Fabiano Dantas, professor de Economia da UniSociesc.
Cautela é uma palavra que sempre nos acompanhou, mas que ganhou proporções diferentes a partir do início da pandemia do Coronavírus, em 2020, e agora tem voltado a ser presença frequente em nosso cotidiano. O avanço da vacinação e a ansiedade da população para a “volta ao normal” têm gerado situações em que se torna mais do que necessária a lembrança desta palavra.
Entretanto, a aplicação da palavra cautela, neste artigo de hoje, está direcionada à observação da situação econômica do país, pois mesmo com a redução das limitações impostas pela pandemia e uma “pretensa” recuperação da economia, os resultados ainda são muito tímidos e os principais indicadores macroeconômicos nos mostram isso. Podemos começar essa nossa análise falando sobre a produção de bens e serviços no país.
Muito tem se falado da ótima expectativa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil neste ano de 2021. O PIB mede a soma de todos os bens e serviços produzidos no país em um determinado período de tempo. O número apontado pelo Boletim Focus, divulgado pelo Banco Central (BC) e que apresenta as expectativas apontadas por instituições do mercado financeiro, é de um crescimento de 5,30% do PIB em 2021.
À primeira vista teremos um crescimento expressivo, mas é preciso lembrar que, no ano passado, o Brasil apresentou uma redução de 4,1% em seu PIB, e de 2015 a 2019 o resultado acumulado foi negativo também, em 2,42%. Desta maneira, no período entre 2015 e 2020, o país “encolheu” mais de 6%, fazendo com que o crescimento apresentado em 2021 seja “apenas” uma recuperação, mas que, ainda assim, nos deixa aquém do nível de produção anterior a 2015.
Olhando para outros indicadores macroeconômicos, a situação também exige a já mencionada cautela. O desemprego continua em níveis altos históricos e a inflação volta a assombrar a economia brasileira, gerando ainda mais problemas para uma população com renda já combalida por conta dos efeitos da pandemia.
A taxa de desemprego do trimestre encerrado em maio, último dado divulgado pelo IBGE, foi de 14,6%, o que significa um número de 14,8 milhões de pessoas desempregadas. Ainda assim, é preciso observar com mais detalhes os números sobre o emprego.
Em primeiro lugar, é importante ressaltar que os diferentes níveis de impactos da pandemia e as características dos estados brasileiros fazem com que o comportamento em cada Unidade da Federação seja bastante distinto. Santa Catarina, por exemplo, tem uma taxa de desemprego (a menor do país) em torno de 6%, enquanto Pernambuco e Bahia (as maiores do país) próximo de 20%. Além do número de desempregados, a diferença na taxa de informalidade também é grande, sendo que entre os mesmos Estados mencionados a diferença chega ao dobro. Portanto, quando a taxa de desemprego é analisada, deve-se levar essas diferenças substanciais em consideração.
Além dos distintos impactos, a taxa de subutilização, que é divulgada juntamente com a taxa de desemprego, merece atenção especial. Isso porque as relações de trabalho foram modificadas nos últimos anos e, com a pandemia, muitos trabalhadores têm empregos de tempo parcial, contratos intermitentes e outras modalidades que levam o trabalhador a uma carga horária menor do que a que ele estaria disposto, ou seja, ele é subutilizado.
A taxa de subutilização demonstra, então, um conjunto maior de pessoas sendo elas: os desocupados, os subocupados e a força de trabalho potencial (aqueles que podem e querem trabalhar, mas não o fazem por algum motivo). E no trimestre encerrado em maio ela alcançou o nível de 29,3%, o que representa 32,9 milhões de pessoas, atingindo um dos maiores níveis desde o início da medição.
A inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) no mês de julho é a maior para este mês desde 2002. Desta maneira, a inflação acumulada nos últimos 12 meses é de 8,99%, bem acima da meta de inflação para 2021, que é de 3,75%, com um intervalo de tolerância de 1,5p.p, ou seja, podendo variar entre 2,25% e 5,75%. Os aumentos na energia elétrica e nos combustíveis têm sido os grandes vilões da inflação neste ano, isso porque o aumento nestes preços acaba por “contaminar” quase todos os preços da economia por conta da produção e do transporte dos bens que dependem desses insumos.
A combinação de redução na renda, por conta da queda na atividade econômica, e aumento da inflação, que tende a corroer ainda mais o poder de compra do trabalhador, compõe um cenário perigoso e que merece atenção especial dos formadores de políticas (policy makers) para que não se agrave um quadro que já não é bom.
Observando o cenário apresentado, fica claro que, apesar de esperarmos e desejarmos de maneira bastante firme uma melhora na economia nacional, é preciso que tenhamos cautela. A recuperação ainda não tem a força necessária para ser considerada contundente e se, realmente, o processo eleitoral do ano que vem for turbulento e com reviravoltas, podemos ver essa tendência de melhora se esvair como fumaça em um dia de vento forte, fazendo com que o Brasil siga patinando como vem acontecendo desde 2015.