Por Lisandro Vieira, CEO da WTM, diretor do Grupo Temático de Internacionalização da ACATE, conselheiro da AEB (Associação de Comércio Exterior do Brasil) e diretor de Tecnologia da Associação Latinoamericana de Exportadores de Serviços (ALES).
A reforma tributária já está em curso no Brasil e começa a produzir efeitos concretos a partir de 2026. Embora muitas discussões estejam centradas em produtos e bens, é urgente que os municípios brasileiros comecem a olhar para um setor que representa mais de dois terços do nosso PIB: os serviços. Mais especificamente, o comércio exterior de serviços.
Hoje, menos de 1% das empresas brasileiras exportam serviços, mesmo desconsiderando os pequenos negócios do Simples Nacional. Esse é um número preocupante para um país que precisa ampliar sua inserção internacional e diversificar sua economia. Entre os desafios estão o idioma, a cultura de internacionalização ainda incipiente e, claro, um sistema tributário historicamente complexo e pouco amigável para a exportação e importação de serviços.
Nesse cenário, os municípios desempenham um papel relevante e estratégico. A partir de 2026, a arrecadação municipal deixará de se basear apenas na emissão de notas fiscais locais e passará a considerar o local de consumo dos serviços. Ou seja: a forma como cada prefeitura se organizar para acompanhar e mensurar essa movimentação será determinante para sua participação na partilha do novo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que terá sua base de cálculo estabelecida já em 2026, embora entre em vigor apenas em 2029. Na prática, quem deixar para analisar esse tópico apenas em 2029 poderá ter grandes dificuldades.
Hoje, mais de 90% das empresas que importam serviços não recolhem corretamente os tributos devidos. Isso ocorre, em grande parte, por falta de informação, dificuldade de cumprimento das obrigações acessórias ou mesmo pela complexidade da legislação. A reforma promete corrigir essa distorção com um sistema de créditos e débitos mais claro, o que deve estimular a conformidade. Mas, para isso, os municípios precisarão se atualizar.
Com a nova sistemática, a empresa só terá crédito tributário se o imposto tiver sido pago na etapa anterior. Isso cria um incentivo direto à conformidade, inclusive na importação de serviços, como no caso de plataformas de inteligência artificial e software adquiridos de fora do país, muitas vezes pagos no cartão de crédito pelas empresas com recolhimento apenas de IOF, deixando de lado outros tributos incidentes. As prefeituras que souberem mapear e monitorar essas operações sairão na frente na captação de receita.
Destaco três pontos para os municípios que desejam começar agora a preparação: 1) identificar empresas tomadoras de serviços importados; 2) calcular e notificar essas empresas com segurança jurídica, e 3) fortalecer o município com sistemas que assegurem cálculo preciso, facilidade na declaração e transparência na arrecadação.
Do lado das exportações, a reforma também traz uma mudança de paradigma. Hoje, a economia de tributos não compensa os desafios da exportação para a maioria das empresas brasileiras. Mas com a promessa de alíquotas zeradas sobre serviços exportados e um ambiente mais seguro do ponto de vista jurídico, há um incentivo real para que empresas busquem mercados internacionais e expandam suas fronteiras, além da questão dos créditos tributários que poderão ser compensados.
Os municípios que entenderem essa dinâmica podem se tornar hubs de exportação de serviços. Ao oferecerem segurança jurídica, apoio fiscal e instrumentos tecnológicos para monitorar as operações, irão abrir possibilidades de atração de empresas que buscam essa nova vantagem competitiva.
Estamos falando de uma oportunidade histórica de reposicionar o Brasil no mapa do comércio internacional de serviços. Mas isso exige preparação agora. É importante entender que o tributo não precisa ser inimigo — quando bem compreendido e bem gerido, ele é uma ferramenta de desenvolvimento. Além disso, a reforma tributária será um turbilhão de informações que todos os órgãos, sejam privados ou públicos, precisarão decifrar ao mesmo tempo e encontrar o melhor caminho. É uma história que todos vamos aprender e escrever juntos.