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Lula, Janja e a crise que ninguém admite

Foto: Ricardo Stuckert/PR.

Se eu ganhasse um real por cada vez que a Janja gera um constrangimento internacional que envolve regulamento de redes sociais, eu teria 2 reais, o que não é muito, mas é estranho que tenha acontecido 2 vezes.

Resumindo o que aconteceu caso você tenha perdido:

Durante uma reunião reservada entre a delegação brasileira e o presidente da China, Xi Jinping, a primeira-dama Janja surpreendeu ao interromper o protocolo e criticar o TikTok, citando o impacto da plataforma no fortalecimento da extrema direita no Brasil. Segundo ela, o algoritmo beneficiaria conteúdos da direita.

A fala causou desconforto e Xi foi direto ao ponto ao dizer que o Brasil tem legitimidade para regular e até banir, se quiser, a plataforma.

Já não é a primeira vez que algo assim acontece. O meu real anterior foi de 2024, quando Janja soltou um “F… you, Elon Musk”, enquanto debatia regulamentação das redes sociais com o Felipe Neto durante um encontro no G20.

Esses dois casos (somados a outros que O Globo listou) representam muito bem que a atual primeira-dama, apelidada de “Esbanja” pela oposição, não se parece em nada com algumas anteriores, que se conformaram com a posição de esposa bela, recatada e do lar.

Só que isso está gerando um grande problema de Marketing para o governo, o que gera uma preocupação potencialmente bem maior para o povo brasileiro.

Janja, a primeira-dama protagonista

Rosângela “Janja” Lula da Silva é socióloga com mestrado em Gestão de Políticas Públicas e militante do PT do Paraná desde 1983, quando, aos 17 anos, já participava do movimento Diretas Já.

O auge da sua carreira política, claro, é agora, como primeira-dama. Há quem diga que ela pode vir a se tornar uma Evita Perón da atual fase do Lulismo, mas isso é um exagero, ao menos por enquanto. São personagens muito diferentes.

Eva Perón era atriz e celebridade da rádio quando conheceu Juan Perón e morreu muito jovem, aos 33 anos. Fora isso, era absolutamente amada pelo povo argentino, trazendo multidões por onde andava e tendo uma imagem hoje para os hermanos que é quase de uma santa.

Por aqui, a Janja é desaprovada por 50% dos eleitores que dizem conhecê-la, segundo pesquisa do PoderData de março deste ano.

Para que nós ainda tenhamos esperança de que seja produzido mais um musical escrito por Andrew Lloyd Weber e protagonizado pela Madonna (ou quem sabe com a Ivete Sangalo ou a Jennifer Lopez cantando “Don’t Cry for me, Brazil”), há, claro, semelhanças.

Janja não quer servir apenas para posar para fotos. Ela tem opinião, é participativa e quer ser protagonista, pautar debates públicos.

O “cargo” de primeira-dama

Mesmo não sendo um cargo eletivo (dã), a “posição” de primeira-dama se tornou algo de interesse público, para o bem ou para o mal. Nós podemos pensar que isso vem de uma tendência lançada por Jackie Kennedy, mas é puro viralatismo. Brasil tem tradição nisso há muito tempo.

A conje (sic) do presidente tem importância, talvez, desde a Darcy Vargas, esposa de Getúlio, que comandava projetos assistencialistas. Ela era a mãe que completava a fama do marido de ser o “paizão dos pobres.”

Em tempos mais recentes, desde a redemocratização, tivemos:

  • Roseane Collor (ou ex-Collor, dado que o casal se divorciou), que chegou a ser acusada (e depois absolvida) de corrupção e fraude na Legião Brasileira de Assistencialismo (LBA), instituição tradicionalmente comanda pela primeira-dama e criada justamente pela já citada Darcy Vargas;
  • Ruth Cardoso, do FHC, que era pesquisadora de reconhecimento internacional (algo significativo, até porque foi a primeira primeira-dama a ter diploma universitário) e foi bastante participativa na imagem do marido, opinando sobre drogas, aborto e outros assuntos. Isso pode ter acontecido também porque o Fernando Henrique literalmente acabou com a LBA no seu primeiro dia de governo, o que pode ter sido decisivo para que Ruth atuasse em cargos de mais destaque, inclusive na ONU.
  • Marcela Temer, que não era muito ativa, mas chamou atenção por ser 43 anos mais nova que o marido, ser destaque na matéria da Veja que gerou a fama de “bela, recatada e do lar” e por um caso que envolvia hackeamento de fotos íntimas e terminou com Alexandre de Moraes sendo nomeado para o STF
  • Michelle Bolsonaro (apelidada de Micheque por conta do envolvimento no esquema das rachadinhas), que também não foi muito ativa, mas servia acima de tudo para balancear a imagem agressiva do marido e torná-lo mais “amigável para famílias.” O seu lado evangélico e defensor dos direitos dos deficientes equilibrava os discursos de ódio do ex-presidente.

