Roberta Tassinari tem como missão pessoal aproximar a arte do público. Não o público da arte, porque isso não seria possível.
O que a fez escolher esse caminho foi o fato de querer mostrar para as pessoas que a arte vai além da decoração. Com tudo isso em mente, fundou ainda na época que morava em São Paulo o Estúdio Roberta Tassinari, que hoje fica em Florianópolis.
Ela é mais uma entrevistada da série Você no Economia SC, que conta a história de empreendedores e profissionais que se destacam no mercado. Confira abaixo:
Qual sua história profissional?
Eu sou Roberta, sou formada em Publicidade e Propaganda e, paralelamente à universidade, eu sempre fiz cursos livres de arte, o que me ajudou a desenvolver meu lado criativo. Depois de formada, fui morar em Porto Alegre, estudando, fazendo especialização, e morei um tempo no Canadá estudando arte. No Canadá, eu fiz a minha primeira exposição individual. Isso foi por volta dos anos 2000. Depois, eu voltei para Florianópolis e me dediquei a fazer um mestrado em Artes Visuais. Concluí o mestrado em 2012 e fui convidada para dar aula na universidade. Durante todo esse tempo, eu continuei produzindo no meu ateliê, participando de exposições em diversas instituições de arte por todo o Brasil e no exterior também. Em 2013 fui para Nova York fazer uma residência artística e em 2016 outra em São Paulo. Residência artística é um período onde o artista fica imerso na sua produção. Ele tem a oportunidade de se dedicar para a sua pesquisa. É muito importante a gente lembrar que o artista é um pesquisador. Ele está sempre investigando alguma questão de forma plástica, matérica e poética. Eu acabei morando em São Paulo durante sete anos, que foi onde surgiu o Estúdio Roberta Tassinari. Nesse tempo morando em São Paulo, eu fui percebendo algumas questões do meio de arte que eu não me sentia tão à vontade, que eu sentia que poderia ser feito diferente, como por exemplo visitas às galerias. Eu tenho muitos amigos que não são do meio de arte e eles se sentiam um pouco inibidos em visitar as galerias. Era um espaço que não era exatamente convidativo, então eles me pediam para acompanhá-los e observando todas essas questões, que por exemplo, nas exposições eram sempre as mesmas pessoas que eram do meio de arte, eu comecei a perceber quão fechado o meio era e acabava não abrindo portas e oportunidades para pessoas de fora se aproximarem desse universo tão rico. Então, por exemplo, como que um advogado, um dentista, uma professora faz para comprar um áudio, um artista profissional, vamos dizer assim, de que maneira ele pode conhecer um pouco desse mundo da arte? E aí me questionando sobre isso tudo, eu decidi criar o Estúdio Roberta Tassinari, onde eu fui observando todas essas questões que eu sentia falta, principalmente de acolhimento. Criei um espaço para acolher o público leigo para falar de arte de forma simples e possível, principalmente através da linguagem. Eu criei o estúdio Roberta Tassinari, inicialmente com a proposta de ter trabalhos de arte mais acessíveis. Isso foi possível através da criação de múltiplos, que são obras de arte que têm a sua ideia reproduzida. Eu costumo chamar de múltiplos únicos, o que é uma incongruência, mas eu gosto dessas palavras que são incongruentes, essas expressões que são dúbias. O múltiplo é uma ideia que é muito boa e que pode ser replicável, então isso facilita o processo de produção de arte, torna esse processo mais acessível, vamos dizer assim. Eu criei um gabarito onde eu consigo reproduzir algumas dessas minhas ideias, sempre de forma única, porque é um trabalho manual feito um a um, mas com a mesma ideia mantida. Através do Instagram, eu comecei a falar de arte de forma simples, sem aqueles vícios de linguagem, expressões que muitas vezes quem não é do meio, não conhece e acaba afastando, impede a pessoa de se aproximar. E assim eu fui conquistando um público que se mostrou muito interessado em se aproximar desse universo que é poético, mas também tem a sua complexidade. Dentro dos meus clientes e da minha audiência de uma forma geral, tem muitos engenheiros principalmente, que são pessoas que têm um pensamento mais linear, mas que justamente precisam da arte para sair um pouco da racionalidade e entrar na vida contemplativa. O estúdio vem com essa proposta de tornar a arte acessível para que as pessoas possam ter mais momentos de contemplação na vida, que saia um pouco daquilo que é previsível, daquilo que é o óbvio, e que elas possam se encantar e surpreender com o universo artístico que está acessível para todos. Como nós nos tornamos online depois