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Cresci, mas virei refém do cliente errado

Felipe Andrade, 34 anos, consultor financeiro por formação e empreendedor por impulso, fundou a Contágio, uma startup de automação de relatórios financeiros para pequenas empresas. A ideia era simples: transformar dados de planilhas e sistemas contábeis em relatórios visuais, fáceis de entender e com insights acionáveis.

Com seu background técnico e uma boa rede de contatos, Felipe conseguiu os primeiros 10 clientes em 2 meses. Eram pequenos negócios, agências, escritórios, prestadores de serviço. Todos com a mesma dor: gastavam horas montando relatórios que ninguém entendia — e não sabiam como tomar decisões com base neles.

Com o tempo, a startup foi ganhando tração. Mas tudo mudou quando um grande escritório contábil entrou em contato e pediu uma demonstração. Eles atendiam mais de 300 empresas e estavam em busca de uma solução que otimizasse o tempo dos seus analistas. Felipe viu ali a oportunidade perfeita.

A reunião foi excelente. Em menos de 10 dias, o contrato foi fechado — com um valor que representava quase o triplo da receita atual da Contágio. Era o empurrão que ele achava que precisava para “decolar”.

Mas o que parecia uma vitória virou uma armadilha.

O cliente grande começou a exigir customizações: novos filtros, integrações específicas, métricas exclusivas, dashboards sob medida. Felipe aceitou. Afinal, era o cliente que sustentava a operação.

Logo, todo o roadmap do produto passou a ser moldado pelas vontades desse cliente. As reuniões quinzenais viraram semanais. Depois, diárias. O time passou a trabalhar exclusivamente nas demandas do parceiro. Os pequenos clientes? Começaram a sair. O produto, que antes era generalista e escalável, virou uma solução sob encomenda.

Felipe percebeu que tinha deixado de construir uma startup para virar prestador de serviço de um único cliente. E mais: o cliente sabia disso — e usava a vantagem a seu favor, pedindo descontos, prioridade e até decisões internas.

A gota d’água veio quando o cliente solicitou a exclusividade da ferramenta para o setor contábil. Em troca, prometeram “renovar o contrato por mais tempo”. Felipe congelou. Se aceitasse, mataria a possibilidade de crescimento. Se recusasse, perderia a maior parte do faturamento. Uma escolha difícil — mas necessária.

Ele recusou.

Foi um baque. O cliente saiu. O caixa ficou no limite. Mas o produto, livre das amarras, voltou a crescer — agora com clareza de posicionamento, foco no cliente ideal e um modelo mais sustentável.

Hoje, a Contágio tem menos clientes do que antes, mas é dona de si. E Felipe aprendeu que dinheiro entrando nem sempre é sinônimo de sucesso.

Aprendizados do episódio:

  • Um cliente grande pode parecer solução — mas se não houver equilíbrio, ele se torna um sócio invisível (e sem contrato).
  • Crescer com base em um único cliente fragiliza o negócio. A diversificação protege a autonomia.
  • Dizer “não” também é uma forma de crescer. Ter coragem de recusar o dinheiro errado é o que separa startups independentes de reféns com CNPJ.

No próximo episódio: escalar o caos é multiplicar o problema. A história de uma startup que viralizou… e quase implodiu por dentro ao tentar acompanhar o próprio crescimento.

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CEO da Sapienza.

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