Por Julio Cesar Marcellino Jr., doutor em Direito, professor e advogado.
Uma especulação comum de se ouvir é a respeito do possível declínio econômico dos Estados Unidos. Num mundo tão conturbado, tomado por policrises simultâneas e por uma disputa acirrada pelo protagonismo econômico e militar, essa é uma questão que se tornou fundamental para a melhor compreensão do contexto geopolítico.
As recentes eleições presidenciais norte-americanas, vencidas por Donald Trump, voltam a colocar os Estados Unidos no centro das atenções. Muitos acompanharam com atenção a corrida eleitoral e, por certo, aguardam com apreensão pelo novo projeto de poder que será instaurado na Casa Branca a partir de janeiro de 2025.
Para que se analise a hipótese sobre um possível declínio ou perda de protagonismo hegemônico dos norte-americanos no mundo, vale a reflexão sobre o processo de transição da fase de “globalização profunda” para a “desglobalização”, segundo o posicionamento do economista e diplomata Marcos Troyjo, autor consagrado na área e com larga experiência internacional.
Quando Thomas L. Friedman lançou o livro chamado The world is fat: a brief history of the twenty-first century, há duas décadas, a economia estava estabelecida em certo nivelamento entre países industrializados e emergentes. A produtividade eficiente era perseguida em meio a um gigantesco fluxo comercial “sem fronteiras”, estruturado e distribuído em uma difusa cadeia de suprimentos. Os produtos, de modo geral, eram compostos por componentes dos mais variados cantos do mundo. Produtos que poderiam ser classificados como made in the world.
Naqueles tempos, a eficiência econômica era a diretriz e o discurso era calcado ainda nos preceitos liberais da desregulamentação e da redução do peso da máquina estatal. Foi um período em que, como se sabe, muitas riquezas foram geradas e distribuídas, tanto quanto foram produzidas desigualdades. Testemunhou-se nessa fase o aumento do protagonismo econômico da Ásia, com destaque à China, que crescia à base de seu bônus demográfico e de seus baixos custos de produção.
Em 2008 ocorre a crise financeira do subprime com a quebra do sistema bancário. A bolha imobiliária norte-americana sofreu ruptura e colocou em xeque um dos pilares da economia liberal: o crédito. Houve, por óbvio, a contaminação de outros sistemas financeiros mundo afora e a economia se contraiu diante do clima de riscos e incertezas. Os Estados Unidos superaram esse obstáculo ostentando musculatura e resiliência.
Mais adiante, em 2016, dois fatos demarcaram a história: a vitória de Donal Trump nas eleições norte-americanas e o Brexit, que selou a saída do Reino Unido da União Europeia. Os britânicos objetivaram romper com o seu histórico de declínio econômico. Para se ter uma ideia, em termos de renda média, se o Reino Unido fosse um Estado dos Estados Unidos, seria menor do que o Mississipi.
O que surpreende é que os Estados Unidos, mesmo diante de todos os desafios de uma nova ordem de “desglobalização”, como referida pelo professor Marcos Troyjo, experimentou crescimento econômico vigoroso. Observando a linha do tempo, percebe-se um verdadeiro descolamento dos Estados Unidos em relação aos países do G7, que ficaram para trás em termos de desenvolvimento econômico no comparativo direto.
Alguns dados deixam claro isso. Há vinte anos, dentre as dez maiores empresas do mundo do ponto de vista do “market cap”, quatro eram europeias, quatro eram americanas e duas eram japonesas. Hoje, das dez maiores empresas, nove são norte-americanas e uma é da Arábia Saudita. Outro dado que revela a pujança econômica norte-americana: as empresas Nvidia, Microsoft e Apple atingiram valor de mercado superior a todo o valor negociado na bolsa de Frankfurt, quando individualmente consideradas.
Desse modo fica claro que os Estados Unidos não estão necessariamente em declínio econômico. Em realidade, estão mais poderosos do que nunca. O que ocorre é que possivelmente se tornaram menos influentes no mundo. Algo que se observa nas últimas décadas é que os países em desenvolvimento e emergentes passaram também a crescer de modo exponencial – beneficiados pelos efeitos da globalização -, e a se articular em blocos econômicos de acordo com seus interesses (os BRICS, são um exemplo).
Com a recente vitória de Trump, há certa apreensão em relação aos possíveis novos rumos da economia global. Bem se sabe que existem questões de ordem econômica, especialmente em relação à política externa norte-americana, que pouco se alteram com as mudanças no comando presidencial. Contudo, existem claras diferenças entre a visão econômica de Biden e Trump. A expectativa em relação ao novo mandato de Trump é que seja focado na proteção de sua economia, investindo forte na reindustrialização, desregulamentação e desburocratização.
Para além da competição com o gigante chinês e de sua cruzada contra o fluxo migratório, batalhas já travadas em seu mandato anterior, Trump terá de enfrentar uma agenda de conflitos que não havia na última passagem pela Casa Branca. Refiro-me à recente guerra entre Israel e Hamas e a guerra entre Rússia e Ucrânia.
Há certa expectativa em relação a postura norte-americana diante de todos esses desafios. Trump enfrentará um mundo bem mais complexo do que encontrou em 2016. Porém, retorna mais experiente e com mais musculatura por decorrência do respaldo popular alcançado nas últimas eleições. Tentará, certamente, ser mais influente no mundo para alcançar um reposicionamento de seu país na arena política e econômica. Aguardemos, pois, as cenas dos próximos capítulos.