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Reflexões comerciais e as oportunidades do Web Summit Lisboa

Foto: divulgação

Por Lucas Miguel Gnigler, sócio e diretor de projetos da 8R Negócios e diretor de Inovação do Sistema LIDE SC e RS.

Estive no Web Summit Lisboa pela primeira vez em 2018. O mundo mudou, eu e você mudamos, mas o Web Summit nem tanto, apesar de ter dobrado o número de participantes (mais de 70 mil este ano). O evento segue no mesmo local, com a mesma duração, o mesmo formato de conteúdo e milhares de startups buscando clientes e investidores. E por que haveria de mudar?

Não vou entrar nas tendências tecnológicas apresentadas no evento – até porque eu nem seria o especialista indicado para esta tarefa. Mas acho que posso esboçar algumas reflexões sobre o novo momento do evento presencial global, e os pontos de atenção e as oportunidades relacionadas à postura comercial e o posicionamento de quem participa e faz o evento acontecer.

1A reconfiguração das palestras – e especialmente dos painéis

O Youtube nos deixou mal acostumados: por que eu vou alocar tempo sentado numa plenária se todo o conteúdo que importa está online, para eu assistir quando eu quiser em casa, com o cachorro no colo?

Assistir ao vivo se tornou mais uma experiência de fã. Ou de quem quer dizer (e postar, claro) que viu ao vivo tal conteúdo. Em 2018, eu assisti muitas palestras. Por exemplo, vi o megainvestidor Ray Dalio conversando sobre estratégia com o Garry Kasparov, lenda do xadrez. Eu sentei no chão, em frente ao palco, deslumbrado.

Isso é outra coisa que se percebe: conforme você vai ficando calejado em eventos, as interações são priorizadas em relação ao conteúdo. O que se vê, nesse sentido, são dois perfis de público no evento: um mais orientado para o conteúdo, e outro que pensa no evento como a oportunidade de estreitar relacionamentos e, quem sabe, fazer alguma venda. E esse é o próximo ponto.

2- Predisposição para abordar e ser abordado

Quem está na chuva é para se molhar. As pessoas vão ao evento em busca das interações. Ou seja: é realmente um local onde as conversas são diferentes do usual. Você vai encontrar pessoas à disposição para tomar um café: algo raro na caótica rotina de trabalho moderna. Na vida real, conseguir um espacinho na agenda de alguém importante para o seu negócio é uma vitória: já no Web Summit, é relativamente simples.

O perigo, em função dessa facilidade, são as abordagens em série. Empreendedores tentando desesperadamente marcar conversas com você pelo aplicativo do evento, nas quais eles precisam de alguns minutos da sua atenção para você ouvir o pitch já repetido à exaustão. Perceba o drama, leitor: todo mundo abordando da mesma forma. Quem somos, nossos clientes, as “dores” que resolvemos. Esse discurso comoditizado, no entanto, é uma oportunidade de se diferenciar – e conversar com as pessoas de uma forma mais interessada e generosa.

Outra cena curiosa que acontece lá: a sua startup consegue um espaço para expor no Web Summit. O indivíduo passa pelo seu mini estande, e até finge certo interesse no seu pitch – mas o que ele quer é vender também. Logo, é ele quem está declamando um discurso ensaiado. São as técnicas da venda simples mal adaptadas ao complexo cenário da venda de soluções B2B – o próximo ponto.

3- Aumento das vagas em vendas: um sintoma

Em uma agenda paralela visitei um hub de startups de Lisboa. Lá fui surpreendido (ou nem tanto) com a apresentação de um gráfico, que basicamente mostrava que até alguns anos atrás as startups portuguesas contratavam mais desenvolvedores, e que agora a maioria das vagas são na área comercial.

Levantei a mão e pedi a palavra, com a fé abalada, como Pedro indo até Cristo, e comentei o que me parece óbvio: esse dado é um sintoma. A solução foi desenvolvida, e agora precisamos que ela seja vendida. Então se paga um pequeno salário e uma comissão irrisória para um vendedor junior e espera-se que ele resolva o problema. Especialmente em startups em estágio inicial, quem vende é o dono, o sócio, o founder. Quem vende é o brilho no olho que só o pai da criança tem.

