Natural do Rio de Janeiro, o Engenheiro Mecânico e Mestre em Engenharia Mecânica pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Thiago Linhares Fernandes, foi um dos 15 jovens pesquisadores selecionados no mundo para participar do xCTing Project, uma iniciativa europeia voltada à formação de engenheiros para a inovação. A pesquisa dele está alocada na Università degli Studi di Padova, na Itália.
O Economia SC Drops conversou com ele para saber mais sobre essa trajetória, além de entender como sua pesquisa pode ser aplicada futuramente e qual o impacto que ela irá causar no mercado. Confira abaixo:
Qual a sensação de ser um dos 15 selecionados em todo o país para fazer parte desse projeto?
Thiago: É uma sensação muito boa, principalmente levando em consideração a magnitude desta oportunidade. No entanto, é um misto de alegria com aflição, que passa a todo momento, haja vista a responsabilidade. Há muito trabalho a ser feito e, portanto, estou buscando manter o foco em cumprir com os desafios que tenho pela frente.
Quais as expectativas?
Thaigo: O projeto xCTing é uma iniciativa industrial-acadêmica pan-europeia, que visa à formação de recursos humanos com foco em inovação para os novos rumos da indústria. Neste contexto, o foco é dado à aplicação da tomografia computadorizada para a indústria, pois essa tecnologia contém fundamentos que viabilizam, por exemplo, o controle da qualidade de produtos de forma não-destrutiva, sobretudo quando a demanda é por conhecer estruturas complexas internas, como as encontradas em montagens ou oriundas da manufatura aditiva. Embora promissor, há um conjunto de desafios que a tomografia industrial precisa superar e, portanto, o projeto xCTing reúne objetivos para que essa tecnologia de raios-X possa ser disseminada, incorporada, e também, habilitadora de uma manufatura avançada.
Como será o andamento do projeto?
Thiago: Há 15 pesquisadores alocados em diferentes países: Alemanha, Áustria, Bélgica, Holanda e Itália. Assim, há uma troca de experiências constante, o que favorece a criação de networking e disseminação do conhecimento. No meu caso, estou inserido na Università degli Studi di Padova, que fica na região de Veneto, no norte de Itália. O curso tem uma previsão de 3 anos e, ao longo deste período, serão realizados alguns estágios em outras instituições e universidades que compõem o projeto. Ao final, além dos resultados esperados, tenho o compromisso de entregar uma tese de doutorado, na qual estarão descritos, principalmente, os fundamentos, achados experimentais e conclusões da pesquisa realizada.
Qual será o seu foco na pesquisa? Qual a importância do tema?
Thiago: A linha de pesquisa na qual estou dedicado envolve principalmente Metrologia e Rastreabilidade, aplicada à tecnologia de medição dimensional via tomografia computadorizada. A Metrologia, definida como ciência da medição, assume um papel importante para assegurar a confiabilidade dos resultados obtidos via medição por raios-X. Em essência, os desafios envolvem desenvolver métodos e ferramentas para assegurar a confiabilidade dessas medições, principalmente para sistemas destinados à inspeção em linha. Controlar a qualidade dos produtos é uma tarefa que demanda uma série de procedimentos que, em muitos casos, exigem tempos longos de espera, muitas das vezes desproporcionais com os tempos exigido pela fabricação. Sendo assim, encontrar uma relação de compromisso entre tempo e qualidade de medição é fundamental para adequar-se aos critérios de competitividade da indústria.
O que é a Indústria 4.0? Como ela está se tornando realidade?
Thiago: Há um espaço para grandes discussões e reflexões nesse questionamento. Neste momento, é notório que as tecnologias digitais estão despertando mudanças comportamentais e organizacionais, haja vista a escalada em sofisticação e integração entre sistemas. Isso tem transformado a sociedade e a economia global, nos levando a um novo marco para a indústria. Se voltarmos no tempo, de fato, a terceira revolução industrial (década de 60) foi marcada pela inserção de tecnologias digitais. No entanto, desde a virada do século XX para XXI, parte da humanidade vivencia experiências caracterizadas por uma internet mais disseminada e móvel, por sensores de tamanhos reduzidos, com maior capacidade e menor custo, bem como pela inteligência artificial e aprendizagem de máquina. Esses elementos sustentam a chamada Indústria 4.0, que descreve a quarta revolução industrial. No contexto industrial, essa revolução viabiliza a formulação de fábricas inteligentes, cada vez mais transformadas digitalmente, nas quais sistemas físicos e virtuais estão associados e cooperam mutuamente, possibilitando a criação (ou adaptação) de novos modelos operacionais e a customização dos produtos. Em outras palavras, o momento atual vem exigindo a adequação de empresas e negócios a esta nova realidade, frente a interrogações típicas do dia a dia por impulsionar a produtividade, aumentar a confiabilidade, assim como reduzir custos e riscos.
