Desde que a Universidade de Oxford elegeu “Brain Rot” como a palavra de 2024, o tema virou pauta em notícias, debates e reportagens mesmo sendo uma discussão cafona, clichê ou, pior, cringe. É importante dizer: eu mesmo fiquei surpreso com a escolha.
Quando essa expressão surgiu, ela causou um burburinho enorme, especialmente entre os mais velhos, que amaram a confirmação de que estamos todos ficando mais burros por causa da tecnologia.
Importante também dizer que, se você leu o cringe e pensou “cringe é quem fala cringe”, saiba que metade do que eu digo é ironia e a outra metade é a mais pura verdade e tende ao genial – por exemplo, a frase que você acabou de ler.
Falando em ironia, então nós somos a geração de “cérebros podres” tentando consertar o mundo deixado pelos “cérebros saudáveis”? Os cérebros geniais que criaram problemas gigantescos que agora temos que resolver? Faça-me o favor.
Porque não tem nada a ver com isso. A escolha de “Brain Rot” como palavra do ano não é aleatória, tampouco um modismo. Ela reflete um sintoma, uma inquietação coletiva sobre como os estímulos incessantes e a dependência tecnológica podem estar moldando nossa cognição.
Brain Rot é muito cringe no úrtimo
Dependendo de como se falar em Brain Rot, você não é só muito cringe como também é démodé. Disco repetido. A ideia de que nosso cérebro está sendo prejudicado pela tecnologia não é nova e existe há décadas, mas foi intensificada nos últimos anos.
Cientificamente, o “brain rot” pode ser visto como uma consequência da plasticidade cerebral mal direcionada. Nosso cérebro se adapta ao ambiente que enfrentamos. Quando exposto a estímulos rápidos e fragmentados, como vídeos curtos e notificações constantes, ele prioriza a rapidez e a impulsividade. Essa adaptação pode comprometer habilidades mais profundas, como o raciocínio crítico e a concentração.
A discussão parte de um ponto sério: não é só sobre o conteúdo que consumimos, mas sobre como consumimos. Cortes rápidos, excesso de informação, luzes piscantes e uma enxurrada de estímulos visuais e auditivos.
Claro, a ideia não é que estamos todos nos tornando incapazes de pensar. Não se trata de julgar as futilidades compartilhadas nas redes ou os memes que viralizam. A questão é mais profunda, sobre como o formato e a frequência dos estímulos estão moldando nossos hábitos cognitivos e emocionais. Além disso, o impacto é mais evidente nas gerações mais jovens, que crescem cercadas por telas e redes sociais.
Se isso tudo parece alarmista, não falta humor. As gerações mais novas sabem rir de si mesmas e do mundo. Sabe aquela história de que já tem meme pra tudo? Tem mesmo e Brain Rot deu origem a vários. É talvez até um nível de consciência maior do que os de millennials e boomers que caem em fake news no WhatsApp.
Só que rir pode ser o melhor remédio, mas não cura Brain Rot.
Como evitar o “Apodrecimento”?
O mais curioso é que as soluções para evitar o “brain rot” são as mesmas que a minha vó – e a sua – dão para várias outras coisas:
- Sair do celular
- Dormir direito
- Ler um livro
- Sair de casa
- Fazer ginástica
- E por aí vai
Essas são recomendações que ouvimos desde sempre, mas que parecem cada vez mais difíceis de implementar. E eu tenho medo de que se torne ainda mais distante e que o conceito de ‘brain rot’ seja cooptado por campanhas publicitárias vazias que transformem uma crítica séria em slogan precário
Imagine hashtags como #SejaMenosPodre ou marcas usando a ideia para vender suplementos milagrosos. Esse tipo de abordagem pode acabar diluindo a reflexão que a expressão deveria provocar.
E a responsabilidade não é apenas do indivíduo. Plataformas e criadores de conteúdo também precisam avaliar o impacto de seus formatos. Para as crianças, por exemplo, deve haver maior cuidado com o tipo de linguagem e estética apresentada. Mesmo que elas já demonstrem uma consciência impressionante sobre os riscos.
Thoreau e Machado de Assis
Interessante como o conceito de “brain rot” remonta ao filósofo Henry David Thoreau, o pai da Desobediência Civil, que usou a expressão em 1854 no livro Walden para criticar a simplificação exagerada de ideias complexas.
Ele comparou o apodrecimento das mentes ao das batatas na Inglaterra, um paralelo que continua atual. Porque, vamos e venhamos, um cérebro pode ser incrível como uma batata: versátil, produtivo, frito, assado e bem nutrido. E talvez até mesmo: podre.
Mas, falando em batatas, não consigo não lembrar de Quincas Borba, obra de Machado de Assis. Nela, o personagem que dá título ao livro deixa uma fortuna e um cachorro também chamado Quincas Borba para o seu amigo Rubião, além de uma explicação sobre o o Humanitismo, filosofia explicada em partes por essa história:
Duas tribos famintas encontram um campo de batatas, mas há um problema: as batatas só são suficientes para alimentar uma delas. Se tentarem dividir, ambas morrem de inanição. Se apenas uma se alimentar, chegará ao outro lado da montanha com saúde e assim encontrará batatas em abundância.
Assim, a paz torna-se destruição, enquanto a guerra garante a sobrevivência de uma das tribos. E aí, ao derrotado, ódio ou compaixão. Ao vencedor, as batatas!
Essa última frase você provavelmente já ouviu falar bastante – e se não ouviu, deveria. Mas o que as pessoas não falam como deveriam é do final do livro, em que Rubião se encontra derrotado e sem saúde mental. Porque a guerra nos “coisifica” e, mesmo no cenário da vitória, tudo o que você encontrará é isso: batatas. Só.
Na “guerra” do dia a dia moderno, a vitória é uma batata de solidão e a derrota são cérebros podres, plastificados e hiper-estimulados?
Esse é o contexto do Brain Rot. E por isso foi a palavra de 2024.