Esse fenômeno é mais amplo: terceiriza-se a área de vendas. Se você analisar a pujante indústria catarinense, é raro encontrar alguma em que a receita não seja mais de 90% vinda dos representantes comerciais. E não há nada de errado nisso – mas é um exemplo histórico do quanto somos orientados para a produção, e não para o mercado, para a venda. Terceirizamos a venda há mais de um século.

Fabricar, desenvolver, produzir, importar é mais fácil. Vender é mais difícil. Por isso, não se pode delegar a área comercial, especialmente em vendas complexas, e principalmente quem está começando.

Uma curiosidade: durante a visita a um centro de inovação, um empreendedor contou que em Portugal é quase inaceitável abordar pelo WhatsApp alguém que você não conhece. O prospecto vai ficar ofendido. Ele também vende no Brasil, e estava comparando as enormes diferenças culturais na abordagem.

4- Aspecto sociomaterial do encontro presencial (na Europa)

O fato de você estar na Europa muda toda a interação. Aconteceu comigo: conheci catarinenses que eu não conhecia. O fato de estarmos no mesmo evento do outro lado do oceano gera uma conexão imediata. Dá vontade de abraçá-los e comemorar o encontro. Curiosamente, lá é mais fácil conectar com o seu vizinho: a grandeza do momento é meio caminho andado para uma aproximação verdadeira.

Na semana do evento participei do lançamento do Startup Summit 2025, gigante evento de tecnologia liderado pelo Sebrae/SC. Mais uma vez a alegria de encontrar catarinenses que eu não conhecia ou que não via há algum tempo. O que quero dizer, e reforçar: o laço é mais forte quando criado em condições especiais como em um evento global.

O Web Summit mostra, na prática, um ponto que apareceu forte também na minha pesquisa de doutorado: é impressionante como o encontro presencial ganhou relevância no pós-pandemia. Levamos um susto e não queremos mais largar as mãos amigas. E como resolvemos quase tudo online o tempo todo, quando nos encontramos vira um momento solene. E nesse momento solene, a tecnologia que se cuide.

5- O exagerado uso do termo “inteligência artificial”

Definitivamente virou chacota: todo mundo falando que possui IA inserida nas suas soluções tecnológicas. É mais ou menos o bom e velho refrão “aqui tem qualidade, bom atendimento e preço baixo” que entra num ouvido e sai no outro.

Acredita-se que a startup vencedora da competição de pitches do Web Summit 2025 foi definida na resposta à pergunta clichê sobre como ela usava a inteligência artificial na sua solução. O corajoso empreendedor respondeu que não usava, e foi ovacionado pelo público.

A inteligência artificial está em toda parte e provavelmente será cada vez mais onipresente. Sabemos da revolução que a tecnologia está provocando. Justamente por isso virou atributo obrigatório no discurso de vendas. A oportunidade, me parece, é destacar todo o fator humano envolvido naquilo que a inteligência artificial não consegue fazer. Nesse sentido eu gostaria, inclusive, de relatar um exemplo curioso que aconteceu comigo.

Há alguns dias escrevi um texto corriqueiro, como centenas de outros que eu já postei por aí. Mas esse foi diferente. Postei o seguinte:

“Estou no avião lotado. Embarque finalizado. Uma criança agitada desenha na mesa retrátil. O comissário está vindo, verificando cada fileira. Quando ele chega nela, fala: “Vamos guardar a mesinha só para a decolagem? Assim que o avião subir você continua. Quando estiver chegando em Floripa posso ver se ficou bonito?”

Ela sorri e concorda. Os adultos do entorno, no celular, mal perceberam.

Também sou entusiasta da IA. E acho que, ao adotá-la, podemos prestar mais atenção no que ela jamais fará.

Ao final do voo, o comissário se ajoelha e confere o caderno de desenhos da mocinha orgulhosa.”

Postei este texto com uma foto que tirei da cena. O post teve, em uma semana, mais de 11 mil curtidas no Linkedin. Mais de 700 mil pessoas pelo menos passaram o olho nele. Mais uma evidência, na minha visão, de que precisamos falar sobre o assunto Inteligência Artificial em novas perspectivas, e não com essa conotação de que estamos ficando defasados porque não estamos sabendo explorar devidamente o Chat GPT.

6- Saem os grandes patrocinadores e entram governos. 

Em outubro de 2023, o CEO do Web Summit Paddy Cosgrave postou declarações sobre a guerra entre Israel e o Hamas. Empresários israelenses pediram o boicote do evento, e gigantes como Google, Amazon, Intel, Meta e Siemens abandonaram o Web Summit. Ele deixou o cargo, tentou se explicar, mas as empresas não voltaram atrás. E isso parece ter mudado o perfil do evento: agora, os maiores estandes são governamentais.