Em tempo: Uma pena que Dilma não era casada para que pudéssemos trazer um primeiro-cavalheiro para a lista. Seria interessante fazer essa análise.

E agora, Janja Lula?

Janja é bem mais mirada do que as outras primeiras-damas, sobretudo as menos participativas. Não estou dizendo aqui que os ataques são exclusividades da esposa de Lula ou que, por exemplo, Michelle Bolsonaro não foi alvo de comentários maldosos ou de especulações sobre o seu passado.

Mas é que com Janja, o peso está maior. Por dois motivos, basicamente.

Primeiro, pelo óbvio: Quanto mais você se expõe, mais aberta fica para ataques. Fazendo a comparação que se pede, Lula era casado com Marisa Letícia, também militante do PT, durante os primeiros mandatos. Mas a falecida esposa, não era uma figura tão participativa. O que mais se fala talvez seja de ter sido o pivô do caso do apartamento no Guarujá durante a Lava-Jato. Ou seja, foi muito menos atacada que Janja.

Segundo, pelo machismo (também óbvio): Janja não quer ser apenas esposa de Lula. Ela quer fazer mais e participar mais do que qualquer outra primeira-dama jamais fez. Menos assistencialismo e mais política real. E isso irrita bastante gente que acha que mulher serve no máximo para causa social e que governar é coisa de homem, o que gera mais fragilidades indesejadas ao governo.

É alguém sem cargo político que sequer é unanimidade no PT, mas que participa de momentos importantes para a política. Seja com viagens para Paris em missões como primeira-dama ou indicando Margareth Menezes para ministra da Cultura ou Verônica Stermann para o Supremo Tribunal Militar.

Como se não bastasse, os boatos correm soltos. Dizem que Rui Costa, ministro da Casa Civil (órgão mais importante do governo federal e talvez principal articulador da república) e ex-governador da Bahia, teria vazado os áudios relativos ao rolo com Xi Jinping.

Costa acharia ela uma “deslumbrada” e Janja teria uma birra com ele. Que rolo! Mas é do jogo, é da política.

Só que Rui Costa poderia ser cobrado pelo que tem feito tanto no front quanto nos bastidores, Janja não. Ela – digo novamente – não tem cargo público, mesmo com suas ações impactando muito a política. É óbvio: não há impeachment para primeira-dama.

Gleisi Hoffmann, ministra de Relações Institucionais e mais amiga de Janja – desde quando trabalharam juntas na hidrelétrica de Itaipu Binacional – tem uma solução para o problema: Dar um “cargo honorífico” (ou seja, sem nepotismo) e sem remuneração no governo federal, para que Janja tenha “condições de atuar”.

A saída é um caminho para que ela possa “prestar contas” ao povo brasileiro. Também faz com que o relacionamento com a primeira-dama vá além do que é hoje em que políticos ou se afastam para blindar a própria imagem ou se aproximam visando ganhos próprios.

Marketing político e a mulher do César

“Não basta a mulher de César ser honesta, ela tem que parecer honesta” é uma máxima que resume muito do que é feito em termos de relações públicas pelo mundo todo. É assim desde os tempos da Roma antiga e só se fortaleceu no séc. XXI.

Marketing político é questão de estado.

Arranjar um cargo para Janja resolve o problema por enquanto, mas de nada vai adiantar se for algo para inglês ver. Principalmente se isso abrir precedente para que os relacionamentos dos presidenciáveis se tornem foco maior de escrutínio do que sua competência para o cargo.

Se a primeira-dama se tornar uma política, ela deve ser tratada como uma política com a transparência, responsabilidade e consequências que uma democracia demanda de qualquer um que ocupe um cargo público.

Do jeito que está, mesmo que Janja seja muito bem intencionada e eventualmente traga excelentes pautas que precisem de luz, não está funcionando. Um cargo a mais não vai resolver isso.

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Jornalista e marketing manager na AE Studio e Instill.

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