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Direto ao ponto: lançamento do livro Carreiras Negras

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Foto: divulgação

No Mês da Consciência Negra, tive a oportunidade de entrevistar Talita Matos e Eliezer Leal, executivos que há quase cinco anos abriram a consultoria Singuê para fortalecer diversidade, equidade e inclusão em grandes empresas e organizações públicas e privadas, e que acabam de lançar o livro Carreiras Negras.

Primeiramente, Talita e Eliezer, eu queria agradecer a vocês pelo tempo e pela disponibilidade em conversar comigo e com a coluna Direto ao Ponto do Economia SC. Eu tenho a alegria de conhecê-los há bastante tempo; e quando soube da novidade do livro, quis imediatamente entender melhor esse momento tão importante. A partir disso, eu gostaria de começar perguntando o que motivou vocês a escrever Carreiras Negras. Por que esse livro nasce justamente agora? E como foi o processo de transformar cinco anos de trabalho com mais de dois mil profissionais negros em um livro que organiza e traduz toda essa vivência?

    O livro nasce do nosso desejo de compartilhar esta experiência de quase cinco anos trabalhando com pessoas profissionais de grandes organizações e de todos os níveis hierárquicos. Foram encontros individuais e coletivos, em programas de desenvolvimento estruturados e conectados com os desejos e negócios das instituições. A gente aprendeu muita coisa nesta jornada e era importante demais que este conhecimento fosse amplamente compartilhado. Sentimos que os aprendizados dessa experiencia poderia se tornar pública e contribuir para que lideranças e profissionais negros pudessem se beneficiar desses insights.

    Eu enxergo o processo de criação do livro de vocês de forma muito semelhante ao meu trabalho como documentarista; é uma investigação social, um mergulho em histórias humanas, em recortes sociológicos e antropológicos. Mas, percebo também, maior importância, no que fazem e como fazem. Nesse sentido, tanto o meu trabalho quanto o de vocês nos coloca em um lugar de escavadores que descobrem camadas, nuances, dores e potências. Com base nisso, o que vocês descobriram nesse processo que ainda não sabiam? Que conhecimentos novos emergiram enquanto escreviam e conversavam com tantas lideranças negras?

    A gente descobriu muita coisa que realmente não sabíamos. De início tínhamos hipóteses que ainda precisavam ser validadas, uma intuição fruto de nossas vivências e muita curiosidade. Curioso que somamos o olhar da antropóloga e educadora que a Talita trazia e a experiência no modo startup de compreender problemas e validar hipóteses e soluções do Eliezer. O mais importante para destacar é que de fato existe algo que precisa ser chamado de carreira negra. Porque pessoas negras historicamente têm desafios semelhantes e estratégicas únicas e criativas de superar estes desafios quando falamos em carreira. Outra descoberta foi o poder do desenvolvimento coletivo. De reunir pessoas negras em momentos de carreira parecidos e promover exercícios e reflexões sobre vida e trabalho. Esses momentos ampliam os horizontes de todos os participantes, por um lado percebemos as sinergias e honramos a força de cada trajetória e por outro nos permitimos ousar e nos desafiarmos a querer mais e seguir alcançando novos espaços de poder. Aprendemos que esse olhar para carreira pode ter um papel emancipador para pessoas negras.

     ⁠Nós acabamos de passar pelo feriado de 20 de novembro, que até bem pouco tempo atrás era reconhecido apenas em alguns estados e que hoje é um feriado nacional. Estamos falando de memória e consciência; mas hoje também falamos de transformação no curto, no médio e no longo prazo. Com isso em mente, como vocês enxergam hoje o peso do 20 de novembro? O que se discute, o que se comemora e o que ainda não se comemora em relação à equidade racial no país?

    Houve muito avanço quanto a discussão do tema da equidade racial, isto é maravilhoso perceber. As leis de cotas nas universidades e concursos, os programas afirmativos privados, a maior valorização do que chamamos de cultura e história afro-brasileira e as leis anti-discriminatórias. Mas foi muito pouco o avanço quanto ao desenvolvimento econômico e a redução real das desigualdades raciais, os números mostram que em alguns aspectos a desigualdade até aumentou. Acreditamos que esta seja uma discussão que ainda precisamos insistir. As pessoas negras no Brasil não se beneficiam do desenvolvimento econômico como as demais. 

    Falando sobre esse momento e sobre diversidade, equidade e inclusão, como vocês avaliam a maturidade das empresas brasileiras ao dialogar com o tema das carreiras negras? Vocês atendem grandes players e grandes marcas; mas ao mesmo tempo existe um espaço importante de reflexão para pequenos e médios empreendedores. Como o livro aborda essa amplitude e o que vocês percebem hoje sobre o estágio das organizações nesse debate?