da pandemia, mesmo as clientes mais próximas do estúdio gostavam de receber tudo em casa, a gente percebeu que poderia voltar para Florianópolis. Então a gente fez esse movimento de retomada para casa junto da nossa família, que foi maravilhoso, que é o que nos abastece diariamente. Nós seguimos vendendo para todo Brasil e para os Estados Unidos também, um país que a gente vende com uma certa frequência. Quando eu decidi voltar para Florianópolis, conversando com uma amiga arquiteta, ela me disse “Betta, falta em Florianópolis um profissional que dê uma assessoria para os arquitetos para ajudá-los a ajudar os seus clientes a escolherem obras de arte”. E aí eu vi uma oportunidade muito grande, então decidi fazer uma curadoria com obras de outros artistas, porque até então, quando estava em São Paulo, vendia apenas as minhas obras, mas eu vi que tinha uma oportunidade de dar visibilidade para outros artistas também. Foi então que eu decidi criar um acervo com obras de artistas de diversas cidades espalhadas pelo Brasil, para atender a essa demanda para esses clientes que buscam uma obra de arte através dos seus arquitetos, e o estúdio dá essa assessoria de forma gratuita para os arquitetos para auxiliar os seus clientes a entenderem um acervo de obra de arte. Eu sempre falo, “porque que a gente gosta de uma obra de arte e de outra não?”, porque a gente se reconhece em uma obra de arte. Quando a gente gosta de uma obra de arte é porque ela conta alguma coisa da gente. Claro que de uma forma muito poética e, às vezes, até difícil de traduzir em palavras, mas é isso que faz com que a gente se encante e se emocione e tenha vontade de olhar várias vezes e cada vez que a gente olha a gente descobre alguma coisa diferente. Então, isso tudo é que faz com que a gente se encante com uma obra de arte. Eu comecei a trabalhar muito com arquitetos, comecei a conhecer arquitetos não só de Santa Catarina, mas de outros estados também e comecei a entender como eu poderia ajudá-los nessa busca. Comecei a criar algumas ferramentas para ajudar os arquitetos. Algumas delas foram os cards que eu criei para usarem em mood boards. Mood boards é aquele painel semântico que eles fazem, às vezes online, às vezes físico, onde eles fazem uma amostra dos materiais que vão ser utilizados, uma amostra do sofá, do metal que vai ser usado, enfim, criam uma composição… e eu criei cards com algumas das obras que nós temos no nosso acervo para já inserir obra de arte lá na concepção do projeto, lá no início do projeto. Uma coisa que eu sempre falo para os arquitetos é que é muito mais interessante você apresentar para o seu cliente um artista do que uma obra para combinar com a decoração. A arte vai muito além da decoração. Então aqui no estúdio, o que eu faço é um papel de formação de público, onde eu apresento artistas para os arquitetos, e cada artista tem a sua pesquisa, cada cliente vai se relacionar com o artista, mais com um artista do que com o outro, porque a gente se relaciona com a obra de arte a partir das nossas vivências, do nosso repertório de vida. Outra ferramenta que nós criamos também foram os bloquinhos para SketchUp. A gente modelou todas as obras do nosso acervo. Tem mais de 300 obras e a gente disponibiliza. Assim não fica aquela coisa meramente ilustrativa, que eu escutei muito dos arquitetos. Eu botava uma imagem qualquer na internet e no final do projeto o cliente queria exatamente aquela imagem que nem existia. Então isso foi uma forma de inserir arte desde o início e tornar algo mais próximo do cliente, para trazer para ele um repertório de arte, porque as pessoas não sabem o que está sendo produzido em arte contemporânea no Brasil hoje. Então essas são algumas ferramentas que eu encontrei para aproximar a arte do público. Para responder a pergunta, o que me trouxe até aqui foi olhar para esse meio de arte um pouco de fora, na verdade, e perceber o que poderia ser feito de diferente. Como eu poderia aliar o empreendedorismo com a arte de uma forma que tornasse a arte mais acessível e, de fato, democratizar esse acesso à arte. Foi isso que me trouxe até aqui. Olhar para essas lacunas que são entre arte e o público e criar pontes para aproximar esses dois públicos. Também pensando nessas soluções de aproximar a arte do público, eu criei uma revista que se chama Revista Ateliê. Eu sempre falo que o estúdio, as pessoas que vêm aqui, a gente fala sobre arte, a gente não fala sobre mercado. Eu não estou interessada em saber quem é o artista que valorizou, quem é o artista que desvalorizou. Isso é algo sobre o mercado. Mesmo que a gente