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E o diabo se reuniu em Santa Catarina

Foto: gerada por IA

Foi em alguma noite ali no começo dos anos 90. Bem dizer, pode também ter sido no final dos 80 ou até por volta de 90 e tantos, seja do século XX ou de uns 2 ou 3 anteriores, mas o diabo veio se reunir em Santa Catarina.

Tinhoso nunca foi um fã natural daqui. Não é pelo motivo mais óbvio, mas o nome dado pelos portugueses não ajudou, claro. A birra vem desde os tempos pré-Cabral.

É que Deus caprichou demais por aqui. Armandinho falou das praias desenhadas namoradeiras, mas é impressionante como também tem serra, vale, neve, calor, banana e maçã. E tainha.

Isso despertou o pior dos pecados em quem tem por missão punir os pecadores. A inveja. Queria ele ter tido uma obra-prima dessas.

Depois de anos, chegou a hora de se encontrar com a equipe responsável a quem delegou – a parte mais difícil de liderar – a missão de acabar com SC.

O primeiro a falar foi o Head de Desinfra-estrutura.

— Vossa malvadeza ficará grata em saber que o trânsito está aumentando. Em alguns anos, ficará impossível passar pela BR-101 sem perder pelo menos uma hora em Itajaí!

— Grande coisa – disse o capeta – Resolver uma rodovia lotada é a coisa mais simples do mundo. Ninguém demoraria para fazer uma duplicação. Precisamos de algo novo.

— Nesse quarter – disse o Head de assuntos exteriores – vamos continuar trazendo mais gaúchos para cá, daqueles que só repetem as saudades de Porto e assinam a Zero Hora, mas não um jornal local. Teremos mais CTGs do que clubes de caça e tiro.

— As danças são mais animadas. E daí?

— Serão tantos que vão querer renomear o estado para Rio Grande do Meio!

— A ideia é ruim. Churrasco e mate não são odiados. Quero outra ideia.

— Se me permitir, chifrulord, – chamou a atenção o Head de desintegração do ambiente – poderíamos aumentar a intensidade das chuvas.

Muitas cabeças balançaram na sala. O Head das CPPPS (coisas púbicas, privadas, patentes e sujeira) quis complementar:

— As oligarquias da região são bem discretas. Olham para as secas do Nordeste e falam dos coronéis, mas nunca investem em prevenção a enchentes, não traz voto.

— E nada mais vai funcionar também! – quis complementar a Head de RD (recursos demoníacos), que não tinha bem um plano, mas não queria ficar em silêncio.

— Nem precisamos fazer nada disso, o aquecimento global já vai fazer por nós, idiotas. Por isso, vocês não avançam na carreira. Falta visão de maldade. – disse o belzebu.

“Nisso mesmo de enchente, o povo que lá mora não é bom de se reconstruir? Eles são muito bons em … – O diabo começou a abrir um sorriso. Os demais membros do board se inclinam, atentos.

“São bons em construir! Pensem comigo: A primeira parte do plano foi trazer um monte de gente de fora para destruir a natureza e incomodar os índios. O problema é que eles procuravam coisas parecidas com as suas terras, morros, vales, frio e não olhavam para o litoral lindo que tinham. Mas isso pode mudar… É tudo uma questão de… Marketing.

Um calafrio percorreu os corpos dos diabinhos pela sala. O problema é que, no calor do inferno, cada calafrio é uma alegria.

— Façam com que as pessoas queiram construir por lá! – começou o diabo – Não morar, mas construir e visitar quando der. Tem que ser um status! Não um estilo de vida, eles precisam continuar nas cidades fazendo poluição, estresse e… Trânsito! Sim, se precisarem ir de um lugar a outro, quanto mais longe for, mais trânsito! Mais estresse, ódio, xingamento…

— Com licença, meu soberano do mal… – o estagiário que tomava nota levantou a mão – Mas com mais casas sendo construídas…

— Prédios. – disse o Head de Investimentos.

— Com mais prédios… – disse o estagiário, envergonhado – Não vai ter mais gente em busca de lugares para morar e novos começos?

— Não se nós fizermos tão luxuosos que ninguém vai conseguir morar neles de verdade – respondeu o diabo – Vai ser tudo sobre construir mais e vender mais. Com tanto esforço em construir prédios, ninguém vai lembrar que os políticos não construíram o mínimo de saneamento básico, ruas, grandes escolas… Nada!

“E então… As suas rodovias, vão ficar ainda mais impossíveis – disse, olhando para de Desinfra-estrutura.

“Para que todos esses prédios possam ter vendas, eles vão ter que aceitar pessoas de todos os lugares e nem vão checar de onde veio o dinheiro. Vai ter gente com saudades dos gaúchos! – continuou para o Head de assuntos exteriores.

“Nas cidades do interior, a farra dos oligarcas vai continuar. Vão se importar menos ainda com o que acontece dentro do estado. E no litoral, teremos novos caciques que passarão imunes a críticas, mesmo com filas inacabáveis em hospitais porque com prédios tão bonitos saindo, quem vai achar que a culpa não é do governo federal? – o Head das CPPPS exibia um sorriso de bochecha a bochecha

“Com tanta gente o tempo todo, eu já consigo ver as prefeituras jogando mais areia nas praias para caber mais gente, mesmo que não tenha mais sol que ilumine, vento que refresque ou água limpa!”

Uma chuva de aplausos ressoou pela sala. “Por isso que o diabo é o diabo!” pensavam alguns.

Enquanto as lideranças saíam, o tinhoso fez um sinal para o estagiário.

— Qual o seu nome, rapaz?

— Diabenzo, senhor.

— Preciso que você me ajude com algo muito importante. Tudo isso precisa ser muito animado e parecer com progresso.

— E como vamos fazer isso?

— Da mesma forma que um político: Faça uma jingle para a temporada!

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Jornalista e marketing manager na AE Studio e Instill.

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