A tecnologia há muito tempo tem sido usada nas rotinas da agricultura para aumentar a produção. Exemplo disso são as técnicas eficientes de pesquisa do solo, a substituição de aviões de pulverização por drones, as colheitadeiras mais potentes, os tratores com cabine equipados com ar-condicionado.
Mas a tecnologia que chegou com força na parte produtiva ainda tangencia atividades secundárias do setor agro do cooperativismo, que majoritariamente seguem com um perfil bastante analógico.
É o que acontece quando o produtor faz as compras dos materiais para a propriedade. As lojas agropecuárias das cooperativas fornecem ao cooperado insumos (como fertilizantes e sementes) e suprimentos (como ferramentas, pneus e peças), e esta relação de compra tem funcionado quase sempre da forma tradicional.
Para agilizar essa etapa surgiu a Supercampo, uma plataforma digital de compras, a primeira desse porte dentro do cooperativismo. É um marketplace, um espaço de mercado virtual que conecta lojistas e clientes.
A Supercampo é um braço de tecnologia resultado da sociedade de 12 cooperativas agrícolas do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e São Paulo e, mesmo sendo uma empresa SA, na prática foi construída sobre as bases da intercooperação, com compartilhamento de custos e recursos.
De acordo com o CEO da Supercampo, Leandro Carvalho, unificar o trabalho de digitalização das lojas e colocar essa missão nas mãos de uma equipe especializada foi essencial para criar uma plataforma robusta.
As cooperativas colocam força no core business, no negócio principal que é a produção agrícola. Contar com um novo braço é muitas vezes a melhor saída para oferecer ao cooperado o que está fora do core da cooperativa.
Foi, por exemplo, a saída encontrada pelo Sistema Unicred para ofertar um serviço de previdência privada de qualidade. O sistema criou em 2004 a Quanta, uma entidade com origem nos princípios cooperativistas para administrar planos de previdência privada, área que não poderia estar diretamente sob o guarda-chuva da cooperativa financeira.
No caso do marketplace, apesar de responder a um conselho formado por representantes das cooperativas, ele é uma organização independente. De acordo com Leandro, se cada uma fizesse o trabalho de digitalização individualmente, o custo seria de seis a sete vezes maior. Através da unificação, a Supercampo é uma empresa de cerca de 30 colaboradores cuja solução atinge mais de 80 mil cooperados.
O espaço de compras é exclusivo para os associados e cada usuário vai encontrar no site ou no aplicativo o ambiente virtual próprio da sua cooperativa, com a tecnologia da Supercampo. Mas aqui cabe uma observação interessante: o processo é muito mais sobre digitalizar fluxos de compra e venda do que fazer uma experiência analógica se tornar virtual de uma hora para a outra.
“O digital não vai acabar com as lojas físicas. O cooperado muitas vezes vai até a cooperativa para sociabilizar, conversar com o agrônomo, com o veterinário, e aproveita para passar na loja. Isso não vai morrer. O que vai mudar é a experiência do usuário, a forma como se compra”, explica Leandro.
A loja então se transforma em uma experiência com espaço de lazer para a família e as formas de compra se adaptam conforme o perfil do cooperado. Existe a possibilidade de contar com o auxílio do vendedor, encomendar o pedido online para pagar e retirar na loja ou fazer todo o processo pelo celular e receber os produtos em casa. A flexibilização foi pensada para oferecer alternativas ao que poderia barrar o uso da ferramenta virtual, como o pagamento online, por exemplo.
Nesse novo modelo, tanto o vendedor quanto o cliente usam a mesma plataforma para fazer os pedidos, em uma espécie de balcão digital. É a integração real da loja física e da virtual, que compartilham o mesmo estoque e têm os mesmos preços.
“A digitalização não é criar algo novo, é trazer algo existente para o mundo digital. Na minha opinião, uma falha de muitos e-commerces criados foi fazer da loja virtual uma coisa à parte da loja física, gerando uma concorrente”, avalia o empresário.
O primeiro passo da plataforma foi trazer para o digital o estoque de 120 mil produtos das mais de 500 lojas que integram as cooperativas associadas. Depois dessa etapa, a Supercampo começa a exercer a sua principal função: atuar como trader, um agente com capacidade de negociação no mercado.
Muitos dos suprimentos oferecidos pelas cooperativas são de uso comum e a união destas lojas abre oportunidades para conseguir acordos melhores com os fornecedores. Nesse caso, digitalizar também significa aumentar produtividade e reduzir preços. O resultado se reverte automaticamente para o cooperado, que poderá comprar produtos com melhores ofertas, continuar pagando com sua produção de leite ou milho e ainda receber as sobras anuais do bom desempenho da loja cooperativa.
Este é o mesmo princípio que motivou a criação da primeira cooperativa moderna, em 1844 (a história está no meu livro Coopbook – Cooperativismo de A a Z). Na Inglaterra, um grupo de operários se reuniu para criar um armazém de suprimentos de forma cooperativa, o que daria acesso a melhores preços e as sobras (que são o lucro no vocabulário cooperativista) seria revertido para os próprios associados.
A lógica permanece inalterada, por mais digital que seja hoje o mercado.
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