Eu, a propósito, fui com uma missão técnica relacionada à Prefeitura de São Paulo (SP Negócios, entidade do município que apoia empresas locais ou que queiram se estabelecer em SP). Ali perto estava o estande do Rio de Janeiro. E também o do Qatar e o da Áustria. Os objetivos variam e se complementam: da construção de marca à atração de investimentos e talentos. Mas não porque isso é legal ou diferente. No caso de Portugal, é urgente. A propósito, este é o último ponto que eu gostaria de trazer.

Mas antes de concluir este tópico, fica a reflexão óbvia mas necessária do quanto as nossas opiniões públicas podem impactar as relações. Ainda mais quando consideramos os estudos de economia comportamental que mostram o quanto a confiança e a autoridade são decisivos no processo de decisão e escolha.

7- Recrutamento e seleção (de brasileiros) 

Não é novidade que Portugal precisa de gente nova. É desolador ver na prática o que a ouvíamos na escola sobre o envelhecimento da população: os herdeiros partiram em busca de oportunidades e casas históricas encantadoras estão abandonadas. O desafio: trazer pessoas e criar oportunidades.

Estima-se que existam 500 mil brasileiros morando lá (o país tem 10 milhões de habitantes e é um pouco menor que o Estado de Santa Catarina). Visitei a cidade de Belmonte, a convite de amigos catarinenses que estão tocando um grande projeto na região: transformar Belmonte num amplo ecossistema de inovação. Belmonte, a propósito, é a cidade natal do nosso Pedro Álvares Cabral. A cidade (e o país como um todo) incentiva de diversas formas brasileiros e empresas do Brasil que queiram ir para lá.

Algumas empresas, inclusive, estão abrindo um CNPJ internacional para construir autoridade e explorar novos mercados. Um fato curioso: algumas empresas montam uma base em Portugal para entrar com mais facilidade em mercados como a própria América Latina – tanto por questões tarifárias quanto pelo fato de ser de origem europeia (confiança, autoridade percebida).

Uma constatação importante é observar o quanto o Brasil, e especialmente Santa Catarina, está à frente em questões tecnológicas e de digitalização. É normal você encontrar em Portugal estabelecimentos que exigem um valor mínimo para aceitar pagamento em cartão. Eu jantei em um restaurante bem localizado em Lisboa, com vários clientes, e na hora de pagar a conta tive que voltar para o meu AirBNB buscar dinheiro em espécie. Não passa cartão. Não há nada parecido com o Pix. Enquanto isso, nossa indústria e ecossistemas de tecnologia pujantes nos enchem de orgulho. Eles precisam conhecer mais o que estamos aprontando por aqui.

Conclusão

O melhor do Web Summit, na minha opinião, é o que acontece em paralelo: desde os eventos temáticos que orbitam o evento principal, até os cafés e os vinhos que você vai tomar. Não estou de forma alguma desmerecendo o conteúdo: mas o poder das conexões que acontecem lá é grandioso. É assim que você vai pagar o seu investimento no Web Summit.

E tem o impacto interno, digamos, de participar de interações como as que eu descrevi: longe de casa, emotivo, deslumbrado, um turbilhão de ideias e planos para a volta ao Brasil.

No último dia em Lisboa visitei a casa (hoje museu) de uma das minhas grandes referências: Fernando Pessoa. Jamais alguém foi tão longe com o nosso idioma. No museu exploro cada detalhe: sua biblioteca particular, a estante original em que ele guardava os livros, os cadernos com ideias soltas anotadas a lápis. Mas o que mais me marcou foi um vídeo com uma entrevista da sua sobrinha, que morou com ele e a família naquele mesmo local. Em um momento ela fala algo assim: “Ele andava com um bando de loucos, e naquela época não tínhamos a noção de que ele era um gênio.”

No Web Summit Lisboa somos nós, os brasileiros, os novos desbravadores. Chegou a vez da colônia. Isso é notório em Belmonte, onde explorar o castelo da família Cabral é uma lição de perspectiva: o passar do tempo é quase tangível, e é sentido como um frio na barriga. E daqui para frente não será diferente: é o tempo quem vai dizer se havia algum gênio nesse bando de 70 e poucos mil loucos.

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