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As ondas que transformam a construção

Foto: artinspiring/AdobeStock

Por Bruno Loturco e pelo Fabrício Schveitzer, Diretor de Estratégia e Mercado do Sienge (Softplan), Diretor de Habitação e Tecnologia do Sinduscon Florianópolis e Conselheiro da Cidade Pedra Branca e da Dimas Construções.

No meio do ano passado o Sienge e a Grant Thornton fizeram uma pesquisa que mostrou que apenas 38,4% das empresas do setor de construção já usam o BIM. Das que ainda não usam, 70% têm intenção de adotar a metodologia nos próximos dois anos. Essa constatação nos permite concluir duas coisas: a primeira é que ainda existe um longo caminho a ser percorrido até que a cadeia se digitalize; a segunda é que existe hoje a vontade e o ambiente, além dos serviços e tecnologias necessárias, para que a cadeia dê um salto. Mas talvez o ponto mais relevante seja a criação de um “caldo cultural” voltado para a digitalização e inovação no segmento.

Legenda: Conforme identificou a McKinsey, o setor da construção é apenas o segundo menos digitalizado. Sob outra perspectiva, é o segundo com maior quantidade de oportunidades para desenvolvimento de tecnologias voltadas ao ganho de produtividade

É importante ressaltar que um setor que responde por 7% do PIB (Produto Interno Bruto) nacional, repleto de regramentos, legislações regionais, diferentes métodos construtivos, produtos e públicos, não faz a transformação da cadeia de uma hora para outra. Dificilmente acordaremos um belo dia imersos em um ambiente digitalizado e integrado. Por mais que esforços e recursos sejam destinados à transformação digital, a evolução não acontece na mesma proporção e boa parte do desafio reside na construção de uma cultura de digitalização, inovação e integração consistentes. Em outras palavras, provavelmente o maior ganho do dinheiro investido em tecnologia, em um primeiro momento, seja o efeito que esse movimento causa no comportamento e na cultura das empresas. Isso as torna aptas a receber o que vem depois.

Para quem está imerso no dia a dia da construção, a percepção pode ser de que poucos avanços acontecem ou que o ciclo de maturação das empresas em direção à digitalização é muito lento. É preciso buscar um ponto de vista que permita ver o todo para compreender o comportamento do setor nesse sentido.

Ao longo dos anos, autores que conseguiram se afastar do fenômeno e trazer uma visão de floresta tiveram muita importância. Isso permite que aqueles que operam esse mercado possam calibrar suas estratégias e ajustar a rota, além de permitir ajustar a velocidade, pois ser o pioneiro pode se tornar algo caro e angustiante, mas ser o último da fila pode ser fatal.

Ao se afastar do cotidiano operacional conseguimos olhar para a cadeia e observarmos que existem seis ondas de digitalização. Cada onda se organiza em fases, que passam primeiro pela substituição de processos manuais por digitais e, conforme o amadurecimento, pelo refinamento da gestão das informações com foco em ganhos exponenciais de eficiência.

Digitalização do modelo atual

Quando falamos de digitalizar o modelo atual estamos falando, apenas, de passar a concentrar num sistema minimamente elaborado o que vinha sendo feito à mão e de forma descentralizada. É como trocar um caderno por um tablet, mas nada muito além disso. Existem incontáveis possibilidades de fazer isso na construção, especialmente se considerarmos que o setor é extremamente diverso no que diz respeito à realidade econômica de cada empresa.

Podemos até dizer que em grande parte, os canteiros já estão digitalizados, a maior plataforma de gestão de projetos hoje é a combinação entre WhatsApp e Google Drive ou algo similar. O uso dessas ferramentas acelerou o processo, mas não possibilitou a segunda etapa. Então agora podemos observar empresas que deram o segundo passo: que seja digital, mas que seja ordenado, especializado e que traga visibilidade para o fluxo de informações.

É aí que começamos a ver o comportamento em ondas do setor no que se refere à transformação digital, com um padrão que é invariavelmente repetido dentro dos players e no micro ecossistema que rodeia cada um.

Assim, em geral, o que vemos nas três primeiras ondas são os escritórios de projetos, tempos atrás, darem início ao movimento quando trocam as pranchetas pelo AutoCAD, seguidos de longe pelos canteiros com, por exemplo, apontamentos feitos em dispositivos digitais padronizados, mas ainda não integrados.

A onda de digitalização dos canteiros é, ainda, um tema amplo, podendo ao longo dos anos criar novas segmentações. Possivelmente, é a onda que apresenta a maior diversidade de abordagens e, por conseguinte, a que mais sofre com a falta de uma “linguagem universal”. Qualquer pesquisa na internet traz soluções com propostas digitais para execução, gestão de projetos e versões, integração com escritório, medição, controle de acesso, controle de qualidade, recebimento de materiais, almoxarifado, movimentação de cargas e pessoas. É uma frente totalmente em aberto com relação aos desenvolvimentos futuros e que, por isso, oferece muitas oportunidades. Nos parece que a inovação propriamente dita virá somente depois de uma certa convergência dessas abordagens.

A realidade de imobiliárias também começou a mudar com a migração dos anúncios para sites e, posteriormente, aplicativos. Sem ainda, entretanto, impactos nas transações de locação, compra e venda, o que só viria a acontecer posteriormente.

Aliás, a transformação de fato só começa a ganhar corpo a partir da quarta onda da primeira fase, quando o arranjo produtivo começa a ser questionado. Ou seja, quando, em parte devido à digitalização incipiente das primeiras fases, alguns vícios e distorções começam a ficar evidentes demais, como índices de desperdício elevados, prazos estourados e problemas com o fluxo de materiais que chega à obra.

