Nos últimos anos, falar sobre bem-estar emocional, segurança psicológica e ambientes acolhedores se tornou algo comum dentro das empresas. A saúde mental dos profissionais passou a ocupar um espaço central nas estratégias de gestão de pessoas, impulsionada por uma nova geração de trabalhadores mais conscientes e exigentes. Esse movimento trouxe inúmeros avanços positivos, como a redução do estigma sobre temas emocionais e a promoção de culturas mais humanas.
Contudo, à medida que essas pautas ganham espaço, também surgem interpretações distorcidas que ameaçam os próprios benefícios que essas práticas deveriam trazer, com muitas empresas passaram a associar “segurança” com “conforto absoluto”, acreditando que a ausência de conflitos, críticas ou debates é sinal de um ambiente saudável.
Mas será que é possível inovar sem provocar desconforto? Será que equipes em constante harmonia conseguem realmente avançar?
Vamos explorar os efeitos colaterais dessa busca exagerada por ambientes “seguros”, mostrando como o medo do desconforto tem bloqueado a inovação, sufocado a criatividade e transformado espaços de trabalho em zonas de estagnação. Também vamos esclarecer o verdadeiro significado da segurança psicológica, baseado em dados e em estudos sólidos, como os da pesquisadora Amy Edmondson, da Harvard Business School.
O conforto que paralisa
Quando líderes e gestores acreditam que oferecer segurança é eliminar qualquer tipo de tensão, estão, na prática, empurrando suas equipes para o conformismo. A intenção pode até ser boa, evitar conflitos e garantir um ambiente harmonioso, mas os resultados tendem a ser desastrosos. Iniciativas são aprovadas sem questionamentos, erros se repetem porque ninguém quer apontá-los, e as decisões passam a ser tomadas por inércia, não por análise crítica.
Esse excesso de cuidado também tem um custo psicológico.
Profissionais que sentem que não podem discordar ou expressar preocupações começam a se retrair. O silêncio, nesses casos, não é sinal de bem-estar, mas de medo. E uma equipe que silencia diante dos problemas, deixa de inovar. Afinal, como criar algo novo se todos pensam igual ou têm medo de pensar diferente?
Um estudo da Ipsos revelou que 43% dos brasileiros preferem cuidar da saúde mental a receber uma promoção, esse dado demonstra como o bem-estar emocional se tornou prioridade, o que é excelente. Mas essa busca precisa vir acompanhada de maturidade para lidar com a complexidade do trabalho, ignorar o desconforto necessário é abrir mão de todo o potencial criativo das pessoas.
Ambientes onde o “não me incomode” vira regra, onde líderes evitam conversas difíceis para não abalar a suposta harmonia, acabam criando um campo fértil para a mediocridade. Como diz Amy Edmondson, “ser legal demais pode ser o caminho mais curto para a mediocridade”, a frase, embora provocadora, resume um dilema comum: a tentativa de proteger os times está, muitas vezes, impedindo que eles cresçam.
A falsa harmonia e suas armadilhas
A harmonia artificial é um dos grandes problemas dos ambientes corporativos que distorcem o conceito de segurança psicológica. Trata-se de um clima onde todos aparentam concordar, ninguém contesta nada, e tudo parece funcionar, até que os resultados param de vir. Nesse tipo de cultura, a falta de debate é vista como sinal de alinhamento, quando na verdade é apenas apatia ou receio de retaliação.
Equipes que evitam conflitos evitam, também, feedbacks sinceros, ideias ousadas e decisões difíceis. Isso não significa que o confronto precise ser hostil ou agressivo. O que se defende aqui é o confronto saudável, onde divergências são vistas como oportunidades de aprendizado e não como ameaças, mas o problema é que, em muitas empresas, questionar virou sinônimo de ser “tóxico” ou “difícil”.
Patrícia Ansarah, colunista da Você RH e fundadora do Instituto Internacional de Segurança Psicológica (IISP), alerta que a confusão entre conforto e segurança está levando as empresas para caminhos perigosos. Em vez de estimular a responsabilidade e o diálogo, elas estão promovendo a omissão e o silêncio. Isso afeta diretamente o desempenho, o engajamento e a capacidade de inovação.
