O Dia do Programador, celebrado neste 13 de setembro, levanta discussões sobre o mercado de tecnologia e a formação de talentos. Mesmo que constantemente com alta taxa de vagas abertas, há um cenário desafiador para encontrar profissionais qualificados que supram a demanda.
Segundo dados da ACATE (Associação Catarinense de Tecnologia), cerca de 45% das vagas abertas no setor nos próximos três anos serão para cargos ligados à função de desenvolvimento, o que demonstra uma necessidade constante por parte das empresas e também estratégias de ensino e formação.
Além disso, entre os obstáculos relatados pelas empresas estão os perfis com pretensões salariais altas, mas sem a experiência prática ou a profundidade técnica necessárias, além da dificuldade de alinhar conhecimento técnico com experiência no nicho de negócio.
Outro ponto que tem atrapalhado os contratantes é o modelo de trabalho: muitos candidatos não têm interesse em posições presenciais ou em contratos CLT, o que reduz o leque de opções. O engajamento da liderança é determinante, já que a integração e retenção dependem muito desse apoio, mas também está em déficit.
De acordo com Melina Bandeira Pankush, head de pessoas e cultura na fintech Franq, o processo de seleção na empresa combina diferentes etapas para garantir tanto o alinhamento técnico e cultural, no qual inclui avaliação das candidaturas, busca ativa de perfis no LinkedIn e entrevistas por competências e entrevistas técnicas, além de teste prático, que reproduz situações do dia a dia, permitindo avaliar como o candidato atua diante de problemas reais.
“No fim, há a entrevista com o CTO. Essa etapa é crucial para que o candidato também compreenda a complexidade do negócio e o quanto será necessário se aprofundar nele. Assim, o processo não é apenas uma escolha nossa, mas também dele, entendendo se está preparado e motivado para esse desafio”, explica.
Segundo ela, mais do que o domínio técnico, é importante o profissional valorizar atitudes e comportamentos que sustentam a performance a longo prazo: comprometimento, resiliência, adaptabilidade, flexibilidade, colaboração, atenção aos detalhes e organização são características indispensáveis.
Para quem está procurando uma oportunidade no mercado, conforme Melina, o primeiro passo é analisar atentamente a descrição da vaga e avaliar se as experiências realmente se conectam às exigências. Adaptar o currículo, destacando palavras-chave e experiências relevantes, aumenta a visibilidade e as chances de ser chamado.
“É essencial pesquisar sobre a empresa e seu modelo de negócio antes da entrevista, pois esse conhecimento transmite preparo e interesse. Por fim, demonstre disposição para aprender e se adaptar. Em um mercado tão dinâmico, isso pode ser o diferencial entre ser apenas mais um candidato ou conquistar a vaga”, destaca.
Disputa global por talentos de TI exige mais que salários competitivos
Na avaliação de Bernardo Rachadel, diretor de unidade de Negócio de Varejo e CTO da Zucchetti Brasil, multinacional italiana especializada em sistemas de gestão que atende mais de 120 mil clientes, a formação e retenção de desenvolvedores no país enfrenta desafios cada vez maiores, tanto pela mudança geracional quanto pela crescente disputa global por talentos.
Nesse contexto, a falta de profissionais qualificados pode impactar diretamente os negócios de tecnologia ao limitar a capacidade de expandir projetos, acelerar inovações e atender à crescente demanda por soluções digitais.
“Quando o mercado não dispõe de profissionais na velocidade exigida, há risco de atrasos em entregas, aumento de custos com contratações emergenciais e até mesmo perda de competitividade frente a concorrentes internacionais”, observa.
Para enfrentar esse desafio, empresas do setor têm investido em estratégias de atração e desenvolvimento contínuo de talentos, indo além da remuneração. De acordo com o executivo, iniciativas como programas de capacitação, planos de carreira estruturados, políticas de flexibilidade e um forte alinhamento cultural têm sido determinantes para engajar e reter profissionais.
Na Zucchetti, por exemplo, a aposta tem sido em capacitação técnica permanente, integração de equipes multiculturais e fortalecimento de uma cultura que valoriza colaboração e inovação. Já na Elofy, plataforma de gestão de desempenho e jornada das pessoas colaboradoras que integra o grupo, destacam-se iniciativas voltadas à experiência do colaborador e ao desenvolvimento de soft skills, o que complementa a formação técnica e garante equipes mais preparadas para lidar com os desafios de um mercado dinâmico.
“Essas práticas mostram que, em um cenário de escassez, não basta competir apenas por salários: é fundamental construir um ambiente que ofereça propósito, oportunidades de crescimento e aprendizado contínuo”, complementa Bruno Cortez, CEO da Elofy.
Programadores em IA: escassez que vira oportunidade
A carreira de programador passa por uma fase de intensas transformações. O avanço das ferramentas de inteligência artificial trouxe novas possibilidades, mas também a impressão de que desenvolver software se tornou uma tarefa simples. Na prática, a formação continua exigindo domínio de fundamentos como lógica, arquitetura de sistemas e segurança, além da capacidade de acompanhar o ritmo acelerado das inovações. Para quem inicia no setor, a principal barreira não é apenas aprender linguagens de programação, mas cultivar a habilidade de atualização constante.
De acordo com Rafael Scheidt, CTO da Atomsix, o cenário atual reflete um ciclo que já se repetiu em momentos anteriores da tecnologia, como a chegada dos PCs ou o advento da internet:
“Ser programador nunca exigiu tanto. Somos os mais beneficiados pelas ferramentas de IA e, paradoxalmente, os mais pressionados pela aparente facilidade de ‘criar software’ que elas sugerem. Formação sólida e qualificação contínua seguem essenciais para modelar a lógica de negócio e arquiteturas robustas. O trabalho ficou mais divertido e também mais responsável”.
