Você já percebeu como, em muitos grupos ou empresas, as mesmas ideias circulam em loops confortáveis e a inovação simplesmente não acontece? Essa tendência tem nome: homofilia. É a nossa inclinação natural de buscar o que nos é familiar. Mas quando esse círculo fica compacto demais, a criatividade e a mudança sofrem.
Homofilia é como uma bolha confortável, formada por semelhanças em cultura, valores, formação. Só que essa zona de conforto pode sufocar ideias externas, reduzir novas perspectivas e travar o progresso. No dia a dia da DRIN, vemos como convidar sempre as mesmas pessoas ou repetir padrões limita nossa visão do que é possível.
Para leitores do portal Economia SC, esse tema é urgente: inovação é combustível para o desenvolvimento econômico e para empresas abertas ao novo. Se repetimos padrões e evitamos “estranhos”, perdemos o potencial de transformação. Vamos juntos entender como romper essa barreira.
O que é homofilia e por que ela importa
Homofilia descreve a tendência de interagir com quem é parecido conosco, nos mais diversos campos, como escolaridade, valores, formação. Faz parte da nossa natureza social e traz conforto, afinidade e confiança imediata. Não é necessariamente negativa, mas pode ser traiçoeira.
Embora ajude a criar coesão, a homofilia forma “câmaras de eco”, limitando a exposição a ideias diferentes. No ambiente de inovação, isso fecha caminhos. A diversidade de pensamento, de repertório e de vivência é essencial para que surjam novas ideias.
Segundo Everett Rogers, no modelo de difusão de inovações, o contato com ideias diferentes (heterofilia) é essencial para a propagação de novidades. Se todos pensam igual, pouco se inova, porque nada de verdadeiramente novo aparece no radar.
Pesquisas mostram que redes altamente homogêneas tendem a estagnar. Elas promovem apenas melhorias incrementais, e não disrupções reais. E o mais preocupante: isso acontece de forma invisível. A equipe acha que está evoluindo, mas só está girando em círculos.
A limitação da homofilia é real
O sociólogo Damon Centola mostrou que, embora homofilia favoreça adoção de hábitos em redes próximas, ela pode impedir a disseminação de boas práticas em escala justamente por excluir os diferentes. Quando todo mundo pensa igual, ninguém pensa muito.
Um estudo publicado pela Nature Human Behaviour evidenciou que times com maior diversidade produzem resultados mais inovadores e impactantes. A semelhança gera segurança; a diferença gera criatividade. Sem o desconforto, não há evolução.
Outro levantamento, com base em milhões de artigos científicos, revelou que equipes formadas por pessoas de diferentes áreas, etnias e experiências têm maior impacto acadêmico. O novo nasce do encontro de mundos distintos.
Mas atenção: não se trata de eliminar a homofilia. O ponto é saber equilibrar. Laços fortes entre semelhantes têm seu papel. O desafio está em não se fechar a laços fracos, diferentes, mas altamente enriquecedores.
O impacto prático disso em empresas e ecossistemas
Na DRIN, por exemplo, percebemos que inovar exige desafiar padrões. Muitas vezes, trazer alguém de fora do nosso setor ou com perfil completamente diferente é o que destrava uma ideia paralisada. Mas isso exige abertura e coragem para escutar.
Em Santa Catarina, onde o tecido empresarial é forte e inovador, há ainda o desafio da repetição. Eventos com os mesmos palestrantes, conselhos com os mesmos nomes, lideranças com trajetórias muito semelhantes. Isso enfraquece o potencial transformador.
O ecossistema de inovação precisa ser intencional na busca pela diversidade. Rodas de conversa entre setores diferentes, mentoria cruzada, projetos de cocriação com perfis variados. Tudo isso rompe a lógica da bolha homogênea e traz oxigênio para as ideias.