tenha aqui artistas com a carreira mais sólida e artistas mais em início de carreira, o nosso foco não é nisso, nosso foco é na pesquisa do artista. Por isso eu criei essa revista com o nome de Ateliê, porque o Ateliê é onde o artista está ali na sua “inteireza”, na sua essência, onde nada mais importa além do seu processo criativo. Isso é a coisa mais importante na arte, o processo criativo do artista. As outras coisas são externas, é sobre mercado, não é sobre arte. E a gente precisa falar mais sobre arte e menos sobre mercado. Nessa revista que é disponibilizada de forma digital gratuita para as pessoas, foi feita uma primeira edição em outubro onde eu apresento o trabalho de arquitetos que utilizam obras de arte nos seus projetos. Eu quero muito que as pessoas se acostumem a indicar obras de arte para os seus projetos e não imagens pasteurizadas da China. Tem muitos artistas profissionais desenvolvendo seus trabalhos, e é muito interessante criar essa ponte entre o consumidor final e os artistas. Então, a revista surgiu para criar essa ponte entre os dois lados e também valorizar toda a cadeia produtiva, desde os fornecedores que fazem as molduras para as obras de arte, quem faz o chassi para os quadros, é muito importante para mim fortalecer essa cadeia também de pequenos produtores, porque isso é o que faz movimentar o negócio, comprar de quem é pequeno. Isso é uma coisa bastante importante para mim, dar espaço para todo mundo, para crescermos juntos. Eu tive uma floricultura durante quatro anos nesse período que morei em São Paulo e empreender nesse negócio foi uma das melhores experiências que eu tive na minha vida. Empreender através das flores me possibilitou um olhar diferente para o meu trabalho com arte hoje. Eu sou uma outra pessoa, depois de ter criado a “Flore, Estúdio de Flores”, que era o nome da minha floricultura, “Flore” de Florianópolis. E eu consegui olhar, sair da ilha para ver a ilha e comecei a olhar para a arte de uma forma diferente. Mesmo que exista uma resistência das pessoas dizerem que arte não é produto, arte também é produto, a gente não pode ser excludente nesse raciocínio, nem romântico. Então, como que eu torno esse produto mais viável e acessível? Para que o artista possa continuar trabalhando como artista, para que o artista não tenha que trabalhar com outra coisa para bancar a sua carreira. Então, eu consigo dar oportunidade para outros artistas e fazer com que mais pessoas que não são especialistas em arte possam ter obras de arte nas suas casas. Isso tudo só foi possível depois de ter um negócio que foi a floricultura, me fez olhar diferente para as possibilidades do meio de arte. Eu percebi que não existia um caminho das pedras, que o caminho que daria certo era aquele caminho que eu acreditasse, aquele que fosse verdade pra mim, e foi exatamente isso que aconteceu.
O que te fez escolher esse caminho?
O que me fez escolher esse caminho foi de fato querer aproximar e mostrar para as pessoas que a arte vai além da decoração. A arte é um portal. A partir do momento que entendemos que a arte dialoga com a alma, com o espírito, que o olho é só uma entrada para a arte. Mas ela toca num lugar muito íntimo meu. Isso é o que me move a querer fazer com que outras pessoas consigam enxergar tamanha grandeza que a arte proporciona. É isso que move todas as ações que eu faço aqui no estúdio. E por isso que a minha missão é aproximar a arte do público. Não é aproximar o público da arte, porque isso eu não consigo controlar. Mas eu posso levar a arte para o público, e é isso que eu tenho feito diariamente.
O que você ainda almeja conquistar?
Eu desejo que o meu trabalho consiga alcançar mais pessoas. Eu desejo que mais gente tenha arte em casa. Eu desejo que mais artistas possam trabalhar vivendo de arte. Eu desejo que mais oportunidades possam valorizar o artista como um profissional. E o que tiver ao meu alcance para fazer isso, eu vou fazer por mim e pelos artistas que estão aqui no meu acervo.
Quais hábitos você mantém para ter mais qualidade de vida e desempenho no âmbito profissional?
O hábito que eu procuro manter é descansar e entender que as pausas são necessárias, então eu evito ao máximo trabalhar final de semana e feriado, porque eu entendo que são nessas pausas que eu tenho às vezes insights de trabalhos, insights de caminho que eu quero seguir. Sempre falo que a direção é mais importante do que a velocidade, então eu tento fazer as coisas de uma forma um pouco mais lenta às vezes. Eu percebo que o resultado é mais eficaz do que quando eu estou num momento ansioso e acabo me “atropelando”.