A falsa harmonia também reduz a diversidade de pensamento. Quando todos tentam ser agradáveis o tempo todo, ideias disruptivas são descartadas por parecerem “incômodas” ou “desalinhadas”. Nesse cenário, a inteligência coletiva é substituída por um pensamento homogêneo, onde só sobrevive o que é confortável, mesmo que ineficaz.
O que é, de fato, segurança psicológica?
Diferentemente do que muitos pensam, segurança psicológica não é evitar desconforto. Pelo contrário: é permitir que ele exista, com maturidade e responsabilidade. O termo, cunhado e estudado por Amy Edmondson, refere-se à percepção coletiva de que é possível correr riscos interpessoais, como errar, pedir ajuda, discordar ou propor algo novo, sem sofrer punições ou humilhações.
Em ambientes psicologicamente seguros, frases como “eu errei”, “alguém pode me ajudar com isso?” ou “será que estamos perguntando as coisas certas?” são comuns. Nesses espaços, a vulnerabilidade é tratada como ponto de conexão e crescimento, não como sinal de fraqueza. E isso não significa que não haja desconforto, significa que ele é parte do processo de evolução.
Criar segurança psicológica exige uma cultura onde as pessoas saibam lidar com a complexidade. Onde o medo do julgamento seja menor do que o desejo de contribuir. E, principalmente, onde o erro seja tratado como oportunidade de aprendizado. Empresas que conseguem construir esse tipo de ambiente colhem times mais engajados, mais criativos e com alta capacidade de adaptação.
É importante lembrar que o conceito de “espaço seguro” tem origem em contextos sociais de exclusão, voltado a grupos vulneráveis que buscavam proteção emocional e dignidade. Já a segurança psicológica no trabalho é algo coletivo e contínuo, que se manifesta nas interações diárias, não em zonas isoladas de acolhimento. Confundir os dois conceitos é ignorar suas especificidades e empobrecer ambos.
A coragem de divergir
A inovação exige risco. E todo risco traz desconforto. Se queremos que nossas equipes inovem, precisamos permitir que elas testem hipóteses, desafiem padrões e façam perguntas difíceis. Isso não acontecerá em ambientes que recompensam apenas o consenso e penalizam a dissonância.
O silêncio pode parecer eficiente no curto prazo, mas no médio e longo prazo custa caro. Projetos que não são questionados tendem a ser frágeis, e decisões não confrontadas escondem falhas que poderiam ser evitadas. O medo de parecer “negativo” está levando muitos profissionais a evitar qualquer tipo de contribuição que saia do óbvio e com isso, a mediocridade se instala.
Desenvolver a capacidade de lidar com o conflito é parte da construção de ambientes saudáveis. A diversidade de ideias, de vivências e de perspectivas só gera valor se for acompanhada da disposição para dialogar, para escutar e, quando necessário, para discordar. Discordar com respeito é uma das maiores expressões de maturidade em uma equipe.
A cultura de inovação precisa de mais do que tolerância — precisa de abertura genuína. Isso implica lidar com desconfortos, desafiar certezas e aceitar que boas ideias não surgem apenas em ambientes leves, mas também nos momentos de tensão e dúvida. A diferença entre um time que cresce e um que paralisa, muitas vezes, está na capacidade de encarar essas tensões com confiança.
Bom senso e o balanço entre qualidade de vida com resultados
A ideia de que conforto e segurança são sinônimos tem causado sérios prejuízos à inovação nas empresas. Quando se evita o desconforto a todo custo, perde-se também a chance de pensar diferente, de melhorar processos e de aprender com os próprios erros. Um ambiente sem conflito pode parecer calmo, mas geralmente é um ambiente onde a estagnação reina.
É preciso resgatar o verdadeiro significado da segurança psicológica: um espaço onde as pessoas possam ser autênticas, mesmo quando isso envolve tensão ou incerteza. Isso exige líderes preparados, culturas organizacionais mais maduras e times com coragem de assumir responsabilidades. Não se trata de eliminar o desconforto, mas de aprender com ele.
Para inovar, precisamos de ambientes que desafiem o senso comum, que acolham as diferenças e que encorajem a vulnerabilidade como potência criativa. O futuro do trabalho pertence às organizações que souberem diferenciar conforto de confiança e que tiverem coragem de construir, coletivamente, esse espaço de liberdade responsável.