Com a inteligência artificial ganhando espaço em diferentes setores, cresce também a demanda por profissionais que dominem essa tecnologia. A HostGator, que nos últimos anos ampliou sua atuação de empresa de hospedagem para um ecossistema completo de soluções digitais com IA, sentiu na prática essa dificuldade.
“Encontrar programadores com conhecimento aprofundado em inteligência artificial ainda é um grande desafio. São profissionais raros, muito disputados no mercado. Por outro lado, quem investe nessa formação encontra excelentes oportunidades, com salários mais competitivos e espaço para construir uma carreira de alto impacto”, afirma Ricardo Melo, VP of Growth & Product na HostGator LatAm.
A carência de especialistas em IA tem sido percebida em todo o setor de tecnologia, impactando empresas que buscam acelerar sua transformação digital. Nesse cenário, o domínio dessa área se consolida como um diferencial capaz de abrir portas para trajetórias profissionais promissoras, como explica ele:
“Esses profissionais são muito buscados e merecem reconhecimento porque estão abrindo caminho para o futuro da tecnologia”.
Além da IA, com avanço de metodologias ágeis e ferramentas como o low-code, o desenvolvimento de software deixou de ser uma atividade restrita a ambientes técnicos.
“O programador atual não é apenas alguém que escreve código. É alguém que resolve problemas complexos com pensamento crítico, criatividade e domínio das tecnologias certas. Nosso papel como empresa é criar um ambiente que permita que esses profissionais cresçam e inovem com autonomia”, afirma Danilo Custódio, CEO da Mirante Tecnologia, especialista em fortalecer negócios acelerando a transformação digital e inovação através de soluções digitais.
Para garantir esse ambiente, a Mirante estruturou uma série de iniciativas voltadas à formação e engajamento dos profissionais de tecnologia. Um dos destaques é o Curso de Formação em OutSystems, voltado a programadores e desenvolvedores que desejam aprofundar seus conhecimentos em plataformas de low-code. A capacitação foi incorporada ao processo seletivo como etapa prática e funciona como um filtro técnico e cultural, acelerando a curva de aprendizado e garantindo maior aderência às necessidades dos projetos. De janeiro a março deste ano, a taxa de contratação após a formação chegou a 45%, reforçando a efetividade da abordagem como canal de entrada na companhia.
“Investir no profissional é investir na cultura organizacional como um todo. Desde o onboarding até programas de formação interna, nós buscamos fortalecer a autonomia e a confiança deles desde o primeiro dia, com o objetivo de criar um ambiente onde o programador consiga inovar com propósito e se enxergar como agente de mudança”, afirma o CEO.
Outro exemplo de programa de formação vem do Rio Grande do Sul: em 2022, o Instituto Caldeira, em Porto Alegre (RS) deu início ao Geração Caldeira, nascido a partir da escuta recorrente das empresas da comunidade. Apesar da alta demanda por profissionais de tecnologia, muitas vagas seguiam abertas por falta de pessoas qualificadas e prontas para atuar no ritmo exigido pelo mercado.
Desde então, o programa já atraiu mais de 30 mil inscritos de diferentes regiões do país. Os 200 selecionados para a etapa presencial recebem bolsa de estudos, formação prática e certificações de empresas como IBM, Oracle e Salesforce. O conteúdo cobre áreas como programação, IA & Dados, Marketing & Design e Gestão Comercial além de mentoria de especialistas do setor. A maioria dos participantes conclui o programa com uma proposta de trabalho — a taxa de colocação supera os 90%.
“O Geração não nasceu para ser um programa, e sim uma ponte. As empresas da comunidade nos mostraram que havia talento disponível, mas disperso. A gente desenhou uma jornada que aproxima esses jovens da prática e das oportunidades reais”, afirma Felipe Amaral, diretor do Campus Caldeira.
Velocidade de mudanças tecnológicas é desafio
Para Juliana Kuhn Nunes Pinto, diretora de Gente e Gestão da Betha Sistemas, especializada no desenvolvimento de soluções de tecnologia para a gestão pública, um dos grandes obstáculos atuais para a formação e retenção de desenvolvedores é acompanhar a velocidade da evolução tecnológica.
Segundo ela, linguagens, frameworks e ferramentas mudam rapidamente, exigindo atualização contínua dos profissionais e investimentos constantes em capacitação por parte das empresas. Além disso, a escassez de talentos qualificados intensifica a disputa entre companhias, enquanto fatores como expectativas de carreira, flexibilidade no modelo de trabalho, pacote de valor além da remuneração e o impacto da inteligência artificial ampliam ainda mais a complexidade desse cenário.
“A escassez impacta diretamente a velocidade de inovação, o cumprimento de prazos e a competitividade no mercado, além de gerar risco de sobrecarga para as equipes já atuantes. Na Betha, temos avançado em várias frentes para enfrentar esse cenário: investimos fortemente em capacitação interna, fortalecemos vínculos com instituições de ensino, ampliamos nossa marca empregadora e finalizamos recentemente um plano de carreira estruturado. Também mantemos um olhar atento ao bem-estar, à flexibilidade e ao desenvolvimento de competências em inteligência artificial”, afirma.
Para ela, o futuro exigirá dos programadores uma combinação equilibrada de competências técnicas e comportamentais, além da capacidade de integrar a inteligência artificial ao trabalho:
“Será essencial dominar linguagens emergentes, frameworks modernos, nuvem, segurança cibernética, inteligência artificial e boas práticas de arquitetura de software e metodologias ágeis. Os profissionais que souberem combinar criatividade humana com o poder analítico da IA, de forma ética e estratégica, terão uma vantagem competitiva”.