Como a pesquisa vai contribuir para esse cenário?
Thiago: A tomografia computadorizada é uma tecnologia chave para a tarefa de medição no contexto da quarta revolução industrial. Seu princípio de funcionamento e medição viabiliza o conhecimento holístico e abrangente a respeito do produto. Durante o processo de escaneamento, são gerados dados da estrutura interna e externa do produto. Essa alta densidade de informações, quando transformadas em conhecimento, é útil para as diferentes etapas do ciclo de vida do produto. No que concerne à garantia da qualidade dos produtos, há uma possibilidade de contribuição imediata quando uma pesquisa busca elementos para viabilizar parte do conceito de Indústria 4.0. Favorecer o uso da tomografia computadorizada em ambientes de fabricação pode ser uma maneira de criar mais valor para os processos.
O que pensa em fazer depois do curso?
Thiago: Há muitos desafios a curto prazo e ainda não consigo enxergar algo depois. Mas, sem dúvidas, os meus planos incluem o Brasil, seja como eu possa contribuir. Tenho metas pessoais de buscar meios para disseminar tecnologia, à luz da viabilidade e utilidade de aplicação. O uso da tomografia industrial para fins de medição dimensional e controle da qualidade ainda é raro em fábricas e laboratórios brasileiros. Sistemas de medição como as máquinas de medir por coordenadas (MMC) são mais comuns, porém algumas limitações da tecnologia vêm despertando a necessidade de novos meios de conhecer o produto, principalmente através de uma medição sem contato, o que é viabilizado pela tomografia computadorizada. Além disso, em um contexto mais amplo, a transformação digital traz impactos industriais e sociais. Portanto, encontrar uma posição para o “humano” dentro deste contexto é um desafio latente, principalmente para países como o Brasil. As soluções para essa demanda ainda não existem e, por isso, vivenciar algumas experiências do lado de fora podem ser úteis para beneficiar a nossa casa.
Pretende trabalhar em empresas ou vai continuar a carreira acadêmica?
Thiago: O que move os meus desejos profissionais está atrelado à Metrologia, Tecnologia e Indústria 4.0, principalmente aplicado à tomografia computadorizada e suas possibilidades. Além disso, os impactos sociais também fazem parte dos meus interesses. Portanto, fico feliz onde eu puder ser útil carregando essas bandeiras.
O que te trouxe até aqui? Qual sua trajetória?
Thiago: Sou carioca que, como a maioria, nascido fora da rota mais apresentável do Rio de Janeiro, e que vivencia experiências úteis para manter-se firme frente a uma cidade caótica e cheia de surpresas. Pessoalmente, não tenho histórico de pesquisadores na família, o que colocava o ofício de cientista como algo distante e, às vezes, figurado. Até o ensino fundamental, estudei em escolas públicas do bairro. No ensino médio, tive a oportunidade de fazer o curso técnico de metrologia do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (INMETRO), onde pude experimentar o meu início da vida em laboratório e assistir ao desenvolvimento de pesquisas de alto impacto. Pelo INMETRO, tenho o orgulho e admiração por despertar em recém-saídos da infância o interesse pela ciência, assegurando uma formação ampla, gratuita e de qualidade. Surge assim o meu interesse pela engenharia, pelo contato com profissionais que me inspiraram e, com muita generosidade, colocaram-se à disposição para formar pessoas. A escolha pela Engenharia Mecânica vem disso e, por isso tive a oportunidade de cursar engenharia e o mestrado na Universidade Federal de Santa Catarina, pela qual carrego a mesma admiração e mantenho o sentimento de pertencimento. Enfim, sou grato por acessar pessoas, lugares e referenciais que me proporcionam motivações para a pesquisa e inovação.