Por Moacir Marafon, vice-diretor de talentos da ACATE.
A escassez de profissionais qualificados em tecnologia é hoje um dos maiores limitadores do crescimento do setor no Brasil. As empresas têm projetos, recursos e mercado, mas enfrentam dificuldades crescentes para preencher vagas técnicas com profissionais preparados. O que afeta não apenas a produtividade das empresas, mas tem impacto direto na competitividade do país e na nossa capacidade de inovar em escala global.
O desafio é claro e está muito bem documentado. A Brasscom (Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação de Tecnologias Digitais) estima 800 mil vagas no setor em 2025. De acordo com o estudo mais recente do Mapeamento da Demanda e Perfil de Talentos para o setor de Tecnologia da Informação e Comunicação de Santa Catarina, a previsão para os próximos três anos aponta a necessidade de mais de 98 mil novos profissionais apenas no estado. É importante destacar que essa demanda não se restringe ao desenvolvimento de software, que representa 45% do total. Áreas como suporte técnico, análise e ciência de dados, marketing digital, qualidade de software, gestão de projetos e segurança da informação também estão em franca expansão.
É importante lembrar ainda que muitos dos profissionais formados, ou mesmo colaboradores que já atuam em empresas consolidadas, optam por empreender e criar suas próprias startups ou empresas de base tecnológica — movimento que enriquece o ecossistema, gera inovação e novas oportunidades de negócios, mas que também amplia a demanda por talentos qualificados, acentuando o desafio de formar e reter profissionais no setor.
Por trás desse déficit há fatores estruturais, como a formação tradicional que ainda é lenta frente à velocidade de transformação do setor. Faltam programas de orientação de carreira e visibilidade das grandes oportunidades que o setor oferece, desde o ensino fundamental e ensino médio e há uma carência histórica de acesso à educação técnica de qualidade, especialmente em regiões mais afastadas dos grandes centros. Além disso, fenômenos como a migração de profissionais brasileiros para o exterior e a concorrência global que se intensificou com a consolidação do trabalho remoto ampliaram ainda mais o desafio.
Superar o déficit de profissionais especializados em tecnologia exige um esforço conjunto. Empresas, governo, instituições de ensino e sociedade civil precisam atuar de forma colaborativa. O setor de tecnologia é uma das maiores forças econômicas do Brasil, mas seu crescimento sustentável depende da nossa capacidade de formar, atrair e reter talentos, inclusive dentro das empresas.
O papel das empresas na formação de talentos
Diante desse cenário, não é mais possível que as empresas aguardem soluções vindas apenas do setor público ou do mercado. É necessário assumir um papel ativo na formação de talentos.
Existem ações concretas que podem ser adotadas: investir em programas próprios de capacitação, como academias internas de tecnologia; firmar parcerias com instituições de ensino técnico e superior; e apoiar projetos sociais e iniciativas públicas que trabalham diretamente na formação de novos profissionais, como o Jovem Programador, o Floripa Mais Tec e o Entra21, que juntos já formaram mais de 8 mil jovens para o setor de tecnologia.
Além disso, é fundamental adotar modelos de contratação mais inclusivos, olhando para o potencial dos candidatos, e não apenas para a experiência prévia. Não é sustentável buscar apenas profissionais prontos, porque a oferta não acompanha essa demanda. Contratar talentos em início de carreira, investir em sua formação e acompanhar seu desenvolvimento é uma estratégia que beneficia tanto as empresas quanto todo o ecossistema.
Mais do que salários ou benefícios, profissionais de tecnologia buscam ambientes que ofereçam oportunidades de desenvolvimento, flexibilidade, autonomia e propósito. Empresas que promovem diversidade, investem em aprendizado contínuo e mantêm uma escuta ativa com suas equipes conseguem atrair e reter talentos com muito mais eficácia.
Diversidade também é parte da solução
Outro aspecto que não pode ser ignorado é a questão de gênero. A tecnologia ainda é um setor majoritariamente masculino, o que representa um desperdício gigantesco de talentos e de potencial de inovação.
Segundo o Relatório de Diversidade de Gênero no Setor de TIC, publicado pela Brasscom em março de 2024, as mulheres representam apenas 39% dos empregos no setor de Tecnologia da Informação e Comunicação no Brasil. Mas há sinais de avanço: entre 2020 e 2023, a presença feminina no setor cresceu a uma taxa anual de 7,7%, superando o crescimento masculino, que foi de 6,2% no mesmo período. Isso mostra que programas educacionais, bolsas de estudo e ações de conscientização estão gerando resultados.
Ampliar a participação feminina é uma resposta concreta à escassez de talentos e uma forma de aumentar a diversidade de pensamento, essencial para a inovação.
Boas práticas que inspiram
No ecossistema de tecnologia brasileiro, não faltam bons exemplos. A Softplan, por meio da Universidade Softplan, oferece cursos e conteúdos gratuitos na área de TI, contribuindo diretamente para a formação de milhares de profissionais. A RD Station mantém a RD University, com foco na capacitação técnica e comportamental. A Involves atua com a Involves Academy, oferecendo formação específica para gestão de trade marketing. A Dígitro Tecnologia também aposta em treinamentos internos e parcerias com instituições de ensino.
Além das iniciativas privadas, o fortalecimento de programas como o Jovem Programador, o Floripa Mais Tec e o já tradicional Entra21, com participação ativa das empresas, tem sido decisivo para ampliar o acesso à formação tecnológica e construir um ecossistema mais robusto e sustentável.