Ferramentas simples ajudam: convidar vozes novas para brainstormings, revisar políticas de recrutamento com foco em pluralidade, estimular debates entre áreas distantes. O resultado é mais inovação, mais empatia e mais soluções fora da curva.
Inovar não é só ter boas ideias, é ter ideias diferentes. E elas não surgem do mais do mesmo. Surgem do embate respeitoso entre perspectivas distintas, da escuta ativa, da curiosidade genuína.
É comum ver empresas investindo em tecnologia, mas esquecendo da diversidade de pensamento. E aí, mesmo com ferramentas modernas, continuam com soluções antiquadas. Porque sem diversidade, a tecnologia só reforça os padrões antigos.
A verdadeira transformação acontece quando colocamos lado a lado o programador e o artista, o jovem e o sênior, o analista e o poeta. Quando há espaço para o inesperado, o diferente, o contraditório.
Ao romper a homofilia excessiva, criamos ambientes onde a inovação deixa de ser discurso e vira cultura. Onde o novo não é rejeitado, mas celebrado.
Sinais sutis de uma bolha invisível
Às vezes, a homofilia não aparece com um grande alerta vermelho. Ela se instala silenciosamente, mascarada por “entrosamento” ou “perfil ideal”. Um dos primeiros sinais é a repetição: reuniões com as mesmas pessoas, decisões tomadas com base nas mesmas referências, ideias que parecem novas mas são variações do mesmo.
Outro indicativo é a ausência de confronto saudável. Se ninguém discorda, questiona ou propõe alternativas verdadeiramente diferentes, é sinal de que há uma homogeneidade perigosa. A inovação precisa de atrito, não conflito destrutivo, mas confronto de ideias que provoque reflexão e evolução.
Observe também os resultados: quando projetos são sempre previsíveis, campanhas se parecem entre si ou as soluções seguem padrões seguros, é possível que a diversidade de pensamento esteja comprometida. A inovação não floresce em terrenos monocromáticos.
Por fim, um bom termômetro é a composição dos times e conselhos. Se todos vieram do mesmo tipo de formação, têm trajetórias muito parecidas ou compartilham das mesmas referências culturais, é hora de buscar novas vozes. Não para substituir, mas para complementar e desafiar.
Abra espaço para o novo, saiba como agir de forma intencional
Quebrar a homofilia exige intenção. Não acontece por acaso. A primeira atitude é reconhecer o padrão e assumir o compromisso de oxigenar ideias. Isso pode começar com algo simples: trazer pessoas de fora para brainstormings, convidar perfis inusitados para mentorias ou debates internos.
Diversificar os canais de recrutamento também é essencial. Em vez de buscar sempre nas mesmas universidades, regiões ou redes de contato, amplie o alcance. Perfis diferentes trazem repertórios diferentes e isso vale ouro quando o objetivo é criar algo novo.
No dia a dia, adote dinâmicas que estimulem a escuta ativa e o confronto de visões. Pode ser por meio de oficinas interdepartamentais, rodadas de feedback cruzado ou revisões colaborativas de projetos. Quanto mais pontos de vista diversos, melhor será o resultado final.
E, sobretudo, crie uma cultura onde o “desconhecido” não seja rejeitado, mas acolhido com curiosidade. Quando a empresa aprende a valorizar o novo e não apenas tolerá-lo, a homofilia perde força e a inovação ganha asas.
A mudança começa pelo olhar
Semelhança cria harmonia e é importante. Mas quando buscamos apenas o familiar, deixamos de evoluir. Inovar é abraçar o diferente com coragem e visão. É aceitar o desconforto inicial de sair da bolha.
Quando a inovação brota, é porque algo novo encontrou solo fértil e isso só acontece fora da zona de conforto. Que possamos enxergar o valor na diversidade e expandir nossa visão de mundo.
E você, já notou bolhas se formando aí no seu trabalho? Compartilhe uma experiência, uma ideia ou um incômodo que trouxe algo novo. Vamos inspirar uns aos outros a romper a homofilia e transformar o agora.