Nos últimos meses, uma transformação silenciosa começou a alterar o comportamento de parte do público que tradicionalmente movimenta os melhores restaurantes do país.
A popularização das chamadas “canetas emagrecedoras” conquistou exatamente a faixa de consumidores com maior poder aquisitivo: profissionais bem-sucedidos, viajantes frequentes e apreciadores de boa gastronomia.
Mas, junto com a perda de peso, veio também a perda do apetite. E, para os restaurantes, isso tem sabor de desafio. Com menos fome, porções divididas e jantares reduzidos a uma taça de vinho e uma entrada, o setor de alimentação fora do lar começa a sentir mudanças sutis, porém significativas, no comportamento de seus clientes.
Segundo dados da Trade.gov, o mercado brasileiro de medicamentos para emagrecimento já movimenta mais de US$ 180 milhões por ano e deve triplicar até 2030.
Paralelamente, a Mintel aponta que mais de 50% dos consumidores brasileiros estão reduzindo o consumo de açúcar e álcool, enquanto uma pesquisa da CGA Strategy mostra que quase 30% da Geração Z opta por bebidas sem ou com baixo teor alcoólico ao sair.
Um novo perfil de consumo emerge e desafia chefs, sommeliers e gestores a repensarem o que significa “sair para comer bem”.
A gastronomia sempre foi um campo de prazer, sociabilidade e celebração. Mas agora, cada vez mais, divide espaço com a busca por controle da saúde, da imagem e até do comportamento.
As canetas emagrecedoras, ao reduzirem o apetite, também reduzem o espaço para o prazer alimentar. O cliente que antes pedia um menu degustação de seis tempos hoje se contenta com um prato de salada e ainda dispensa a sobremesa.
Não é um movimento de massa, mas é perceptível em nichos de médio/alto poder aquisitivo, justamente os mais rentáveis para o setor. E, embora o impacto ainda seja difícil de mensurar, ele já acende um alerta: como manter o ticket médio e a experiência de encantamento quando o cliente come menos, bebe menos e permanece menos tempo à mesa?
Se o apetite diminui, o copo também encolhe. O fenômeno da redução do consumo de álcool entre as novas gerações reforça a mudança de mentalidade.
O Global Consumer Survey de 2024 apontou que 40% dos jovens brasileiros entre 18 e 24 anos declararam reduzir voluntariamente o consumo de bebidas alcoólicas nos últimos 12 meses.
As bebidas alcóolicas, antes sinônimo de socialização e status, agora dividem espaço com mocktails e kombuchas. Para bares e restaurantes, a mudança impacta diretamente a rentabilidade, já que as bebidas sempre representaram uma das maiores margens de lucro do setor.
Ainda, recentemente, a crise do metanol, que resultou em mortes e apreensões de bebidas adulteradas no Brasil, reforçou a desconfiança e levou muitos consumidores a repensarem seus hábitos de consumo.
O cenário exige reinvenção. Restaurantes precisam entender que o valor não está mais apenas na abundância, mas na experiência. Isso significa repensar menus, porções e narrativas: pratos menores, porém mais sofisticados; menus sazonais que valorizem ingredientes locais; sobremesas leves e apresentações que estimulem a foto, mesmo que a garfada seja menor.
Também será preciso ajustar a comunicação. O marketing do prazer excessivo, do “comer sem culpa”, talvez dê lugar ao marketing da experiência consciente, onde o foco é o sabor, a origem, o ritual e o propósito.
Alguns restaurantes de alto padrão já começam a testar menus flexíveis, com opções de meia porção, drinks sem álcool com a mesma complexidade dos originais e sobremesas compartilháveis. O desafio é encontrar o ponto de equilíbrio entre o hedonismo e o autocontrole, sem que a experiência perca sua essência.
A relação das pessoas com a comida reflete o espírito do tempo. E, no momento, o luxo parece caminhar para o minimalismo: menos volume, mais valor; menos impulso, mais consciência.
A hospitalidade, especialmente em hotéis, resorts e restaurantes premium, terá papel fundamental nessa transição. Caberá a ela oferecer não apenas alimentação, mas um sentido ampliado de bem-estar, onde comer fora não é um ato de exagero, mas de conexão, prazer e equilíbrio.
Porque, no fim, o verdadeiro apetite humano continua sendo o de viver bem, e essa fome, felizmente, nenhuma caneta consegue tirar.