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O que os best sellers dizem sobre nós

Quem gosta de ler, gosta de ver a lista dos best-sellers e fazer análises. Nem que seja por pura curiosidade. Estou longe de ser o único que, com uma revista Veja em mãos, visita essa seção logo no começo da leitura. Seja para ver se estamos perdendo algo de importante ou para dar um cafuné no ego ao ver que uma obra já lida está liderando os rankings.

Os livros mais vendidos não representam, necessariamente, os mais lidos de fato. Mas ainda assim, nos ajudam a entender o momento da sociedade e como seremos vistos pela história. Quais os orgulhos e angústias contemporâneos.

Porque a literatura não é uma coisa isolada da história, da política, do atual. Por exemplo, no período do Renascimento, é por meio das obras da época que nós podemos entender como o ser humano estava realmente começando a olhar mais para si e menos de só existir para cultuar Deus.

Há também o clássico exemplo de Hamlet – minha peça preferida e a de mais metade do mundo – que se passa ainda no momento em que a Igreja era a lei, mas começa com um fantasma aparecendo e pedindo para que seu filho o vingue. Isso não faria sentido por uma perspectiva apenas dos fatos históricos porque a Bíblia é muito clara ao dizer que os mortos não se levantarão até o dia do juízo final, portanto, ninguém naquele tempo poderia sequer acreditar em fantasmas. Mas a literatura nos prova o contrário.

Os livros mais vendidos de 2024 e o que isso quer dizer

Com base nos livros mais vendidos de 2024, podemos pensar numa análise que nos ajude a responder como seremos lembrados. Para os frequentadores de livrarias, provavelmente nenhuma obra aqui listada será digna de surpresa.

1º Lugar: Café com Deus Pai

Esse não é surpresa até para quem não entra em livraria nenhuma, mas só passeia no shopping. Afinal, todas as vitrines estamparam esse livro e suas diferentes variações: atualizado ano a ano, a versão para crianças, para adolescentes – e talvez outra que eu tenha perdido.

E se a liderança não é inesperada, a demanda do público… também não. Vivemos um momento muito evangélico. Talvez há 10 anos, esse livro não conseguisse sequer chegar ao Top 10. Mas hoje, o mundo evangélico está ocupando a mídia, música, política, e isso também está chegando às estantes das pessoas.

Seria um “anti-renascimento” em que, depois de séculos olhando para nós mesmos, o olhar agora se volta para Deus?

Provavelmente, não. Um gigante exagero. Porém, se for o caso, não há problema algum contanto que quem se aproxima dessa literatura não confunda se aproxima com Deus com se aproximar da idade média. Não era chamada de idade das trevas à toa. Sem perseguir bruxas ou negar a ciência.

Além dessa questão de timing e fé, esse versionamento da obra também é muito particular do nosso século. Porque quando uma obra “dá certo” – ou seja, vende muito -, ela ganha continuações e até derivações (TV, cinema, etc). Neste caso, o autor do livro também tem um podcast, canal de YouTube e por aí vai.

Seguindo nessa linha, chegamos aos:

3º, 4º e 8º lugares: “É Assim Que Acaba”; “É Assim Que Começa” e “Verity”

Esses 3 livros são da mesma autora, Colleen Hoover. Ter tantas obras entre as mais lidas não é um feito comum e podemos – além, claro do talento para a escrita da autora – atribuir este feito a dois motivos.

Primeiro, claro, são livros com perspectiva feminina e com uma pegada feminista, sobre questões que as mulheres enfrentam e passam. Histórias que há muito precisavam ser contadas e que bom que a hora finalmente chegou. Se fosse há 15 ou 20 anos, talvez não fosse valorizado como deveria.

Em segundo lugar está o fato de que “É Assim Que Acaba” virou filme no ano passado, o que aumentou a procura pelo livro que deu origem e pela sequência (É Assim Que Começa).

Uma pena, porém que esteja se falando mais hoje das fofocas de bastidores do que a história em si, mas faz parte, talvez.

Uma curiosidade que fica é: Para onde vão as próximas obras de Colleen Hoover?

