e cultura analítica — terão um diferencial cada vez mais estratégico.

A promessa da IA no varejo é tentadora. Ferramentas que criam campanhas, respondem clientes, fazem previsões e analisam dados em segundos. A eficiência salta aos olhos. Mas há uma linha tênue entre automatizar processos e abdicar do pensar. Muitas empresas estão terceirizando decisões que deveriam ser humanas. Confiam integralmente nos outputs dos modelos, sem questionar seus vieses, sem cruzar com outras fontes, sem aplicar filtros de bom senso ou seguir a intuição de mercado. Isso não é usar IA com inteligência, mas delegar o raciocínio, e abrir mão do diferencial humano.

Além disso, há um efeito colateral visível no setor: a uniformização. Quando todos usam as mesmas ferramentas, baseadas nos mesmos dados públicos e nos mesmos modelos genéricos, as estratégias ficam parecidas. As experiências se tornam previsíveis. E o consumidor, cada vez mais exigente, percebe. A solução não está em abandonar a IA, mas em entender seu papel. Ela é ferramenta, não cérebro. É apoio, não substituto. O diferencial continuará sendo a inteligência humana aplicada com contexto, empatia e propósito.

Estamos vivendo o início de uma nova era. A inteligência artificial vai continuar evoluindo, se integrando a cada ponto de contato com o consumidor e moldando o futuro do varejo. Mas a pergunta que importa agora não é “o que a IA pode fazer por mim?”, e sim: “o que eu posso fazer com o que a IA me entrega?”. Essa inversão de lógica é fundamental. 

O varejo é um setor essencialmente humano. Lida com desejos, hábitos, emoções. A experiência do consumidor vai muito além do clique ou da compra: passa pela sensação de ser compreendido, pela coerência da marca, pelo cuidado nos detalhes. A IA pode ajudar a otimizar tudo isso, mas não pode ser o centro da relação.

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