    O tema foi muito atacado e questionado nos primeiros meses do ano em grandes organizações devido especialmente a influência do governo e das empresas dos Estados Unidos. Impossível negar essa forte influência. Mais recentemente, empresas brasileiras reforçaram o compromisso com a pauta da equidade racial mas geralmente as iniciativas são bastante tímidas e com baixo orçamento, mas são sustentadas e lideradas por pessoas engajadas demais e que conseguem fazer coisas realmente maravilhosas. Quanto aos pequenos e médios, a primeira reflexão que precisa ser feita de forma ampla é sobre o potencial de desenvolvimento de nossa sociedade e de seus negócios se vencermos a barreira gigante da discriminação e do racismo. Isto de fato impacta a todos, negros e não negros. Números recentes de uma pesquisa da L’oréal mostra que se uma pessoa negra se sente discriminada em uma loja, por exemplo, são grandes as chances dela não comprar e de nunca mais voltar. Entende o potencial econômico perdido? Imagine isso em escala, com profissionais fantásticos sendo discriminados em entrevistas, sem valorização em seus postos de trabalho ou o empreendedor negro simplesmente não acessando crédito em uma instituição bancária. Estamos todos perdendo a oportunidade de viver em um país realmente muito melhor.

    ⁠Se vocês pudessem dar um único conselho para um jovem negro ou uma jovem negra que está entrando no mercado de trabalho agora, qual seria? E, olhando pelo outro lado, que conselho vocês dariam para o empreendedor ou empreendedora que deseja refletir e agir de forma verdadeira sobre inclusão e sobre a contratação de jovens negros?

    Penso que o conselho é o mesmo que recebi quando jovem. Estude muito e trabalhe muito. O mercado ainda exige que os profissionais negros sejam os melhores em todas as posições que ocupem, claro que isso não é justo, mas aprendemos a ter um olhar pragmático sobre o mercado. Por outro lado, conhecimento e performance é realmente inegociável para quem deseja crescer profissionalmente. Mas acrescente a isto o autoconhecimento e a profunda valorização de quem você é e especialmente de onde você veio. Tudo o que você viveu e seus ancestrais são força e repertório para resolver os problemas que você enfrentará daqui em diante. E para o empregador, ouse e faça. Se arrisque contratar aquelas pessoas que trazem um repertório de vida diferente de você e entenda este repertório como valor e força. Importante você encontrar a melhor pessoa possível, dar a ela tudo o que precisa para performar e tratar todas as pessoas como um time de verdade. Para você montar um bom time é necessário investimento, paciência, desenvolvimento e estratégia. 

    ⁠Considerando o cenário atual e o trabalho que vocês têm feito junto a outras organizações que também atuam na pauta, o que vocês entendem como uma necessidade de curto prazo que poderia gerar impacto real na contratação e no desenvolvimento de jovens negros? Que movimentos precisam começar imediatamente?

    É preciso dar a oportunidade de trabalhar mas também a de se desenvolver, ao mesmo tempo. É isto que a maioria das pessoas negras precisam. Já somos maioria nas universidades, em diversas áreas de conhecimento. E temos uma grande capacidade de resolver problemas a partir dos repertórios que temos. 

    Para encerrar, mais uma vez agradeço o tempo de vocês e a oportunidade dessa conversa. Eu lembro da Singuê desde o início; lembro da Talita no podcast da POPS; lembro das nossas trocas e até de momentos pessoais que compartilhamos. E com isso, e com um pouquinho de bom humor, eu queria perguntar; vocês já tiveram filhos, acabaram de escrever um livro, e imagino que já tenham plantado uma árvore também. Então, qual é o futuro da Singuê? Para onde vocês estão mirando? Existe um Carreiras Negras 2.0 no horizonte ou talvez novos títulos, novas pesquisas e novos caminhos?

    Temos trabalhado com muitos programas de desenvolvimento de pessoas negras, de mulheres e pessoas com deficiência e isto se manterá com grandes projetos já fechados para 2026.  Além disso, temos provocado e crescido muito com projetos de desenvolvimento de lideranças comprometidas com a ampla diversidade que o Brasil apresenta e que está profundamente conectada aos desafios atuais de nossa sociedade. Em outros projetos, temos conectado o tema da diversidade cada vez mais às necessidades dos negócios, em especial no que diz respeito à educação e compliance, pois temos leis e normativas bastante complexas além das exigências sociais. Este trabalho requer um olhar cuidadoso sobre cada realidade e estratégias amplas de longo prazo. Além de grandes projetos de educação que tem a diversidade como tema transversal. Tem muita coisa boa vindo pela frente.  

    Agradeço demais, Eliezer e Talita, pelo tempo de vocês, e conhecimento que compartilham com tanta competência e paixão. Muito obrigado.

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    publicitário, documentarista e fundador da POPS, agência que desenvolve conteúdos de identidade marcante para o ecossistema de inovação de Santa Catarina.

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