Como marcas estão considerando o design como diferencial competitivo e estratégico? Esse foi um dos pilares da conversa do Economia SC Drops com Pietro Enrico, designer gráfico, professor do programa Entra21 Blusoft e fundador do projeto social Lado C. Hoje está à frente da Contra, de Blumenau, uma casa de marcas que desenha projetos de design, áudio e negócios para empresas do mundo inteiro. Confira abaixo:
Como o design pode transformar a percepção do mercado sobre o valor das empresas?
Pietro: A percepção de valor de uma marca é o resultado da imagem que ela constrói. Quando você se lembra de um amigo divertido e expansivo, bem-humorado, você irá se lembrar da imagem que ele construiu na relação com você ao longo do tempo, e não necessariamente de piadas que ele contou ou roupas que ele costuma vestir. A mesma coisa acontece com as marcas: o design vibrante da Netflix com sua linguagem expansiva no digital constrói a imagem de uma grande marca, jovem e divertida, com a mesma intensidade que uma pequena confeiteira, trabalhando na cozinha de casa, pode criar com um design profissional nas redes sociais e embalagens caprichosas. Uma empresa não depende de identidade visual para construir uma imagem na mente do consumidor. Essa imagem é construída diariamente através do atendimento aos clientes, a forma com que ela escreve ou responde, a qualidade de seus produtos/serviços, tudo sem precisar de um logotipo sequer. A diferença é que o design acelera toda essa construção de imagem de forma quase imediata, transformando a pequena confeiteira na cozinha de casa em uma “grande confeitaria internacional”, elevando a percepção sobre o quanto aquela marca vale e o quanto as pessoas estão dispostas a pagar por ela.
Como o design pode se tornar um diferencial competitivo e como as empresas devem considerar como estratégia?
Pietro: As empresas que estão começando são as principais beneficiadas pelo design porque todo mundo que começa, quer começar sendo “confiável” pro mercado. E o design gera essa confiança. O negócio que está começando precisa ser ainda mais cuidadoso sobre seus investimentos, então na Contra geralmente setorizamos os pontos de contato da marca por hierarquia de impacto. Ou seja, investimos mais design nas áreas em que a empresa é mais dependente e tem resultados mais rápidos. A embalagem de uma confeitaria é um ponto de contato recorrente entre ela e o consumidor, enquanto um escritório de advogados escreve e-mails com suas assinaturas bem feitas e documentos em seus papéis timbrados de carimbo personalizado. Se o design gera confiança pelo profissionalismo, basta olharmos em quais locais em que o consumidor tem contato com a nossa marca somos mais dependentes e quais são mais abandonados por outros competidores. Se quiser ter garantia independente do ponto de contato, basta investir em uma identidade visual bem feita, já que ela separa o seu profissionalismo do amadorismo no mercado.
Temos visto empresas, de pequeno a grande porte, reformulando suas identidades visuais, inclusive, na pandemia. No entanto, em qual momento faz sentido mudar a identidade visual de uma empresa?
Pietro: A pandemia evidenciou uma filosofia que construímos na Contra: o Zeitgeist das marcas. Assim como pessoas, as marcas também vivem transformações pelo amadurecimento e momento em que vivem. As roupas de hoje não nos representam tanto quanto há 3 anos, assim como um corte de cabelo pode trazer uma imagem diferente da que estamos buscando ver no espelho. A identidade visual expressa o DNA da marca. O DNA carrega valores, visões e objetivos que podem mudar (ou evoluir) ao longo do tempo. Se o nosso propósito é, de alguma forma, diferente do que era antes da pandemia, nada mais justo do que seguirmos o conselho de Belchior: o passado é uma roupa que não nos serve mais.
Em um post do Instagram da Contra, vocês dizem que “enquanto as marcas vão se tornando cada vez mais homogêneas e inexpressivas, chegará uma nova era de marcas que se expressam além da imagem e da escrita. Estas serão as marcas que tocam o futuro”. Como uma marca pode fugir do convencional?
