O mês de novembro traz um tema que proporciona diversas discussões. Mulheres cada vez mais têm conquistado sua voz e seu espaço na sociedade, principalmente no empreendedorismo. Especificamente no dia 19 deste mês é comemorado o Dia Internacional do Empreendedorismo Feminino e, como um único dia não seria suficiente, produzimos uma série com 30 entrevistas de mulheres fantásticas para falar sobre o tema.
A convidada da vez é Gabriela Rodrigues Inthurn, psicóloga e co-fundadora da Digital.Co, uma comunidade de mulheres que empreendem com negócios digitais.
Dados de uma pesquisa realizada pela Universidade Dominicana da Califórnia apontam que 70% das pessoas têm a sensação de fraude quanto a si mesmas dentro do ambiente de trabalho, principalmente as mulheres. Por que isso ocorre e como pode ser evitado?
Essa sensação de fraude em relação a si mesma e sua capacidade, conhecida como síndrome da impostora, é muito frequente quando empreendemos, especialmente em mulheres. Essa percepção que “não se é boa o suficiente” tem origem em uma tendência para autossabotagem, assim como em uma auto estima baixa e insegurança, que é reforçada pelo ambiente empresarial de alta cobrança, competição e comparação. O ser humano possui uma tendência natural a análise e crítica de si mesmo, até como forma de avaliar e melhorar suas ações, mas em pessoas mais inseguras ou que convivem em ambientes muito competitivos e de alta cobrança, essa tendência excede os limites do considerado saudável a passa a se tornar uma cobrança excessiva e irreal, prejudicando o desempenho e a saúde mental dessa mulher.
Como a construção social em cima da imagem feminina impacta o psicológico da mulher na hora de empreender?
Culturalmente estamos acostumados com a imagem de mulher que cuida do lar, é mãe e/ou exerce profissões de cuidado como professora, enfermeira ou babá. Quando a mulher faz escolhas que a afastam dessa imagem feminina esperada pela nossa sociedade, ela tende a sofrer algum tipo de preconceito. Com a mulher que empreende, além dessas questões pessoais, agrega-se que a imagem cultural de alguém que possui uma empresa é de um homem que usa terno, trabalha no escritório e está sempre ocupado. Ser mulher e empreender é de certa forma romper com essa imagem que é esperado da mulher e do “empresário”, que pode impactar na sensação de não merecimento ou de ser incapaz de empreender, já que ainda há poucos exemplos de mulheres gestoras de grandes empresas. Há também a questão da dupla ou tripla jornada porque a grande maioria das mulheres continua responsável pelo cuidado dos filhos e da casa, mesmo empreendendo, que pode levar ao cansaço, exaustão, estresse e até mesmo transtornos como ansiedade, depressão e Bornout.
Qual a importância de possuir uma rede de apoio nestas situações?
Possuir uma rede de apoio forte e de confiança é fundamental para a saúde mental da mulher que empreende. Desde uma ajuda com outras responsabilidades, como ter com quem deixar seu filho para empreender ou uma outra pessoa responsável pelas tarefas da casa, até um local para que ela possa trocar conhecimento e conversar sobre seu dia-a-dia auxilia na rotina e evita momentos de exaustão e solidão. Na Empresa Digital.Co, comunidade de mulheres empresárias, percebemos que os encontros mensais e o grupo funcionam como um local seguro onde essas mulheres que empreendem podem compartilhar suas experiências, desabafar e encontrar suporte em mulheres que a entendem e passam pelas mesmas situações que ela. Esse suporte traz uma sensação de pertencimento e acolhimento, que é importante para evitar situações mais graves relacionadas a saúde mental como depressão e até mesmo o suicídio.
É possível desenvolver precauções em prol da saúde mental antes de começar a empreender? Que atitudes podem ser tomadas?
Sim, é possível. Recomendo que a mulher que deseja empreender pesquise na sua cidade órgãos e locais que possam servir como rede de apoio e instrução. Saber a quem recorrer quando necessário auxilia nos momentos difíceis. Também é recomendado que desde o começo a mulher se lembre que mesmo sendo uma parte grande da sua vida, seu negócio é apenas uma parte de quem ela é e é preciso manter ativa, mesmo que minimamente, suas ações de cuidado a si mesma como hobbies, atividades de lazer, cuidado com alimentação, atividade física e uma rotina de cuidado com a saúde.
Que hábitos as empreendedoras devem cultivar para manter a saúde mental e emocional no ambiente laboral?
A organização e o planejamento ajudam em uma rotina produtiva, com uma melhor gestão de tempo para que possa ser possível ter tempo disponível para ter uma vida além do seu negócio, com atividades de lazer fora do ambiente do trabalho. Manter uma rotina saudável com atividade física, cuidados com a alimentação, rotina de sono adequada, momentos de lazer e descanso e contato frequente com a sua rede de apoio e um acompanhamento da saúde física e mental, procurando ajuda de profissionais qualificados sempre que sentir necessário.
O papel historicamente atribuído à mulher não envolve a liderança. Quais reflexões devem ser incentivadas para a desconstrução dessa visão?
É necessário a empreendedora buscar outras mulheres de referência e inspiração (que chegaram no lugar que ela almeja), pesquisar e estudar para se sentir cada vez mais confiante no seu lugar de empresária e no ramo que atua, possuir uma rede de apoio que a valoriza e reconhece sua capacidade e estar atenta aos pensamentos irreais de incapacidade ou a síndrome da impostora. Além disso, é importante como sociedade cada vez mais falarmos sobre empreendedorismo feminino, termos programas de capacitação, incentivo e apoio a mulher que empreende e políticas de possibilitem que mais mulheres ocupem locais de liderança e gestão no mundo corporativo.
Como empreendedora, quais os principais desafios que encontrou no início da sua jornada?
Os principais desafios foram relacionados a gerir o próprio negócio, desde a emissão de uma nota fiscal até a entrega do serviço ao cliente, e também para conciliar as demandas de empreender com as demais demandas do dia-a-dia e da maternidade. Trabalhar mais de quinze horas por dia e conciliar a vida pessoal e cuidados de uma criança com cinco anos, mesmo com uma rede de apoio forte, não foi fácil no início. Quando comecei a empreender houve a necessidade de estudar e pesquisar assuntos que até então eu não conhecia e dominava já que no início nós acabamos realizando todas as tarefas do nosso negócio. Aprender e gerenciar as tarefas das áreas onde não sou especialista foi um grande desafio para mim.