Pergunto isso porque os dois livros mais vendidos do Século XXI são “O Código Da Vinci” e “Harry Potter e o Enigma do Príncipe” – mas podemos pensar na saga toda como uma coisa só para a reflexão a seguir. O primeiro fez com que toda uma discussão sobre a Igreja Católica e seus segredos se espalhasse pelo mundo. O segundo, é uma das mais bem-sucedidas franquias – virou peça, filme, parque temático, videogame, camiseta, travesseiro, chinelo, tatuagem e nome de cachorro.

E também foram obras que “condenaram” os seus autores. Dan Brown só escreve sobre o protagonista Robert Langdon e J.K. Rowling até escreveu obras adultas que impactaram a crítica, mas ela só vira notícia mesmo quando escreve Harry Potter – ou dá opiniões transfóbicas, mas daí é outra conversa.

Hemingway, um dos brilhantes escritores do século XX, nunca escreveu Adeus às Armas 2.

Atualmente, escritores que querem ser bem-sucedidos ainda podem escrever sobre tudo ou só queremos que continuem nos entregando mais daquilo que gostamos num primeiro momento?

5º, 7º e 10º lugares: “O Homem Mais Rico da Babilônia”, “A Psicologia Financeira” e “Como Fazer Amigos e Influenciar as Pessoas”

Agrupei esses livros porque fazem parte de uma categoria que pode ser chamada de “autoajuda financeira.”

São livros que têm todas as características de livros de autoajuda – inclusive a parte em que se envergonham da própria condição e tentam se rotular como técnicos ou de não-ficção. Só que ao invés de tratar de diversos sofrimentos da vida, se voltam para o âmbito profissional, empresarial ou financeiro. Como ser mais bem-sucedido, o tempo todo, mais depressa e com maior volume e intensidade.

Historicamente falando, esse talvez seja o momento na história do Ocidente em que mais poderíamos ser felizes. E por conta disso, estamos obcecados em sermos felizes. Mais ainda, o máximo possível, de todas as formas. Como comer melhor, dormir melhor, descansar melhor, trabalhar melhor, viver melhor…

Poderíamos ser tão felizes que não somos.

E também no capitalismo existe uma possibilidade que não existia em outros modelos que era o de migrar na estrutura socioeconômica. Claro, não é a regra e claro, a sensação é que está mais e mais raro. Mas ainda assim, existe a possibilidade.

E se é possível, parece que é obrigatório. Precisamos ser bem-sucedidos, crescer constantemente, se desafiar, não se acomodar, sermos extremamente felizes…

E na realidade, é tarja preta todo dia e guias empilhados na estante.

2º, 6º e 9º lugares: “A Biblioteca da Meia-Noite”, “Tudo é Rio” e “Perigoso!”

Esses três talvez sejam os livros que poderiam, ao contrário dos anteriores, estar presente na lista de best-sellers dos últimos 20 anos. São livros de ficção com diferentes temas – o último inclusive é infantil – e isso é bem saudável.

Porque diversificar as leituras é muito importante.

Ler, é claro, é sempre superior a não ler. Então se o caminho para que uma pessoa leia é seguir lendo sempre as mesmas coisas, ainda está tudo bem.

Mas se expor ao que foge do seu normal é uma forma de elucidação ímpar. Uma forma de autoconhecimento que pode ser saudável e realmente impactar a vida e diminuir angústias. Não é automático, nenhum médico vai te receitar: “Tome um paracetamol e leia 15 páginas hoje”, mas a leitura tem um poder de tornar a vida como um todo muito mais prazerosa.

E em 2025?

Eu não tenho bola de cristal e não quero colocar a clarividência num currículo, mas acredito que muito do que a gente viu no ano passado tende a se reproduzir na lista de 2025 porque são tendências e movimentos que já vêm de alguns anos.

O que gostaria principalmente de ver diferente em 2025 é que os rankings de leitura aumentem. O brasileiro, em média, leu menos no ano passado que nos anteriores e isso é preocupante. O caminho de desenvolvimento de um país passa pela boa instrução e informação de seus cidadãos.

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Jornalista e marketing manager na AE Studio e Instill.

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