Pietro: E vamos de polêmica: marcas estão se tornando cada vez mais iguais e cada vez menos autênticas. O design está passando por um “isomorfismo mimético” fazendo com que os critérios para se projetar uma identidade não seja efetivamente a identidade da marca, mas a identidade do mercado. Nem precisamos entrar no contexto do minimalismo sem contexto ou da “sans serifação dos logotipos”, mas nas próprias fórmulas de sucesso que vão se criando no mercado. Um exemplo: a cor roxa sempre teve uma conotação enjoativa (lembra dos personagens com náusea na Turma da Mônica?) e sempre esteve lá embaixo na escala de cores preferidas pelas pessoas. Mas com o sucesso do Nubank a cor ganhou um valor de inovação e disrupção, fazendo com que várias outras marcas adotassem a mesma cor. Na psicologia das cores o roxo é interpretado como “a cor dos inconformados”, mas ninguém quis adotar além de uma linguagem “mística” até que uma marca fez sucesso com ela. Embora esteja mais fácil se diferenciar no mar de propostas parecidas, ficou mais difícil fazer isso acontecer porque o principal ingrediente é a autenticidade. Nem todo mundo tem coragem de ser autêntico pelo receio de falhar, mas quem confia em ser original é quem está sendo copiado. Estas são as marcas que tocam o futuro.
Costurando a pergunta acima, a Contra tem uma metodologia própria, como chegaram nela e o que ainda querem aprimorar?
Pietro: Costurando a resposta acima, existe uma dupla interpretação na ideia da Contra de “tocar o futuro”: são marcas que lideram o futuro e que utilizam a música como ferramenta. Assim como pessoas, as marcas se expressam de inúmeras formas diferentes: pela escrita, pelo visual e mais recentemente (com os podcasts) pela voz. A Contra sempre girou ao redor de música e fomos explorando formas diferentes de incluí-la na comunicação das marcas, da curadoria de playlists até a produção de músicas exclusivas. Quando completamos 4 anos, decidimos reformular completamente nosso modelo de negócio e separamos a empresa em 3 núcleos diferentes: a Tranco (design), a Trama (marketing) e a Tambor (produção de áudio). Os 3 núcleos atuam dentro de projetos da Contra e a Tambor é nosso novo núcleo focado em explorar novas formas de comunicação sonora para marcas (além do sound branding). É ela, por exemplo, quem está desenvolvendo nossa nova metodologia de criação baseada na cultura do sample, estudando as referências que formaram as pessoas por trás da empresa para construir marcas mais autênticas, baseadas em recortes de ancestralidade. Música é a única forma de comunicação verdadeiramente universal, permitindo que as marcas possam construir relações (e despertar sentimentos) em qualquer lugar do mundo, independente da língua ou cultura. Cores, simbolismos, grafismos, tom de voz e escrita são dependentes da semiótica, do contexto cultural e social. Ninguém questiona marcas que utilizam ilustrações (como a persona 3D da Magalu) ou marcas que se expressam pela escrita (como os blogs), então com a Tambor vamos definir um novo canal de expressão para marcas que expressam sua personalidade através da música, seja pela melodia musical ou pela experiência sonora (como o famoso episódio O Futuro do Passado produzido pela Tambor).
Vemos muitos cursos e ferramentas gratuitas na internet que ensinam superficialmente conceitos e como fazer a “própria marca”. Qual sua crítica sobre essa banalização do design?
Pietro: Se todos tivessem acesso à prática mínima do design, descobririam o quanto ele é fundamental e presente nas pequenas decisões da empresa. O design pode fazer tanto bem quanto mal, já que um design ruim pode despertar os sentimentos errados (como o desconforto ao invés do carinho e amadorismo ao invés da confiança). O importante é que o empreendedor tente fazer design para expressar seu propósito com ferramentas ou cursos gratuitos até o momento em que precise de algo profissional. Vai atrás do “sobrinho”, de quem tá começando, mas não deixe de experimentar. Precisamos tirar a ideia elitista e excludente do design enquanto “dom criativo” para abrir acesso às pessoas que querem fazê-lo. Não apenas empresas, mas principalmente grupos marginalizados por aspectos sociais, econômicos, culturais e religiosos. Existem mais pessoas querendo fazer design do que efetivamente fazendo, e para mim o design do futuro não tem limites, tem acesso.