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O que você deixou de ser quando cresceu

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Quando somos crianças, o mundo é um terreno fértil para sonhos. Queremos ser médicos, astronautas, bombeiros, artistas, super-heróis. A fantasia não tem limites. O futuro é um campo aberto, e qualquer caminho parece possível. Grande parte desses sonhos nasce do meio onde crescemos: as conversas em casa, o que assistimos na televisão, as histórias que escutamos antes de dormir. Mas, mesmo com toda essa influência, sempre existe algo que nos faz brilhar os olhos de forma particular. Um detalhe que é só nosso, uma fagulha que, mesmo sem entender direito, nos faz sentir vivos.

Com o tempo, a vida vai apresentando outros caminhos. Mudamos de cidade, conhecemos pessoas novas, enfrentamos desafios. As prioridades mudam, e os sonhos de infância vão ficando mais distantes, quase apagados por trás de boletos, prazos e responsabilidades. Mas, no meio de tantos atalhos e desvios, será que não deixamos para trás justamente aquilo que nos preenchia? Aquilo que, de alguma forma, dava sentido ao que somos?

Conforme crescemos, as comparações se tornam parte do cotidiano. Primeiro entre irmãos e primos, depois entre colegas de escola, mais tarde entre amigos e profissionais. A régua nunca para de subir. No ambiente corporativo, então, a coisa se perde de vez. A busca por sucesso se transforma em uma corrida sem linha de chegada. Benchmark deixou de ser uma ferramenta para processos e se tornou um espelho distorcido, que reflete não o que somos, mas o que achamos que deveríamos ser. “Fulano faz isso e deu certo.” “Ciclano chegou lá porque seguiu esse método.” E, de repente, passamos a viver em função do que deu certo para os outros, esquecendo de perguntar se aquilo faz sentido para nós.

Entre metas, métricas e expectativas, o eu criança vai ficando cada vez mais distante. Aquele que sonhava sem medo de errar, que acreditava em possibilidades infinitas, vai sendo silenciado por planilhas e agendas. Será que ele ainda se reconheceria em quem nos tornamos? Será que seus olhos ainda brilhariam ao ver nossas conquistas?

Essa comparação também chegou aos esportes. O movimento wellness trouxe uma enxurrada de rotinas e fórmulas prontas para o bem-estar. Agora não basta praticar um esporte: é preciso performar, ter a rotina perfeita, acordar antes do sol, fazer banho de gelo e compartilhar cada passo no feed. Mas quantas dessas práticas realmente nos fazem bem? Quantas escolhemos porque gostamos e não porque estão na moda ou porque “as pessoas de sucesso fazem”?

O problema é que transformamos até o lazer em competição. As planilhas de treino se tornaram metas de produtividade. O esporte, que deveria ser um espaço de leveza e desconexão, virou mais uma tarefa para preencher na lista do dia. E quando o prazer é substituído pela obrigação, até o bem-estar vira cobrança.

Talvez a pergunta certa não seja “qual é o melhor esporte?”, mas “qual é o esporte que te faz sentir vivo?”. Qual é a atividade que te faz sorrir sem perceber, que te faz perder a noção do tempo, que te lembra — mesmo que por alguns minutos — do que é brincar? Porque, no fundo, é isso que a infância fazia de melhor: nos ensinava a brincar com a vida.

Crescer não precisa significar abandonar esse olhar. Talvez o propósito não esteja em se tornar alguém diferente, mas em reaprender a ser quem você era antes de tentar se encaixar. Talvez o segredo esteja em voltar a fazer o que desperta curiosidade, o que traz presença, o que faz o coração bater um pouco mais forte.

O que você deixou de ser quando cresceu? E, mais importante, o que ainda dá tempo de reencontrar?

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Empreendedor, advisor, investidor, palestrante, entusiasta de atividades outdoor e apaixonado pelo mar desde sempre.

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