O vídeo do Nikolas Ferreira falando sobre a possível taxação do PIX merece todas as análises que estão ocorrendo e, inclusive, deixo aqui mais uma. A repercussão desse reels derrubou uma medida do governo. Não foi apenas um rumor, mas um plano relevante para a presidência. E isso é notável.
Caso você tenha perdido o causo, fica o resumo gepetê do acontecido:
“Após a repercussão negativa e a disseminação de fake news sobre uma suposta taxação do PIX, o governo decidiu revogar a atualização das normas de fiscalização que incluíam essa modalidade de pagamento. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que nunca houve intenção de tributar o PIX e que o presidente Lula assinará uma medida provisória para garantir isso. A decisão foi tomada após desinformação espalhar a ideia equivocada de que haveria cobrança sobre transações via PIX, levando o governo a recuar e manter as regras atuais”.
Haddad está em uma posição desconfortável. É o sucessor natural de Lula, não só porque ele foi literalmente a opção quando o presidente não conseguiu concorrer nas eleições de 2018, mas também porque ocupa o importante cargo de ministro da Fazenda, e também é dele que se espera todas as soluções para o mau momento econômico do Brasil.
Ele tem se esforçado muito, quer você goste do que está sendo feito ou não. O problema é que a legitimidade desse trabalho não aguenta em pé nem contra um vídeo de Instagram.
Nikolas Ferreira e o PIX: analisando o vídeo
Quando a nova medida de monitoração do PIX foi anunciada, não foi só o vídeo do Nikolas Ferreira que circulou, mas várias fake news, que até mereciam sua própria análise. Mas esse em específico parecia algo feito por um cidadão comum, não por um deputado federal. E teve uma enorme aceitação, com centenas de milhões de visualizações.
Falando em redes sociais, isso é muito importante hoje para o debate sobre a esquerda e a direita no Brasil. De maneira geral, a direita sabe se posicionar na internet de forma mais eficaz do que a esquerda. Parece que a canhota ainda está presa a métodos tradicionais de comunicação, enquanto a destra versa bem na divulgação de seus resultados ou na exploração de polarização e ódio.
E por não conseguir chegar na timeline do cidadão, especialmente dos mais pobres, a esquerda não conseguiu dizer o óbvio.
Você vai sentir um PIX
É importante esclarecer: nunca houve intenção de tributar o PIX. Isso é inquestionável: quem afirmou isso estava mentindo ou divulgando fake news intencionalmente. O que o governo quis foi criar um mecanismo para combater a fraude no Imposto de Renda. É algo que já é feito hoje para garantir que não está havendo sonegação. Quem declara X e gasta 10X provavelmente tem renda não declarada.
Porque imposto não é roubo, é o que garante que o maquinário público, do qual todos nós usufruímos, funcione. Se uma pessoa não paga, a outra talvez tenha que pagar mais. Muita coisa boa poderia ser implementada se existisse mais verba. Sei que existe muita corrupção, mas essa é outra discussão.
O Brasil é um país de uma força de trabalho muito informal, nem PJ nem CLT. É natural imaginar que quem está nessa condição tem um subemprego, mas tem muito médico, dentista, etc., que não se formaliza para poder sonegar.
Nos outros casos, de PJ e/ou CLT, o governo já tem as informações que precisa. Ou seja, não era uma medida que visava aumentar o escrutínio na vida das pessoas. O país do PIX só quer mais eficiência, quem diria.
Mas explicar isso, no barulho das fake news, não foi fácil. E o Haddad vai ter que fazer algo para conseguir a verba que precisava. Será que diminuir a burocracia para contratações ou para abrir empresas, reduzindo assim a informalidade? Ou deixar do jeito que está e ir atrás de quem explora o maquinário público com supersalários e desvios?
Será que o Nikolas vai deixar?
O paladino que não é
Provavelmente, não. Porque, apesar da popularidade, Nikolas não é defensor de causas que realmente ajudariam o povo brasileiro. É contra o fim da escala 6×1, contra uma reforma tributária em itens da cesta básica e votou sim pela taxação das brusinhas – foi um voto simbólico num jabuti, mas ainda assim, votou.
Talvez esse vídeo de fato tenha sido a coisa mais simbólica que já fez. Só espero que não seja o primeiro passo para começar a divulgar bet.
O outro lado habla
Na primeira versão dessa coluna, eu já escrevia um parágrafo comparando Nikolas com a Érika Hilton. Ela fala sempre com emoção, seja sobre os direitos das minorias, o fim da escala 6X1 ou qualquer outro tópico a ela caro, assumindo postura que deveria ser padrão para todos os deputados. Esse envolvimento e compromisso são o mínimo que nossos representantes deveriam entregar.
E ainda assim, fiquei surpreso quando vi que ela decidiu se posicionar e gravar um “vídeo de resposta” sobre o caso.
Em termos de análise e comparação, um prato cheio.
Érika x Nikolas
Os dois vídeos têm elementos importantes em comum. Fundo simples, trilha sonora sensacionalista, roteiro fechado, edição que ilustra a fala e comunicação direta.
O Nikolas então joga com os gatilhos e elementos recorrentes do discurso de direita, coisas que o eleitor dessa ala ouve e fala. Fala da Janja, odiada pela direita e chamada de Esbanja por alguns, e pede que os gastos de Lula sejam monitorados. Fala que monitorar pobres para cobrar mais impostos é cruel porque, como se não bastasse o ato em si, a devolutiva são serviços públicos de péssima qualidade.
Mas em nenhum momento sugere maior monitoramento dos gastos da câmara ou admite que ele, como deputado federal, também é obviamente culpado pelo serviço público precarizado.
E também não mente. Porque ele faz esse uso de gatilhos e gasta a retórica até onde pode, mas não de fato espalha uma fake news. Mas sugere que a taxação pode acontecer e, para muita gente, a sugestão já é suficiente, por isso que para essas pessoas, pouco importa se uma notícia é falsa.
Érika aborda uma postura mais tradicional de comunicação, sendo bem didática em sua fala – prática comum da esquerda. Usa muita energia e veemência para relembrar o trabalhador explorado que, no final das contas, a extrema-direita só quer mais caminhos para continuar explorando a base da pirâmide. No meio do caminho, ainda fala de regulamentação das mídias sociais – se desviando brevemente do assunto tal qual Nikolas também fez, mas ainda a uma direção que não agrega tanto à linha argumentativa.
A questão é que, enquanto Nikolas explora bem o que as pessoas querem ouvir, fala mal do presidente, da primeira-dama, do governo, etc, é de se esperar a repercussão do vídeo da Érika para entender a aceitação de seus argumentos levantados, em especial, os clássicos de de esquerda que já não naturalmente reverberam tão bem em 2025.
De qualquer forma, vale entender se isso também simboliza um primeiro momento de comunicação da esquerda nas redes sociais e como Érika e o Nikolas se articularão daqui para frente.
Afinal, é um novo momento para o marketing político. Quem concorda, concorda alto, e quem discorda, discorda muito alto. Também ninguém duvida que TikTok sustente popularidade de prefeito ou que se concorra a cargos políticos para promoção de um negócio.
E devemos ter cuidado para o que isso está nos levando. Se for para derrubar uma decisão por conta do desejo do povo, isso é política feita da melhor forma. Mas que venha de um povo bem informado pela verdade, com reflexão e manifestação individual de autonomia e opinião para além de um like.