É nesse ponto que o construtor, por exemplo, já munido de pontos de vista diferentes sobre como a cadeia se comporta, começa a pensar se não há uma forma diferente de fazer as coisas, com menos dependência de um fornecedor específico de serviço ou material e, principalmente, capaz de entregar mais valor no final da obra.

Embora a forma tradicional sobre como gerir uma empresa de construção comece a ser colocada em xeque, o processo é longo e demorado por se tratar de transformação cultural. Não é à toa que essa talvez seja a onda na qual as empresas passam a maior parte do tempo, já que adentrar a próxima demanda um nível de amadurecimento maior.

Afinal, é na quinta onda de digitalização que o mercado imobiliário, em um conceito mais amplo, começa a testar outros modelos de negócio, como as modalidades de oferta de empreendimentos como serviço, novas abordagens de serviço sobre a construção, novas formas de captação de recursos e novas formas de comprar e vender imóveis, deixando de ofertar só o produto e começando a ter alguma camada de serviço. Consequentemente, surgem demandas relacionadas às oportunidades de monetização existentes em outras frentes, como a gestão do ativo, com o investidor de fundo ou imóvel de um lado e o público consumidor do outro. Cada uma dessas ondas não se esgota em si mesma, mas acaba por ser seguida pela segunda fase das ondas de digitalização e por conseguinte inovação.

Extraindo inteligência dos novos processos

Quando a primeira camada de digitalização começa a transformar a cultura da empresa o gestor mais atento começa a entender que não se trata somente de aumentar a velocidade de execução. A transformação digital bem endereçada tem um potencial enorme de gerar inteligência a partir da combinação dados, tecnologias, processos e cultura. Isso significa melhorar o desempenho técnico e financeiro dos projetos, aumentando a capacidade de entregar resultado, agora para diversos atores.

Nessa segunda fase o negócio da construção começa a se transformar e começa a surgir a necessidade de integrar as frentes por meio dos dados. Afinal, surge a percepção de que a jornada de vendas está relacionada aos diversos usos potenciais de uma edificação e à camada de serviços que pode ser acoplada à operação.

Esse tipo de visão mais holística é endossada por dados como os da pesquisa da CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção), que mostra que para cada R$ 1 de obras entregues outros R$ 0,36 são gerados na forma de outras despesas nos três primeiros anos de uso da edificação. Começa, portanto, a surgir um contexto favorável para a organização do ecossistema da construção a partir da integração tecnológica de suas frentes.

O setor passa a conceber outras maneiras de monetizar a cadeia e a tentar criar novas abordagens para o mesmo hardware. No entanto, sem a integração dos dados fica difícil evoluir. É essa e uma das dores que a plataformização endereça. Outra é tentar oferecer aos usuários uma gestão menos ruidosa da diversidade de ferramentas que ele vai precisar para resolver seus problemas. Aquele sonho de uma solução que resolverá todos os seus problemas está, definitivamente, morto.

Plataforma tecnológica para a construção

Embora esse texto tenha como proposta olhar de fora para organizar a evolução tecnológica da cadeia da construção, a verdade é que os acontecimentos se desenrolam de uma maneira muito mais orgânica e, portanto, imprevisível. Na prática, a segunda onda é impulsionada pela primeira, que alimenta a quinta e é retroalimentada pela quarta. Todas ajudam a gerar o movimento para a segunda fase de cada uma delas. E a realidade de uma empresa é diferente da experiência de outra.

Afinal, o mercado imobiliário é extremamente diverso, com empresas de todos os portes, com as mais variadas capacidades de investimento e focos de atuação. É diferente, por exemplo, do mercado de celulares, em que os concorrentes se mantêm mais ou menos no mesmo patamar de evolução tecnológica, com produtos muito similares entre si.

Nesse sentido, a construção se assemelha mais ao varejo, com elevada pulverização dos players. Então, ao traçar um paralelo entre esses setores, vemos que o amadurecimento logístico e comercial do varejo em geral levou à criação de uma base sólida sobre a qual se apoia a visão de futuro do setor.

Com isso, temos a criação de plataformas de integração, que ajudam a padronizar os players quanto à sua maturidade tecnológica e de operação. São empresas como a Magalu ou a Amazon, que abrem seus marketplaces para players diversos, estabelecendo um padrão mínimo de qualidade no atendimento e garantindo a experiência dos clientes. Isso foi suportado por anos de evolução da cadeia produtiva, de supply e integrações financeiras, que hoje permitem essa escala e sofisticação. Em resumo, uma operação extremamente complexa que se tornou simples a partir da consolidação promovida pela construção de uma visão de plataforma.

Trazendo essa realidade para o setor da construção, podemos vislumbrar um futuro próximo baseado na democratização do acesso à tecnologia que as futuras plataformas poderão promover. Os avanços em breve vão ajudar a aproximar os atores da cadeia e, dessa maneira, acelerar o desenvolvimento de todo o setor.

É um caminho sem volta e sem velocidade pré-definida. Sabemos que começou e nosso intuito é provocar uma visão mais estrutural desse movimento para que, com isso, cada um possa entender onde se encontra ou, quem sabe, criar a sua visão e ajudar a melhorar esse entendimento.

Fabrício Schveitzer, Diretor de Estratégia e Mercado do Sienge (Softplan), Diretor de Habitação e Tecnologia do Sinduscon Florianópolis e Conselheiro da Cidade Pedra Branca e da Dimas Construções

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